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“A Universidade é um patrimônio social”

Jhyenne Gomes e Ana Spannenberg

Você sabe o que é extensão universitária? Como explicamos ontem , damos esse nome a toda ação desenvolvida pelas universidades junto à sociedade, compartilhando os conhecimentos desenvolvidos no ensino e na pesquisa para fora dos muros. “A extensão se assenta em dois pilares: a formação do estudante articulado a uma dimensão sócio referencial, ou seja, esse estudante se articulando com os diferentes espaços sociais”, explica o Pró-Reitor de Extensão e Cultura da UFU, Hélder Eterno da Silveira.

Dando sequência à série “A UFU no cotidiano de Uberlândia”, a Conexões traz hoje uma entrevista com o pró-reitor Hélder Silveira. Graduado em Química, com mestrado e doutorado em Educação, hoje é professor do Instituto de Química da UFU, no qual atua na graduação e na pós-graduação. Silveira tem uma longa experiência com programas de valorização da educação e formação docente, tendo atuado por diversas vezes, junto ao Ministério da Educação e coordenado nacionalmente ações dessa natureza.


Hélder Eterno da Silveira, Pró-Reitor de Extensão e Cultura da UFU |
Jhyenne Gomes

Conexões: Como a UFU vem lidando com os cortes orçamentários de 30% anunciados pelo MEC no final de abril?

Helder Silveira: Há um endurecimento do Ministério da Educação com relação ao diálogo, que é base qualquer democracia. O reitor tem tentado. [Ele] é presidente do Foripes [Fórum de Dirigentes das Instituições Públicas de Ensino Superior de Minas Gerais], e tem tentado uma agenda com ele [o Ministro da Educação] e com os parlamentares da bancada mineira. Ao mesmo tempo, os movimentos estão acontecendo numa frente parlamentar em defesa das universidades e da ciência, em função da baixa do financiamento das pesquisas científicas. E a própria Andifes [Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil] tem tentado diálogos com o ministro [da Educação] e com o ministro da Economia para fazer a reversão desse bloqueio. O que eles têm colocado é que se houver um melhoramento na arrecadação da União, especialmente com relação à reforma da previdência, poderia ter um melhoramento. Agora, essa questão da reforma da previdência é muito delicada, porque num primeiro momento não gera aumento da arrecadação, pelo contrário, gera uma retração da economia. Então, quando o governo coloca isso na mesa, tentando pressionar a opinião pública para que haja uma reversão do orçamento das universidades públicas atrelada à aprovação da reforma da previdência, isso acaba sendo, em alguma medida, um mecanismo perigoso porque não implica em melhorar a arrecadação imediata. Essa estratégia é, em alguma medida, falaciosa, para não dizer perversa, e temos tentado lidar com isso com a máxima sobriedade possível para conduzir a instituição até o final do ano. As universidade, os institutos federais têm sofrido e vão sofrer fortemente com essa retração orçamentária. Eu tenho esperança de que isso vai ser alterado, não pela reforma da previdência, mas porque nós temos que acreditar num consenso do parlamento e da pressão social com relação à manutenção do interesse público dentro das instituições públicas. Mas, a despeito dessa crença, que é uma crença particular, a universidade tem trabalhado com os ajustes técnicos que lhe cabem para que a gente consiga manter a universidade até o final do ano. Esses ajustes técnicos implicam na revisão de seus contratos, na  revisão dos serviços que são prestados, tentando garantir ou minimizar a área fim, que é o ensino, a pesquisa e a extensão. Mas nós sabemos que neste contexto orçamentário é impossível que isso não respingue nas atividades principais da universidade, seja na sala de aula, nos laboratórios e nas atividades que acontecem na comunidade de uma forma geral. 

Conexões: Como o senhor avalia que vai ser esse impacto dos cortes na extensão?

HS: A extensão se assenta em dois pilares, a formação do estudante articulado a uma dimensão socioreferencial, ou seja, esse estudante se articulando com os diferentes espaços sociais, sejam esses espaços a sociedade de uma forma geral, os grupos vulneráveis, e as diferentes pessoas que vivem dilemas sociais. Até mesmo os espaços de trabalho, mercado de trabalho, campo de atuação profissional. Quando há uma retração orçamentária, ela afeta diretamente o recurso discricionário [despesas não obrigatórias, como energia, água, funcionários terceirizados e pesquisas, que tiveram um bloqueio de R$ 1,7 bi anunciado em abril de 2019]. E a extensão, nesta e em todas as universidades brasileiras, tem funcionado fortemente com os recursos discricionários, que é onde justamente houve uma retração, um bloqueio orçamentário, para dizer o termo correto. E, nesse sentido, quando nós pensamos que tipo de ação na extensão é afetada, [são] justamente aquelas ações que nos levam ao encontro da comunidade externa, como por exemplo, na chamada Universidade Aberta ao Idoso, UNAI, com as famílias de agricultoras na agricultura familiar, no programa de humanização que nós temos no Hospital [de Clínicas]. Esse é um dos programas que eu mais gosto, porque dentro tem vários projetos de amamentação, ligados ao coração, a instruções e orientações sobre os riscos ligados a infartos, projetos de saúde integral dos familiares e das pessoas que estão ali internadas e que acabam sofrendo pela falta, e pelo bloqueio orçamentário. Nós temos um grande projeto voltado para deficientes físicos, ligado à Faculdade de Educação Física e Fisioterapia. É importante sinalizar que a UFU é referência nacional [na área], temos um acordo de cooperação técnica com o Comitê Paralímpico Brasileiro. Temos um grande programa que é o acompanhamento jurídico na Esajup [Escritório de Assessoria Jurídica Popular], que está conosco há décadas e que atende à comunidade; Para fazer esse atendimento precisa de servidores terceirizados, de limpeza, luz, das condições mínimas de funcionamento. Esta [a limpeza] e o transporte foi talvez um dos pontos mais afetados, inclusive quando se pensa em servidores. 

