27 out 18 de Outubro: os rostos da multidão
Por Julia Barduco e Maria Julia Pelucio
Quem são as pessoas que vão para a rua lutar contra o sucateamento da educação em Uberlândia, MG.
“A nossa luta unificou. É o estudante junto com o trabalhador!”
“Bolsonaro, seu fascistinha, os estudantes vão botar você na linha!”
“Que decepção! Tem dinheiro para banqueiro, mas não tem para a educação.”
Foram alguns dos diversos gritos que as ruas centrais da cidade de Uberlândia ouviram durante a manifestação do último dia 18 de outubro.
O chamado ocorreu no início do mês, em uma quinta-feira (6), após o governo federal anunciar em uma publicação no Diário Oficial da União (DOU) o bloqueio de R$616 milhões do orçamento da pasta da educação destinados a atividades de pesquisa nas universidades públicas. Foi a União Nacional dos Estudantes (UNE) que convocou estudantes e servidores das instituições públicas para as ruas a fim de manifestar-se contra a ação.
Não demorou muito para que Jair Bolsonaro (PL) voltasse atrás da decisão. No dia 7 de outubro, uma sexta-feira, o Governo Federal recua e libera recursos que haviam sido retidos.
Contudo, os já acionados diretórios, centros e uniões estudantis mantiveram o ato, visto que os cortes vêm ocorrendo desde o início do mandato de Bolsonaro.
Mas quem são as pessoas que vão para a rua? O que motiva elas a estarem na linha de frente contra o sucateamento da educação? O que as levou até lá? A Conexões mergulhou na multidão de rostos, cartazes e bandeiras para descobrir.
A série de mini-perfis a seguir foi realizada por estudantes da disciplina de Jornalismo Especializado, do sétimo período do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Uberlândia, sob orientação da professora Nicoli Tassis em colaboração com a Agência Conexões.
O JOVEM PROTAGONISTA
“Esse é um ato simbólico, mas também de resistência.”
Em meio a batuques e gritos, Matheus Marcos Eloi, 21, é um ponto de cor na multidão. Natural de Itatiba em São Paulo, veio para Uberlândia para estudar Física Médica na UFU.
Cotista, negro e parte da comunidade LGBTQIA+, o graduando sempre foi da militância. Acredita piamente no protagonismo juvenil, ou seja, no envolvimento do jovem estudante em atividades que vão além do seu universo pessoal e familiar, gerando efeitos na vida em sociedade e na democracia. Ainda em sua cidade natal, se formou politicamente na União da Juventude Socialista (UJS) e passou a integrar o Movimento Estudantil quando entrou no Diretório Central dos Estudantes no ano de seu ingresso na universidade, em 2019, onde atuou até o início deste ano.
Lidar com questões sociais e estar presente de corpo e alma em manifestações como as que tomaram a praça Ismene Mendes na última terça-feira, para Matheus, é essencial para mostrar o que é a universidade para a sociedade e como a extensão afeta o restante da população que não está dentro dos muros dessas instituições.
O ADVOGADO DE DIREITOS HUMANOS
“Toda manifestação com participação da juventude é essencial, […] foi a mobilização desse setor da sociedade que fez com que o governo federal regredisse no corte de verbas.”
Nilson Costa, 48, carregava uma bandeira e um sorriso em meio a aglomeração de pessoas no centro da Praça Ismene Mendes.
Ele contou à Conexões que pensa que esse momento é importante para garantir a democracia e melhores políticas públicas. Não é atoa que trinta de seus 48 anos foram passados militando pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Nilson e toda sua família (pai, quando vivo, quatro irmãos e duas filhas) são assentados, ou seja, moram em assentamentos conquistados pelo movimento. Começou sua militância no MST em 1982, quando participou de sua primeira ocupação.
Ele atua como advogado no setor de Direitos Humanos do MST em São Paulo há 16 anos, desde que se formou em direito. Nilson trabalha nas ações concessórias e na defesa criminal da militância que luta pela reforma agrária.
A MILITÂNCIA ORGÂNICA
“Estou aqui pra gente ter uma vitória eleitoral, mas principalmente também uma vitória política que dê força pra gente conseguir desfazer todas as maldades (do último governo) e conseguir reconstruir esse país.”
Sentada, um pouco distante do agrupamento de pessoas, encontramos Camila Moreno, 31.
