
19 fev A força da sociedade civil em tempos de descaso ambiental
O país já se acostuma ao descaso do poder público e privado no que tange às questões ambientais que o comprometem; assim o foi desde a colonização portuguesa e espanhola | Foto: Mobilização Nacional Indígena
Em fevereiro de 1984, cerca de 93 mortos e 500 moradias destruídas em Cubatão, no interior do estado de São Paulo, após incêndio causado por falha nos dutos subterrâneos da Petrobrás e o consequente vazamento de 700 mil litros de gasolina. Em setembro de 1987, a profunda contaminação de pessoas e recursos naturais por Césio 137, em Goiânia. Em 2000, o vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro; e de quatro milhões em Araucária, Paraná. Em 2003, o vazamento de barragem em Cataguases; em 2007, o rompimento da barragem em Miraí, ambos ocorridos em Minas Gerais. Em 2011, mais um incêndio, desta vez na empresa Ultracargo, em Santos e, por fim, em 2015, o histórico rompimento da barragem de Mariana, considerado o maior desastre ambiental do Brasil.
O país já se acostuma ao descaso do poder público e privado no que tange às questões ambientais que o comprometem; assim o foi desde a colonização portuguesa e espanhola – responsáveis pelo denso desmatamento da mata atlântica e região litorânea, bem como os agravamentos decorrentes da mineração, entre tantas outras dívidas que herdamos dos europeus –, e segue se agravando no cenário socioeconômico atual, dominado pelo aquecimento global, extinção de espécies, degradação do solo e poluição de todos os tipos. Soma-se a isso o calculado e insuficiente discurso empreendedor de aliança entre os interesses empresariais e ambientais, em que se fala sobre os grandes serviços prestados pela empresa para a preservação do meio ambiente, enquanto mantém-se interessado silêncio durante ações predatórias, porém lucrativas.
Um grande exemplo foi a quase destruição, em agosto de 2017, da Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca), na floresta amazônica, área ambiental de 46.450 km² que contém em sua propriedade três Unidades de Conservação (UC) de proteção integral, quatro unidades de conservação de uso sustentável e duas terras indígenas. O motivo, como sempre, de caráter colonial: mineração. O decreto só foi alterado após estrondosa reação de ambientalistas e da comunidade internacional, que insurgiu contra a resolução sob diversas instâncias, inclusive no Rock in Rio. A cantora Alice Keyes, por exemplo, levou ao palco a líder indígena Sônia Guajajara, pressionando senadores a trabalhar pela revogação do decreto. Diante de tantas manifestações, o impopular presidente Michel Temer trouxe algumas salvaguardas para as áreas protegidas, mas nem tudo são flores: o decreto continua sem proteção aos efeitos indiretos da mineração e do garimpo na região.
Diante de tal cenário, percebe-se a força da manifestação popular quando insatisfeita. E o ministro das Minas e Energias, Fernando Coelho Filho, acabou representando bem quão irresponsável se mostra o poder público quando o assunto é meio ambiente. Em entrevista coletiva com imprensa estrangeira em setembro do ano passado, declarou que o Governo tem conhecimento de que pelo menos três mil garimpeiros ilegais trabalham na área da Renca. Também alegou que a situação permanece porque “ninguém nunca reclamou; ninguém nunca assumiu uma indignação com esse caso”. As perguntas que ficam são: será que o povo realmente assume o completo silêncio na questão? Se fosse esse o caso, por que esse artigo estaria sendo escrito agora? De toda forma, é necessário que se assuma indignação em situações ambientalmente desastrosas para que o poder público se manifeste? O primeiro passo não deveria ser justamente responsabilidade dele?
A situação só seria mais desanimadora se não se tomasse como base um estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP), em dezembro de 2008, acerca da influência da sociedade civil nos processos causadores de danos ambientais. Para a administradora Roseli Nunes Coletti, da Escola de Engenharia de São Carlos, se a participação social é declarada no início do processo, aumentam as chances de efetividade das demandas populares. Dessa forma, os grupos sociais têm grande força, capaz de interferir no rumo dos projetos e, consequentemente, impedir o andamento de medidas destrutivas*.
*Mais informações sobre o estudo disponíveis aqui.
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