Observatório Luminar
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“Afinal, para que servem os índios?”

No Brasil, a questão indígena parece ser um assunto que historicamente é tratado com extremo descaso ou extrema brutalidade, dependendo do contexto social e político. Sabemos que desde 1500, a partir do “descobrimento”, tratamos os índios tanto como problema a ser dizimado, como também mão de obra a ser explorada e pagãos a serem catequizados. Os governos nunca conceberam  a ideia de que a sociedade que se formou por aqui deve aos nativos desta terra o mínimo de garantias fundamentais. Pois,  o país que, antes de ser nosso, é deles. Quinhentos anos depois, ainda nos deparamos com problemas similares aos supracitados, aos quais são dadas soluções quase idênticas, mas em novas roupagens.

 

“Afinal, para que servem os índios?”. Essa é a pergunta que tem sido incansavelmente repetida pelas autoridades no que tange às políticas indigenistas desde a ditadura militar. A ânsia por incorporar os índios ao sistema produtivo é antiga e, sob a tutela dos militares, atingiu seu auge com repetidas tentativas de modernizar a Amazônia”, lar de cerca de 306 mil índios. Aqui, pode-se incluir a precária tentativa de construir a Rodovia Transamazônica, que hoje não tem sua extensão totalmente pavimentada. Tal obstáculo torna o trânsito impraticável em épocas de chuva, além de ter aumentado e facilitado a extração ilegal de madeira e minérios às margens da rodovia, o que intensifica os conflitos entre índios e extrativistas.

 

Esse tipo de política não acontece sem aval ou descaso da sociedade. Ao mesmo tempo em que a maior parte da população brasileira espera que os problemas (e os índios) simplesmente desapareçam e prefere não prestar atenção nos “longínquos” conflitos que cercam o tema, os sucessivos governos, a partir da redemocratização, acumulam poucos avanços e muita sujeira jogada para debaixo do tapete. Enquanto isso, situações específicas de violência brutal, como o do menino indígena de 2 anos degolado em uma rodoviária de Imbituba (SC) ou do famoso caso, há quase 20 anos, em que um índio foi queimado vivo por um grupo de jovens em Brasilia provocam certa comoção temporária, mas pouco motivam no campo das ações e políticas. Situações como essas nos fazem questionar: se, como muitos querem, os povos indígenas fossem incorporados à sociedade brasileira, que tipo de espaços para exercício da cidadania estariam reservados a eles? 

 

Cerca de quatro mil indígenas participam da Semana dos Povos Indígenas. O evento começou no sábado (15) e vai até hoje (19), quando é celebrado o Dia do Índio. Foto: Thiago Gomes / Agência Pará

 

 

A violência envolvendo indígenas está longe de ter caráter isolado. Um relatório do Conselho Indigenista Missionário (CIM) mostrou números alarmantes que colocam o problema em tendência de crescimento. Em 2014, por exemplo, 138 indígenas foram assassinados, contra 97 casos em 2013. No mesmo ano, 135 índios, a maioria jovens, cometeram suicídio. Ameaças de morte e mortalidade infantil também são problemas comuns. Grande parte desses problemas emerge de conflitos entre esses povos e produtores rurais que disputam terras não regulamentadas ou em situação indefinida pelo Estado. Quando o governo arrasta por anos, em suas diferentes instâncias, esse tipo de impasse, ruralistas e índios assumem o problema e sangue costuma ser derramado. Um dos mais recentes conflitos eclodiu no Mato Grosso do Sul, quando cerca de 70 produtores rurais alvejaram a tiros um grupo de guarani-kaiowá que ocupou o território de Toro Passo, alvo de impasse judicial para demarcação.

 

E é em meio a esse contexto que o então Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), cedendo a uma indicação política (a qual os autores insistem em chamar de técnica) do Partido Social Cristão (PSC), efetivou o dentista e pastor evangélico Antônio Fernandes Toninho Costa como presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai). Aqui é onde as velhas soluções são (re) apresentadas com uma nova e brilhante embalagem. Em entrevista à BBC, o novo chefe da Funai reafirma seu caráter técnico, apesar da proximidade com a chamada bancada ruralista do Congresso Nacional, que tem diversos representantes envolvidos em processos judiciais decorrentes de invasão de terras indígenas já demarcadas. Não sendo irônico o suficiente, o presidente do órgão estatal, que em seu cerne existe para defender os interesses indigenistas, acredita que os índios devem ser integrados ao sistema produtivo e contribuir com uma sociedade da qual não compartilham raízes culturais, históricas ou costumes. Para confirmar tal argumento, Antônio cita até mesmo a experiência com cassinos gerenciados por indígenas nos Estados Unidos.

 

Com ideias que pouco mudaram desde 1500, os atores políticos desesperadamente manufaturam e tentam responder a eterna, e sempre urgente, questão: “afinal, para além de existir, para que servem os índios?”.

 

 

 

 

 

 

 

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