Observatório Luminar
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As violências invisíveis no país que mais mata LGBTs

O Brasil é o país do mundo onde mais pessoas LGBTs morrem por ano. O levantamento realizado pelo Grupo Gay da Bahia contabilizou esses dados e os resultados apontam que, em 2018 mais de 420 indivíduos perderam a vida vítimas de LGBTfobias, entre eles, pelo menos 100 casos foram de pessoas que se suicidaram.

A psicóloga e educadora sexual, Mônica Lima, considera que o clima violento que ronda o país se dá devido à heteronormatização, onde tudo que sai fora do que é considerado certo (do que é ser hétero) é errado e precisa ser exterminado. Dessa forma, esses crimes acontecem em razão do preconceito. “Essas violências acontecem com crueldade, com maldade e estão sendo repetidas.”

A Secretaria Nacional de Direitos Humanos possui um telefone voltado para denúncias de violações dos Direitos Humanos, o disque 100. Desde 2011 os dados das denúncias recebidas por meio desse telefone se transformaram no Relatório da Violência LGBTfóbica. Samanda de Freitas, então integrante da Secretaria de Direitos Humanos, explicou em entrevista para o Canal Brasil em 2015, que os dados levantados “servem para poder ter o perfil de onde essas violências acontecem, qual o perfil da vítima e dos agressores e também para nortear a construção de políticas públicas.”

O relatório aponta que a violência mais denunciada entre lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais é a violência psicológica. Apesar disso, esse tipo de violação não entra tanto em debate quanto as violações físicas. A psicóloga explica que existem diferentes tipos de violência: “A física, a social, a psicológica. Essas pessoas são vistas como erradas, então muitos tipos de piadinhas feitas entre amigos, entram em violência psicológica.” Mônica Lima avalia que esse tipo de violação é a pior, pois mata aos poucos e pode levar ao suicídio.

Brutalidades por vezes despercebidas

“Um único comentário pode afetar de forma negativa a vida de uma pessoa, é importante que as pessoas tenham consciência disso.” Com essa reflexão o estudante Johnny, de 27 anos, abre a sua entrevista. O jovem relata que cresceu em um ambiente muito religioso e na pré-adolescência ouvia constantemente diversos comentários sobre como a homossexualidade era errada. Mesmo muito novo, ele entendia que algo sobre a sua sexualidade era diferente dos outros e, com isso, teve a sua primeira relação homossexual.

Ouvindo os homens que frequentavam o local de trabalho do seu pai falando sobre relações homoafetivas abertamente, Johnny questionou sua mãe sobre o assunto. Para ela, o “problema” maior seria se envolver numa relação homoafetiva como passivo.  Como o jovem já havia tido sua primeira relação sexual, ele conta que esse comentário fez uma grande diferença em sua vida porque a partir disso passou a se achar errado. Com isso, Johnny relata que decidiu nunca mais se envolver com outros rapazes, no entanto, o jovem com quem tinha se envolvido anteriormente, começou a chantageá-lo. “Foi algo que durou anos e mudou a minha vida completamente. Esse fato acarretou uma série de problemas com a minha sexualidade, e também problemas psicológicos”. Johnny acrescenta que se tornou uma pessoa completamente desconfiada. “Às vezes eu sei que é paranoia da minha cabeça. Eu tenho consciência disso, mas não consigo ter controle”.

Johnny relata que só conseguiu se abrir sobre o assunto mais de 13 anos depois e durante toda sua vida carregou consigo as marcas do abuso psicológico sofrido, enquanto considerava sua condição sexual um erro. Ele conta que  tinha uma grande esperança, que um dia acordaria e não sentiria mais desejo por alguém do mesmo sexo. “Eu fazia algo que entendia ser errado e à noite rezava para que aquilo nunca mais acontecesse. Fazia planos e promessas para mim de que não iria mais fazer aquilo” como consequência, o jovem conta que se tornou uma pessoa rebelde e anti-social. De um lado se isolava e do outro era isolado pelas pessoas da sua idade.  

O jovem conta que ainda hoje não conseguiu superar totalmente os anos de violência psicológica e chantagem sofridas: “Eu me tornei uma pessoa que sente um tipo de rejeição e procura algo para suprir. Quando me lembro do que me levou a esse sentimento, às vezes culpo o que minha mãe falou, muitas vezes eu culpo esse rapaz, mas na maioria das vezes não culpo ninguém. […] É uma parte que quero deixar no passado.”

Sobre as violências sofridas dentro da família, Lorena* (Nome fictício), de 28 anos, conta que antes de se assumir como lésbica, foi casada com um homem. As violências sofridas vieram dos seus pais e avós: “Eu preferia que você tivesse nascido morta. Eu preferia ter uma filha bandida, drogada ou qualquer coisa de pior que possa existir, mas não queria ter uma filha lésbica.” A mulher conta que não buscou ajuda psicológica, mas foi acolhida pelos amigos. Hoje, em razão disso, Lorena não tem mais relação próxima com a família. Para ela, se a homossexualidade fosse tratada com naturalidade em ambientes escolares e se tornasse tema central de algumas discussões, a forma que foi tratada pela família poderia ter sido diferente.

Segundo o Relatório de Violência LGBTFóbicas no Brasil, pelo menos 2,4% das violências sofridas por homens gays acontecem em ambiente escolar.  Caso do estudante Leandro Vieira, de 21 anos. Leandro relata que sofreu muito na escola. “O tempo todo sofri algum tipo de constrangimento, ou eram olhares maldosos ou até agressões verbais e físicas, até mesmo por parte dos professores. Certa vez fiz um curso e o professor me zoava, criticava a minha voz e por causa disso eu sentia que as pessoas não se aproximavam de mim. Isso me afetou de uma maneira muito ruim. Precisei procurar tratamento psicológico, eu não entendia muito bem porque as pessoas não gostavam de mim pela minha sexualidade. Procurei abstrair um pouco escrevendo como eu me sentia. Daí fui percebendo que a minha sexualidade não era um erro”, narra o jovem.