Conexões: Caso não consiga reverter esse corte, a Proex tem alguma ideia de quais seriam os primeiros projetos a serem atingidos? Existe uma hierarquia?

HS: Nós não hierarquizamos nenhum dos projetos porque seria até injusto. A primeira ação que fizemos foi não aportar auxílios em nenhuma ação nova que chegue na pró-reitoria. Vários eventos, de diferentes áreas do conhecimento, alguns do hospital, que solicitaram o apoio da pró-reitoria, infelizmente, não têm nenhum recurso novo. Nós trabalhamos com uma reserva técnica para auxiliar na produção de projetos que vão chegando ao longo do ano. O que fizemos, para que não houvesse prejuízo direto para os projetos em execução, foi zerar a reserva técnica, aplicar essa reserva minimamente nesses projetos para mantê-los até o final do ano no funcionamento básico. Então, não renovaremos nenhuma bolsa de extensão, manteremos os quantitativos mínimos. Não temos reserva técnica para aportar nada mais novo para conseguir manter os projetos de extensão e cultura vigentes até o final do ano. Uma coisa também que é importante a gente sinalizar: é estratégico que a pró-reitoria mantenha um orçamento dentro do ano empenhado para o pagamento das bolsas nos primeiros meses do próximo ano, em função de garantirmos que todos os pagamentos dos bolsistas sejam realizados até que haja a liberação do orçamento anual. Infelizmente, se não tiver uma reversão, não teremos essa reserva técnica, se tiver algum problema de liberação orçamentária no ano, a gente pode ter dificuldade de pagamento dos bolsistas. A perspectiva, se não tiver nenhum retorno, é que a gente não execute novas ações, novos editais para 2020.

Conexões: Os projetos vigentes vão continuar até o final do ano?

HS: Até o final do ano, sim, mas sem nenhum aporte de orçamento novo. Aquilo que já foi empenhado, já foi comprometido no orçamento, é que estamos trabalhando, não teremos ações novas dentro desses projetos. Aquilo que já foi executado no planejamento dos projetos será executado até o final do ano, o que é novo nós não acolheremos até que tenhamos um desbloqueio orçamentário. 

Conexões: A partir do orçamento que vier no ano que vem é que vão se estabelecer os critérios para novos projetos? A previsão é outubro?

HS: Exatamente, quando sabemos do orçamento do ano seguinte, a gente consegue fazer um planejamento. A PLOA, o Projeto de Lei Orçamentária, já se apresenta no meio do ano, e a LOA [Lei Orçamentária Anual], no segundo semestre com votação, às  vezes, no segundo semestre ou no primeiro trimestre do ano que vem, depende do Congresso. E a gente agora fica refém da LOA, porque não sabe o que virá para o próximo ano enquanto orçamento da União para as universidades.

Conexões: E a UFU já vem sofrendo com uma redução de orçamento pelo menos nos últimos dois anos?

HS: A universidade tem funcionado abaixo do seu limite orçamentário e este tem sido também um problema. Tivemos que paralisar, em 2017, as construções, já não mantemos uma série de ações, de melhoramentos, de crescimentos, de reformas. Temos tentado segurar no mínimo ou abaixo do mínimo. É difícil falar isso, mas o nosso orçamento é insuficiente para a manutenção da universidade. Por mais que a gente consiga fazer uma economia, não alcança hoje 50% do que foi bloqueado, ou seja, temos hoje um déficit de 50%. E esse problema instalado impacta na extensão, eventos, cursos que oferecemos para a comunidade externa, impacta as ações e os programas que desenvolvemos nos diferentes bairros, como os projetos no Jardim Brasília, no Shopping Park, no Elisson Prieto. 

Conexões: Como a comunidade externa à UFU vai ser atingida e impactada com esse bloqueio, se ele se confirmar? 

HS: É importante a sociedade de uma forma geral perceber que a universidade é um patrimônio social. É um patrimônio da nossa democracia, da República, de todos nós. Quando essa universidade sofre algum tipo de ameaça, algum bloqueio orçamentário, padece toda a sociedade em função da retração dos projetos de extensão que acontecem, e temos projetos de extensão em diferentes áreas. É importante que se perceba o valor que esta instituição tem para o funcionamento de outras instituições, para o funcionamento social, para o desenvolvimento da pesquisa, para o desenvolvimento da qualidade de vida das pessoas, a partir daquilo que se pratica aqui dentro. Nós não somos uma ilha, essa universidade se articula com a sociedade, se comunica com a sociedade, e tem a sociedade como seu principal foco de atuação. Eu faço um apelo para que conheçamos a Universidade Federal de Uberlândia, nas cidades de Uberlândia, de Ituiutaba, de Monte Carmelo, de Patos de Minas e em toda a região. Para que conheçamos os projetos de cultura e extensão que são desenvolvidos que envolvem mais de dois milhões de pessoas diretamente em ações voltadas a essa comunidade. Este é um convite que eu faço: entrem dentro dessa universidade, conheçam as pesquisas realizadas, os projetos desenvolvidos e nos ajudem a defender nosso patrimônio, que é o patrimônio público, não só meu, mas seu e de todas as pessoas da população brasileira. Que é uma grande conquista dessa nossa sociedade. 

Jhyenne Gomes
jhyennegomes@gmail.com
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