31 jul Aborto ilegal: a realidade das mulheres no Brasil
A interrupção da gravidez induzida é crime no Brasil, apenas com três exceções: em casos de estupro, anencefalia do feto e risco de vida da mãe, como é posto na Constituição desde 1940. Segundo o Art.124 do Código Penal, a mulher que interrompe voluntariamente a gestação pode ter pena de detenção de 1 a 3 anos.
Porém, mesmo sendo criminalizado, o aborto continua acontecendo. Apesar do Governo Federal não ter informações sobre o número de abortos ilegais no país, é possível tentar mensurar a quantidade: em 2017, de acordo com o Datasus, foram registrados mais de 190 mil internações por procedimentos realizados pós-abortamento (curetagem e a aspiração manual intrauterina). O IAG (Instituto Alan Guttmacher), entidade americana que estuda a questão do aborto no mundo, aponta que cerca de 1 milhão de mulheres abortam no Brasil todos os anos.
Para entender melhor a realidade de quem realiza o procedimento, a Conexões entrevistou uma mulher, que prefere não ser identificada, que abortou ilegalmente.
Conexões: Como você descobriu que estava grávida?
Entrevistada: Eu tive uma infecção de urina, então fui ao médico. Minha menstruação estava atrasada, então a médica perguntou se eu estava grávida e eu disse que não, só estava atrasada por causa do estresse… Na relação sexual eu tinha usado camisinha e também tomo pílula anticoncepcional, então nem considerei a possibilidade. Meu azar foi um caso de um em um milhão, mas aconteceu. Depois disso comecei a sentir alguns sintomas tipo enjoo e aversão a cheiros então fiz o teste, ainda sem pretensão nenhuma… e deu positivo.
Conexões: Como você se sentiu?
Entrevistada: Eu chorei muito, muito mesmo quando descobri. E também fiquei muito chocada, já que eu tinha feito sexo protegido, realmente não esperava nunca que isso fosse acontecer. Parecia que meu mundo tinha caído.
Conexões: Como você decidiu que interromperia a gravidez?
Entrevistada: Eu fiquei pensando, se eu tivesse e se eu não tivesse essa criança, quais seriam os prós e contras para ela. Em nenhum momento eu parei pra pensar muito em mim, eu já estou viva, crescida, minha vida continuaria. Mas como seria a vida da criança se ela nascesse? Eu sou estudante, desempregada, sobrevivo com pouco. Como que eu iria cuidar dessa criança ao mesmo tempo em que estudava na faculdade? Se eu colocasse ela numa creche, como ela se sentiria ficando a maioria do tempo lá e não comigo, com a mãe dela? Eu não teria ajuda de ninguém. Ela não teria uma casa boa… Eu moro num quartinho, não tem espaço nem pra um guarda roupa direito, imagina se eu tivesse que viver uma criança, não sei se ela ia aguentar isso… Eu não teria tempo para cuidar dela, não teria dinheiro para dar uma boa educação para a criança…. Coloquei tudo isso numa balança.
Conexões: E como foi o processo do aborto?
Entrevistada: Péssimo, pior experiência da minha vida. Tomei o remédio abortivo sozinha. Ele demorou muito para fazer efeito, mas quando fez foi horrível. Foi uma cólica horrorosa, uma dor sem explicação. E eu sangrei muito, foi sangue para todo lado, o tempo todo… Eu me senti muito mal por muito tempo e chorei muito. Eu tinha lido na internet que fazer o aborto tinha muitos riscos, tipo de hemorragia, então eu também senti muito medo. O sangramento durou umas duas semanas e como foi muita coisa eu tive que ir ao hospital. Tinha vários riscos de descobrirem o que eu fiz, mas eu precisava ver se estava tudo certo comigo. Eu precisei pensar em mim também. Fiquei com muito receio, mas acabei indo, e lá descobri que a o aborto funcionou mesmo.
Conexões: Você disse que fez sozinha… Você não contou para sua família, para seus pais?
Entrevistada: Minha mãe não sabe que nada disso aconteceu, acho que nunca nem vou contar. Minha família é muito cristã, se eu chegasse casa e falasse que estava grávida eles iriam me julgar, se eu chegasse e dissesse que perdi o bebê, me julgariam, se eu falasse que fiz o aborto, seria mil vezes mais julgada por ter feito isso. Então só contei para meus amigos e eles me apoiaram muito.
Conexões: E hoje, como você se sente?
Entrevistada: Todo mundo fala que a gravidez é uma coisa maravilhosa… E eu até criei muito carinho pelo bebê na época, não foi uma escolha fácil, não pensei logo de cara “nossa preciso fazer isso e seguir em frente com a minha vida” como se eu fosse o centro. Não, eu pensei em como essa criança não teria uma estrutura de vida boa. Até hoje eu lido com isso. Às vezes me pego sonhando com a criança, me pergunto se fiz a escolha certa. Ainda entro em muitos conflitos pessoais, é uma sensação muito estranha. Eu sinto muita culpa, misturada com tristeza, misturada com angústia. É como falam, só estando grávida para saber como é estar grávida.
Conexões: E sobre a legalização do aborto, quais suas percepções sobre o assunto?
Entrevistada: Eu nunca imaginei que isso fosse acontecer comigo, já tinha ouvido falar de mulheres que passaram por isso, mas nunca imaginei que eu estaria nessa situação, então pesquisei muito online, encontrei muitos fóruns que dão informações para abortar, descobri remédios, ONGs que realizam o procedimento, tudo pesquisando na internet, tudo bem ali, escancarado. E nisso eu também percebi que é uma questão de dinheiro, que tudo é caro. Por exemplo, existem países perto do Brasil onde é legalizado o aborto. Mas viajar até eles para realizar o procedimento legal e seguro custa caro, então só pessoas ricas conseguem fazer isso, as pobres não. O aborto abrange muitas coisas complicadas. A gente vive numa sociedade muito cristã, então falar da descriminalização do aborto é muito difícil. Mas quantas pessoas não tem dinheiro para ter um filho, não tem preparo psicológico para ter um filho? E tem gente que acha que a solução é fácil, só dar a criança para a adoção, mas a gente se preocupa com isso também, como só vou pegar a criança e entregar ela e pronto acabou? Não é simples assim, nunca é. Por isso é importante dar a opção para a mulher e também pensar na criança, que talvez não tenha uma estrutura boa onde crescer.
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