Camila é da executiva nacional em Belo Horizonte do Partido dos Trabalhadores (PT), partido este que está no centro da discussão política no país há décadas e especialmente nos últimos meses, após a confirmação da candidatura do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva em julho.
A professora e mestre em literatura afirma que o ato, intitulado Ato Nacional Contra o Confisco de Verbas, veio para Uberlândia para ver o que ela chama de luta contra o fascismo no Triângulo Mineiro e para apoiar a eleição de Lula.
Aliás, sua militância está amplamente relacionada à figura do ex-presidente. Camila adentrou a militância no segundo turno da eleição de 2006. Ela já era uma pessoa engajada na escola (participava, inclusive, do grêmio estudantil!), mas foi na reeleição de Lula que ficou preocupada diante da possibilidade de “perder o Brasil pro neoliberalismo”, que a professora, então estudante, foi até o PT, pois queria ajudar, queria contribuir de outras formas.
Foi ali que conheceu a esquerda, a juventude do PT, que se filiou e que começou a militar mais organicamente e se envolver de forma estadual, nacional com movimento estudantil, na UBES, na UNE e na vida.
Militar organicamente para Camila é ter um coletivo que se dedica a causas coletivas e que a partir dessas causas e construções coletivas, empenha sua vida a fazer parte disso, no caso é o PT. Significa pensar junto com outras pessoas formas de mudar o mundo.
Ela acredita que o governo atual é um inimigo a ser derrotado, porque o país precisa de um governo que de fato priorize a educação brasileira.
A MILITANTE DO DCE
“Nós jovens somos 42% da população! Temos uma força eleitoral grande e muitas vezes não nos damos conta disso. […] Nós somos o povo que governa esse país!”
Próximo a confecção de cartazes encontramos Eulália Veloso, 23, que integra a atual gestão do Diretório Central dos Estudantes da UFU, Esperançar Por Todos os Cantos, responsável pela formação política.
A jovem é estudante do curso de Direito e relata que desde o ensino médio sempre esteve presente em pautas consideradas de esquerda. Ativista e defensora do aborto, descobriu que só conseguiria fazer a diferença que quer ver no mundo através da militância política.
Atualmente Eulália trabalha como assessora da deputada federal eleita Dandara Tonantzin (PT) e considera importante a reeleição do ex-presidente Lula, pois na posição de estudante de uma universidade federal, acredita que os cortes e ameaças que o atual governo faz desde o início de seu mandato interferem não somente na vida acadêmica mas também no funcionamento da instituição como parte integrante da sociedade.
Quando pensa no atual cenário do país e em todo contexto político atual, Eulália diz que o sucateamento que a educação encara ocorre porque esse era um espaço antes elitizado, composto por pessoas de classes mais altas. Pobres ocuparem esses espaços, segundo ela, causa insegurança na elite.
O FORMADOR DE MILITANTES
“Eu sou formador de militantes! […] O que isso significa? É você ter conhecimento e ajudar outras pessoas a ter o mesmo conhecimento.”
Ao lado do advogado dos direitos humanos encontramos o senhor Manoel Erazio de Lima, 60, que faz parte do MST há 21 anos.
Manoel concluiu há 17 anos o assentamento onde vive até hoje com seus filhos. Sua luta dentro do MST é semelhante aà de centenas de outras pessoas: ele e seus filhos vivem do trabalho que fazem nos assentamentos e ajudam duas cozinhas comunitárias com doações de verduras e hortaliças semanalmente.
Manoel, ainda, entrega hortaliças em residências. Ele pega pedidos com seus clientes e entrega durante a semana, produtos orgânicos, plantados com suas próprias mãos.
Ele lembra da importância que os pequenos agricultores têm na economia do país e que fazem mais de seis anos que não recebem subsídios para manter seus negócios, mesmo que 78% das famílias brasileiras sejam alimentadas pela agricultura familiar.
O professor conta que os cortes e ameaças não só à educação, mas também à saúde vêm acontecendo há muito tempo e que a população tende a não perceber pois o governo faz aos poucos, até causar um estrago maior.
A educação, para Manoel, é o pilar para tudo e sem a universidade pública não sabe onde seus filhos poderiam estudar. Para ele, a importância de atos desse tipo cobrar o governo direitos.
Esses são cinco, das centenas de rostos que compunham a multidão para manifestar a insatisfação com as atitudes que o governo federal tomou nos últimos meses.
Os estudantes e os trabalhadores de Uberlândia resistem.
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