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A questão indígena no Brasil: uma conversa sobre representatividade e os desafios na educação

Os povos indígenas carregam em sua história o peso de serem os primeiros a criarem raízes no território brasileiro. Propagaram seus costumes, sua cultura e sua língua antes e depois do processo de colonização europeu, quando se iniciaram os conflitos entre colonizadores e nativos. Engana-se quem pensa que tudo se resolveu com o passar do tempo. Além dos milhares de índios dizimados, ao longo dos anos os embates entre indígenas e ruralistas em razão dos processos de demarcação de territórios se tornaram crescentes, além da luta pela preservação da identidade e da busca por direitos que os tornem visíveis perante a sociedade.

Diante desse cenário, a Conexões conversou com Maximino Rodrigues, da etnia guarani, que segundo dados do IBGE de 2010, é composta por cerca de 45 mil pessoas. Ele nasceu na aldeia tradicional Jaguapirú/Bororó, na região de Dourados (MS), onde vive até hoje. Professor concursado no município, Maximino conta como foi sua educação, a escolha da profissão, os desafios da educação para o indígena e a questão da representatividade nos espaços políticos.

 

 

 

Juntamente com sua comunidade, Maximino luta por respeito e pela preservação da cultura indígena. Foto: Arquivo pessoal

 

 

 

 

 

 

 

Conexões: Como foi sua infância? Em relação à educação, você estudou em alguma escola indígena?

 

Maximino: Quando criança tive a oportunidade de viver ao lado de meus pais e avós a beira da fogueira e ouvindo muitas histórias que eram reais, por exemplo, a história do Saci, que para o branco, [o personagem] é negro, mas para nós o Saci é loiro. [Em meio às] lutas e perdas de nossos territórios no passado, a educação ocorria ali mesmo, quando éramos surpreendidos pelos nossos avós que nos ensinavam através do ouvir e do observar ao redor de onde moro até hoje. Nas noites de dança também aprendíamos brincando como se defender e se proteger ao adentrar nas matas. Também estudei na escola do branco onde sofri preconceito e discriminação. Depois, consegui terminar minha faculdade de “professor Tradicional Cultural”, hoje pedagogo. Não gosto muito dessa palavra [pedagogo] e sim professor. Minha escola indígena foi na aldeia e continua na aldeia hoje.

 

Conexões: Como foi o processo da escolha da sua profissão até o momento da formação acadêmica?

 

Maximino: Antes de me formar como professor eu já fazia parte da escola [na aldeia] por conhecer minha cultura. Hoje sou professor concursado por seletiva de um concurso específico para a educação indígena. Sou feliz ensinando minhas crianças Guarani-Kaiowa.

Conexões: Como você enxerga a educação indígena atualmente?

Maximino: Teve pouco avanço. Mesmo o governo nos oferecendo várias oportunidades, ainda somos vistos como aqueles que tiveram um “facilitador” para conseguir as coisas, ou seja, não reconhecem que somos capazes. No meu ponto de vista, estou preparado para trabalhar tanto na cidade como nas aldeias. Alguns projetos educacionais do governo têm preparado indígenas somente para trabalhar com indígenas. Mas fico feliz porque hoje temos vários parentes de opinião própria e formados em várias áreas.

 

Conexões: Como você enxerga a participação da comunidade indígena na política hoje? Existe representatividade?

 

Maximino: Infelizmente os povos indígenas tiveram pouca oportunidade para o mundo político. TTemos vários parlamentares pelo país que representam seu povo, mas nem sempre dentro de uma tribuna se consegue algo satisfatório para a comunidade. O poder de domínio em uma mesa de parlamentares é sempre de uma maioria não indígena. É difícil sermos bem representados. Durante 500 anos na história deste país chamado Brasil ainda não teve sequer um indígena nomeado para presidente da FUNAI. Acredito eu que talvez chegue esta hora, pois já temos fortes candidatos para este cargo. Mas a luta continua.

 

Conexões: Qual a situação que se tem a respeito das políticas públicas e sociais voltadas para os povos indígenas no Brasil?

 

Maximino: É discutido sim políticas públicas em todo território onde há povos indígenas, mas quando chega na mesa do “mburuvicha” [homem da lei], dependendo da política, tudo é maquiado e arquivado.

 

Conexões: Nas universidades encontramos muitas pessoas que estudam e se especializam na cultura indígena, mas vemos poucos indígenas que estudam e se especializam em sua própria cultura (ou em qualquer outra área que desejarem). Em sua opinião, qual o motivo disso?

 

Maximino: Um dos motivos é a falta de oportunidade, outra coisa é a concorrência, e mais um ponto é o governo oferecer projetos de especialização somente para índio trabalhar com índio. Portanto sou bem direto no assunto, muitos brancos se especializam nesta área já pensando na oportunidade de trabalho e não para ajudar os indígenas de fato, [são] oportunistas. Falo isso porque tenho experiência. São poucos os que estudam e realmente tentam nos ajudar. Outro fato é: se especializam por tratar de um assunto que é visto como uma dívida com os nativos, “tomamos suas terras”. Isso o próprio governo prega. A relação de aproximação com as grandes cidades também possibilitou que o indígena cursasse graduação, se estabilizasse na cidade e ele ali ficou, não indo mais de encontro com o seu povo para ajudá-lo.

 

Agência Conexões
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