12 dez A pandemia acabou? Uma reflexão sobre a importância da transparência de dados públicos
por Ana Spannenberg
Caminho pelas ruas de Uberlândia, vou a estabelecimentos comerciais, repartições públicas, unidades de educação e saúde, tanto públicas quanto privadas. Em todo canto, estou sempre de máscara, esse acessório que há mais de dois anos é quase uma extensão do meu corpo. Me assusta a quantidade de gente sem ela, assim como os olhares que recebo por onde passo: um misto de estranhamento, desprezo e pena.
Além da máscara e dos cuidados básicos, as vacinas também estão em dia. As minhas e de toda a família. A última que faltava, minha filha caçula, recebeu sua primeira dose na semana passada, quase três meses após a liberação da Anvisa para essa faixa etária. Apesar de todo esforço de desinformação e mau atendimento que os serviços municipais de saúde fizeram, divulgando a liberação das doses a todas as crianças entre seis meses e dois anos, porém sem fornecer imunizante suficiente aos locais de vacinação, depois de duas semanas buscando em diversas unidades e ouvindo as mais variadas desculpas, enfim ela pôde começar sua imunização.
Sei que alguns olham torto para meu exagerado zelo e preocupação com a Covid-19. Não me importo! Além de ter perdido pessoas queridas, ainda hoje recebo notícias de amigos que estão tendo que aprender a conviver com sequelas que os médicos não sabem dizer se serão reversíveis ou definitivas. Sem contar com o fato de viver na vigésima cidade brasileira com maior número de óbitos ao longo de toda a pandemia. Os números de Uberlândia foram maiores do que os de muitas capitais e, até, de alguns estados inteiros.
Mas será que existem motivos concretos para essa preocupação? Quando olho os números oficiais, divulgados pelo Boletim Epidemiológico de Minas Gerais, parece que não há justificativas para meu excesso de cuidado. Desde o dia 04 de outubro de 2022 não temos um único caso novo de testagem positiva para Coronavírus no município de Uberlândia.
Esse dado, contudo, é ilusório. A Conexões mostrou em uma reportagem, com rigorosa apuração, que há, sim, uma tendência de aumento no número de casos de Covid-19 na cidade, confirmada por autoridades como infectologistas, laboratórios e a própria Secretaria Estadual de Saúde. O que falta é o repasse dos dados oficiais para a Secretaria Estadual de Saúde, que compila o boletim diariamente. O que falta é a transparência de dados públicos, que deveriam ser compartilhados com a população para alertá-la sobre o perigo real que está correndo ao não adotar as medidas preventivas básicas, como uso de máscaras e higiene das mãos ou a atualização do esquema vacinal.
O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 269, tipifica como crime, passível de pena de detenção e multa ao profissional de saúde que “deixar […] de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória”. O artigo refere-se especificamente à conduta médica, entendendo que a não divulgação pode representar risco à coletividade. Mas, será que as autoridades de saúde que deixam de notificar a ocorrência de doenças graves e com transmissão acelerada também não seriam responsáveis?
Não temos informações reais sobre números de casos positivos, internações e mortes causadas pelo novo Coronavírus em Uberlândia há mais de dois meses. Na contramão de dados nacionais que demonstram crescimento acelerado, pelo retrato do poder público local, Uberlândia é um oásis de tranquilidade em relação à Covid-19. E, portanto, se não há pandemia, não há necessidade de máscaras ou de busca por vacinas, certo?
Errado. A negligência da Prefeitura Municipal de Saúde tem gerado uma falta de transparência na divulgação dos dados sobre a doença. E, muito provavelmente, pode estar contribuindo com a redução dos cuidados e a baixa procura da população pela vacinação. Contraditoriamente, a própria PMU tem intensificado campanhas de conscientização sobre a necessidade de conclusão dos esquemas vacinais, como também divulgado pela Conexões.
O fato é que existe erro. Os números oficiais não refletem a realidade. A questão, que ainda deverá ser respondida, é se o erro foi por ato ou omissão. Ou seja, se deliberadamente o poder público de Uberlândia decidiu não repassar os números de aumento de casos para o Boletim do Estado, ou se, simplesmente, não se interessou mais pelo assunto, omitiu-se. Independente da resposta, o erro deve ser divulgado, corrigido e punido pelas instâncias competentes, pois ainda que não possamos enquadrá-lo como crime, no mínimo, revela o descaso do poder público com a saúde da população que deveria proteger.
Sorry, the comment form is closed at this time.