01 set “A medula pegou”, relato de um recomeço
Fé, família, amigos, esportes e viagens são alguns dos valores presentes na rotina do mineiro, Mikaell Augusto da Cunha, 27, criado em Uberlândia desde os três anos de idade. Apreciar os momentos o melhor possível é uma das formas que sempre gostou de viver.
Aos 25 anos, o publicitário foi surpreendido com uma notícia que transformaria sua vida. “Em junho de 2019, eu comecei a sentir dores no peito e foi ficando frequente, como eu fazia musculação e crossfit eu confundia com dor muscular, então demorei para me atentar, investigar e fazer exames, até que chegou um ponto que a dor foi insuportável”, relata.
Cunha procurou um hospital e fez uma bateria de exames que detectaram uma alteração considerável nas taxas sanguíneas. Buscou médicos específicos, fez tomografia, biópsia e descobriu o que estava lhe causando tanta dor: um câncer originário no sistema linfático, chamado de linfoma de Hodgkin.
O câncer estava em um nível intermediário, logo, aquele tempo que já era apreciado antes, tornou-se ainda mais caro. Cunha foi submetido a 12 sessões de quimioterapia que se encerraram em janeiro de 2020. Em abril, o rapaz concluiu o tratamento depois de passar por um mês de radioterapia. Após esse período, foram feitos exames que comprovaram a ótima notícia, o câncer havia sumido. A partir desse momento, ele entraria no que é chamado de remissão – a cura definitiva, só acontece cinco anos após a comprovação de nenhuma atividade cancerígena no corpo.
Em junho de 2020, Cunha precisou passar por um procedimento odontológico, uma extração dos sisos – tudo com permissão e acompanhamento médico – e coincidentemente uma semana depois, apareceu um caroço em seu pescoço. Nesse momento, o jovem já sentia o que estava por vir. Como uma passagem no tempo, toda aquela rotina desafiadora voltou a ser parte de sua vida. Por meio de um exame chamado Pet-Scan, utilizado para verificar o desenvolvimento do tumor, sua angústia foi confirmada.
O mineiro passou pelo tratamento de quimioterapia mais uma vez, e assim como a primeira, contou com o amparo de sua família e amigos – apesar das restrições da pandemia e da doença – para enfrentar os obstáculos e se manter focado em atingir a cura. Outro ponto essencial em sua vivência foi sua fé. “Tento sempre me conectar com Deus. Acredito que está comigo a todo momento e que independente da dificuldade que eu esteja passando, será só uma fase pra trazer aprendizado e para minha evolução pessoal”, revela.
A medicina, somada à sua vontade de melhorar, tiveram resultados. Pela segunda vez, Cunha entrou em estado de remissão. Porém, foi informado que precisaria de um transplante de medula óssea – autólogo, por indicação médica – para ter mais chances de impedir que a doença ressurgisse.
Para o transplante, foram realizadas sessões de quimioterapia para destruir as células doentes. Em seguida, o jovem precisou tomar medicamentos que estimulassem a produção da nova célula de medula. Como explicamos na reportagem de ontem, o procedimento consiste em uma espécie de transfusão de sangue, onde a nova célula é injetada através de um cateter, caindo direto na corrente sanguínea. Então, o organismo passa a querer identificar aquele componente que está sendo injetado novamente e quando isso ocorre significa que a medula pegou.
“Eu não tinha muito conhecimento de como funcionava. Foi tudo muito novo, eu nem sabia que a coleta da medula era feita no hemocentro. O meu transplante durou cerca de 20 minutos, eu não senti nenhum mal estar, foi bem tranquilo. Tomei um medicamento e fiquei um pouco sonolento. No começo eu não conseguia ficar de olhos abertos. Porém, eu sabia tudo o que estava acontecendo à minha volta”, recorda.
Após o transplante, o publicitário precisou ficar internado até que a nova medula se estabilizasse em seu corpo, uma vez que antes da “pega” o corpo fica bastante exposto e debilitado. Cunha precisou fazer transfusão de plaquetas e de hemácias durante esse período, além de hemogramas diários para acompanhar a evolução das células. Em 15 dias, a grande notícia chegou: seu organismo havia aceitado de bom grado seu novo recomeço. “É uma coisa muito incrível. Um dia você não está se sentindo bem e no outro acorda você e pensa – nossa! Hoje estou bem melhor”.
