23 abr Aqui o seu filho não entra (mesmo que você queira)!
Já pensou se o Estado dissesse o tempo todo que seu filho deve frequentar a religião X, estudar na escola Y e até mesmo usar a marca de roupa Z? Parece absurdo conceber essa ideia, não?
Entretanto, ao que tudo indica, essas hipóteses de controle governamental não estão tão longe da realidade. Isso porque, no início desse mês, foi aprovado um Projeto de Lei (PL) do vereador uberlandense Pastor Átila Carvalho, do Partido Progressista (PP), que proíbe crianças e adolescentes de participar de exposições artísticas com conteúdo sexual e imoral.
Conforme o texto do projeto, sua intenção é impedir a entrada de menores de 18 anos “em exposições de obras de arte e espetáculos que contenham nudismo, pornografia, zoofilia, conteúdo devasso, libidinoso e imoral ou impróprio para a faixa etária”. E aqui está um dos pontos que mais estarrece quem lê o texto atentamente.
Primeiramente, quem define o que é moral ou não? Para Friedrich Nietzsche, filósofo prussiano que estudou profundamente esse conceito, em sua obra “Genealogia da Moral”, a concepção do que é bom ou ruim não vem de quem recebe a ação, mas sim de quem a realiza. “Foram os ‘bons’ mesmo, isto é, os nobres, poderosos, superiores em posição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo o que era baixo, vulgar e plebeu. Desse pathos da distância é que eles tomaram para si o direito de criar valores”, escreveu.
O ato de um homem que detém o poder de legislar definir algo como bom ou ruim para alguém apenas reforça essa ideia de Nietzsche. Afinal, ele tomou para si o direito de definir algo como imoral. O vereador não realizou, por exemplo, uma consulta pública para saber a opinião da população e assim definir se a entrada de crianças e jovens em tais exposições deve ser barrada ou não. Ele agiu conforme os próprios princípios.
E aí voltamos para a questão: quão longe os governantes estão de assumir a função de definir o que um adolescente pode ou não fazer? Conforme diz o texto do Projeto de Lei, mesmo que os responsáveis legais autorizem o menor de idade a comparecer em exposições artísticas consideradas“imorais” pelo governo, o Estado impede.
E caso o estabelecimento “confie” nos responsáveis para decidir o que é melhor ou não para seus tutelados e deixe estes entrarem, ele pode ser punido. A multa gira entre R$ 100 a R$ 1 mil e o local pode ser interditado, sofrer a suspensão da licença de funcionamento de 30 a 90 dias, ou mesmo ter ela cassada. Passa a ser obrigatório, ainda, que tais eventos informem em seus materiais de divulgação, impressos ou não, o conteúdo do PL.
No texto da legislação o vereador argumenta que não tem o objetivo de diminuir a autoridade dos responsáveis, “mas vedar que crianças e adolescentes participem de determinados eventos culturais apenas com a autorização dos pais”. Complexo, não? Tentemos entender: o legislador não quer limitar a liberdade de decisão dos responsáveis legais, mas ao mesmo tempo impede que os pais decidam o que é melhor na criação de seus filhos.
Em meio a esse paradoxo, a única coisa clara é o motivo que levou o Pastor a propor esse projeto. Assim como vereadores e deputados de outras localidades que propuseram leis semelhantes – em alguns casos com texto idêntico, como os apresentados às câmaras de municípios como Manaus – a preocupação com a criação dos filhos alheios, em Uberlândia, vem de algo ocorrido em São Paulo (SP), em 2017.
Na ocasião, foi realizada uma performance com um artista nu, intitulada La Bête, no Museu de Arte Moderna (MAM). Em um vídeo divulgado pela internet, uma criança, que estava sendo supervisionada pela mãe, viu a apresentação e tocou o pé do artista, enquanto ele estava sem roupa.
De acordo com o texto do PL, o maior intuito da proposta é a proteção das crianças e jovens “contra toda influência que contraria a moral e os bons costumes”. Entretanto, a que custo os menores estarão “protegidos”? Pelo visto, além dos custos reais para os estabelecimentos que autorizarem essa entrada, ou da diminuição de público nas exposições, a moral e os bons costumes custarão também a liberdade dos pais na criação e na definição do que é melhor para seus filhos.
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