18 jul A guerra que não te importa
A criminalização de movimentos sociais não é uma tendência nova no Brasil. A ditadura inaugurou essa prática de uma forma mais sistemática e aliada às ramificações do Estado, a partir da Polícia Militar, por exemplo. Desde então, episódios de extrema violência contra defensores dos direitos humanos, movimentos sem-terra e indigenistas chegam ao noticiário e despertam diferentes graus de empatia por parte da sociedade brasileira. Na história recente, não há como não lembrar do massacre de Eldorado dos Carajás, em que 19 sem-terra morreram em uma ação policial no Pará, no ano de 1996. O estado, recorrente palco de disputa de terras entre posseiros e latifundiários, protagonizou mais uma chacina neste ano. No dia 24 de maio, dez trabalhadores rurais sem-terra foram assassinados em uma operação que envolveu policiais militares, civis e seguranças privados.
Corpos de vítimas colocados em sala sem refrigeração no Hospital de Redenção, no Pará. (Foto: Repórter Brasil)
A ONG Repórter Brasil, especializada em coberturas que envolvem violação dos direitos humanos, trabalhistas e socioambientais, tem acompanhado esta que é a maior chacina de sem-terras desde Eldorado dos Carajás. De acordo com reportagem da ONG, a família proprietária da fazenda Santa Lúcia, ocupada pelos posseiros, contratava seguranças privados para impedir a entrada dos trabalhadores rurais na fazenda. Quando um destes seguranças foi morto, a polícia foi incumbida do mandado de prisão de 10 sem-terra investigados pelo crime. O que saiu da operação não foram pessoas algemadas, mas corpos ensanguentados, torturados e sem vida.
O caso ganhou novos contornos e delineou-se como uma suspeita de vingança quando sobreviventes e testemunhas alegaram que a operação contou com a participação de seguranças privados e do superintendente da Polícia Civil de Redenção, região onde se localiza a fazenda. De acordo com as testemunhas, o superintendente Antonio Miranda ordenou pessoalmente as execuções e comemorava, aos gritos, as mortes. Três dias depois do enterro das vítimas, em 29 de maio, deputados e organizações ligados às polícias civil e militar realizaram ato em apoio aos acusados. O deputado estadual soldado Tércio Nogueira (PROS/PA) chegou a ser aplaudido quando disse que os produtores rurais, fazendeiros, policiais e bombeiros não estavam a sós “nessa guerra”.
É preciso ter grande domínio do processo histórico brasileiro para que se consiga dar sentido aceitável aos episódios descritos. Aqui não se arrisca este tipo de profundidade, mas é preciso fazer a seguinte questão: se temos uma guerra no Brasil, que tipo de guerra tem revólveres de procedência militar de um lado e, do outro lado, barracos de lona e espingardas enferrujadas ? A construção de um suposto conflito entre forças pares serve apenas à manutenção da inércia da população brasileira (que já não é tão difícil de se manter). Assim como nos frequentes episódios de assassinato de indígenas por iniciativa de ruralistas, o problema é encarado como longínquo dos grandes centros urbanos, quase uma outra realidade. Os poucos de nós que nos importamos, o fazemos momentaneamente, até que outro episódio em nossas próprias vidas particulares ofereça um maior senso de urgência. Enquanto isso, a guerra é travada e pagamos de bom grado o preço acessível do milho, do feijão e da carne de gado. “Mal passada, sangrando garçom!”
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