Apesar das boas novas, o publicitário segue cuidando de sua saúde. O processo de transplante requer alguns cuidados. Em seu caso, os médicos indicaram a aplicação de 16 doses do medicamento Brentuximabe Vedotina (Adceres), que custa em torno de 20 mil reais cada. Cunha realiza seu tratamento em rede particular, por meio do plano de saúde e já fez metade das aplicações. “Dei uma pesquisada na época sobre isso porque achei muito curioso, eu também não tinha a noção desse tratamento, ele realmente é muito importante para quem faz o transplante de medula, para que ele se consolide e até para quem já fez todos os tratamentos e não tem mais alternativa”, conta.
Sobre o uso do medicamento, o jovem explica que ele é considerado uma quimioterapia, mas sem efeitos colaterais consideráveis, como enjoo ou queda de cabelo. Na época, o paciente foi informado pelo médico que o transplante aumentou em 60% as chances do câncer não reincidir, mas que as aplicações – apesar do risco de prejudicarem o organismo – ampliariam essa chance para 80%. Felizmente, sua adaptação foi tranquila. “É bem tranquilo, geralmente eu faço a aplicação na parte da manhã e à tarde já vou trabalhar. Consigo levar minha vida normalmente usando essa medicação”, relata.
SUS
Em relação ao Sistema Único de Saúde, apenas em 11 de março de 2019, o Ministério da Saúde/Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos publicou a Portaria n°12, tornando pública a decisão de incorporar o remédio ao tratamento de pacientes adultos com linfoma de Hodgkin refratário ou recidivado após transplante autólogo de células-tronco hematopoéticas, mediante negociação de preço.
O mineiro elogia a qualidade do Hospital do Câncer de Uberlândia, mas confessa que não sabe se teria a mesma agilidade e rapidez para iniciar seu tratamento caso o fizesse na rede pública. “Somos muito privilegiados pelo Hospital do Câncer, ele oferece condições relativamente boas. Porém, é muito difícil e muito demorado, é preciso esperar uma vaga. Você precisa fazer um transplante, mas existe uma série de burocracias, é bem complicado e o custo de um tratamento de câncer hoje é exorbitante”, confessa.
Na época, Cunha compartilhou sua história em seu Instagram, o que fez muitas pessoas se interessarem pelo tema. “Eu fiz uma postagem comemorando a pega da medula, muita gente veio perguntar como funcionava” relata, destacando “a importância do envolvimento coletivo para que fizessem o cadastro de doador de medula. É uma luta contra o tempo, é tudo muito rápido, então se todo mundo puder se cadastrar nesse programa seria uma facilidade muito grande para quem precisa”.
Uma curiosidade é que, depois do transplante, o jovem precisou tomar novamente todas as vacinas que já havia tomado quando criança, “É como se o meu corpo tivesse começado do zero. Você renasce, por isso é preciso ter essa preocupação em relação à vacinação”, explica.
Toda sua trajetória com a doença, incluindo o transplante de medula, proporcionou ao publicitário um recomeço que envolve muito mais amor à sua vida e todas as pessoas que estiveram ao seu lado. Com carinho, Cunha deixa um recado para todas as pessoas que estão passando por uma situação de saúde complicada como o câncer e também faz um pedido atencioso aos jovens. “Façam o tratamento com uma visão positiva. Sei que haverá dias difíceis, mas pensar que vai dar certo faz toda diferença”. Para os jovens, o conselho é “cuidem da saúde, independente da idade,se atente aos sinais, o corpo fala com você ”.
Ao ser questionado sobre seu futuro e seus sonhos, o mineiro revela, “depois de tudo o que vivi, percebi que sou muito agraciado por muitas coisas na vida. Não sou mais de fazer planos de um futuro tão distante, gosto de um futuro mais próximo. Acredito muito em Deus e em seus planos. Então sei que as coisas acontecerão na hora certa. O importante é ter pensamento positivo sempre e lutar pelos objetivos”, finaliza.
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