Se não respeitam o meu nome, não respeitam a minha identidade

Em abril de 2016 a então Presidenta Dilma Rousseff assinou o decreto Nº 8.727, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais nos órgãos federais.

O advogado Neymer Bragança alerta que: “Temos que separar, primeiramente o nome social da retificação civil do nome. O nome social é aquele nome que a pessoa, travesti ou transsexual, se identifica na sociedade. […] A lei do nome social fala que no documento deve aparecer em destaque o nome social e também o nome civil para dar segurança jurídica.” Bragança explica que o decreto, até então, valia apenas para documentos federais, como passaportes ou para consultas em hospitais federais, por exemplo.

    Dessa forma, outros estados e municípios foram realizando decretos para validar o nome social também em documentos estaduais e municipais. Uberlândia foi a primeira cidade do Brasil a aprovar o nome social como uma lei, com o projeto apresentado pela Vereadora Pâmela Volp (PP). Uma vez que “o decreto é uma ordem do chefe de governo, ou do presidente, governador ou prefeito, ele vem do poder executivo. Uberlândia foi a primeira cidade onde essa legislação foi aprovada pelo poder legislativo, ou seja, na casa que representa o povo, que é a Câmara dos vereadores. Então, esse projeto foi aprovado e sancionado pelo prefeito”, explica o advogado.

O projeto em Uberlândia sofreu uma alteração em relação às outras cidades, no seu artigo primeiro foi incluído o uso de codinomes informais como se fosse um nome social. Neymer explica que “foi uma exigência dos vereadores para poderem votar, existem muitos vereadores que são chamados por nome social. Apesar da designação não estar correta, eles entendem como nome social porque é como se identificam. Não é uma questão de gênero, mas é como eles se identificam”.

Já sobre a questão da retificação do nome civil, o advogado explica que “havia no supremo tribunal federal algumas ações para que fosse possível retificação dos documentos sem a necessidade de ressignificação do sexo.” Em outras palavras, o indivíduo pode mudar o seu nome nos documentos civis sem precisar realizar a cirurgia de mudança de sexo, uma vez que se trata de um procedimento caro e complexo.  

Embora essa política exista, não significa necessariamente que ela é colocada em prática. Maria Antonella e Silva, 20 anos, estudante de Pedagogia e natural de Araraquara – SP relata violações sofridas em ambientes públicos: “a primeira (situação) mais marcante foi quando eu sofri um abuso sexual e fui no hospital, a equipe médica tentou respeitar ao máximo minha identidade de gênero, embora algumas vezes me chamassem pelo nome masculino. […] Quando chegou a polícia, eu entreguei o meu RG e o meu cartão do SUS onde havia o meu nome social e eles me perguntaram: ‘Quem é esse?” eu respondi: ‘Quem é essa?’” A jovem relata que os policiais se recusaram a chamá-la pelo seu nome social, alegando que a chamariam apenas pelo nome de registro. “Como eu estava numa situação muito frágil, naquele momento eu não tive condições de desconstruir ou ensinar ele. […] Foi muito marcante porque ele é um agente da lei, que tinha que ter a fragilidade naquele momento e não teve nenhuma”, conta

Em outra situação, Antonella relata que após a retificação do seu nome civil, foi até o posto de saúde de sua cidade natal pedir para que alterasse o seu registro, no entanto, a pessoa responsável não o fez e, quando chegou a sua vez de ser atendida, mesmo tendo explicado toda a situação, a jovem foi chamada pelo seu nome masculino. “Após isso, fiz uma denúncia junto à prefeitura, porque eu sei que na minha cidade tem treinamento para os profissionais de saúde e agentes municipais. Eu não aceitei ser chamada daquela forma, expliquei tudo pra ela e vi que ela queria me expor de forma vexatória. Eu me senti violentada, porque não me representa mais.” Para a jovem, a forma que a mulher a tratou pode fazer com que as pessoas se sintam no direito de a  chamarem pelo meu nome masculino.

Essas situações geraram em Maria um medo de qual nome iria aparecer nos locais públicos. Deixou de frequentar eventos e, até mesmo, de receber dinheiro para não ser obrigada a contar o seu nome masculino para outras pessoas. “Não foram coisas que me afetaram profundamente […] mas me privei de fazer algumas coisas por medo”.

Sobre a representação LGBTs, especialmente de pessoas transsexuais, em cargos políticos, Maria Antonella comenta que a falta de representantes faz muita diferença. “É a mesma coisa de quando não tínhamos representantes mulheres no poder, não existiam políticas para mulheres. O movimento social tem limite, ele faz barulho, acampa, faz greve, mas quem vota é quem está lá dentro, quem elegemos. O movimento social impulsiona, mas não está lá com a caneta”.

Para a psicóloga Mônica Lima, falar de políticas públicas para LGBTs não é simples devido à situação atual do nosso país.  Além disso, ela avalia que existem poucas políticas públicas voltadas para essa minoria. “Esta é uma das causas que originam a marginalização desses grupos na sociedade.” Para Neymer Bragança, existem alguns estados brasileiros que estão mais avançados nessa discussão e já possuem algumas ações específicas para a população LGBT voltadas para questões como emprego e habitação, áreas essenciais para vencer as barreiras da marginalização dessa parcela da população, mas essas políticas ainda não chegaram em estados mais conservadores como Minas Gerais ou São Paulo.

Elaíny Carmona
carmonaelainy@gmail.com
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