28 ago Até quando os direitos das mulheres estarão em risco?
Uma repórter brasileira aparece vestindo um hijab um dia após o Talibã retomar o poder no Afeganistão. Apenas uma pequena mudança na aparência da mulher que, até então, aparecia com os cabelos livres em suas reportagens. Mas essa mudança representava o motivo de o assunto ter tomado as redes sociais e canais de televisão por tantos dias: a preocupação de uma população que teme perder os direitos conquistados nas últimas duas décadas. E aqui, chamo a atenção principalmente para os direitos das mulheres afegãs.
Se você não sabe do que se trata o Talibã e o porquê de sua retomada causar tanto medo, eu posso explicar. O Talibã é um grupo fundamentalista islâmico que esteve no poder do país entre 1996 e 2001. Durante todo esse período eles instauraram a Sharia, uma lei islâmica, que afetava mulheres e minorias, retirando seus direitos. As mulheres não tinham permissão para estudar ou trabalhar, eram obrigadas a usar burcas, perdendo assim o direito a escolher sua própria vestimenta e deveriam ficar confinadas em casa, podendo sair apenas se estivessem acompanhadas de um homem.
Agora, com a retomada de poder do grupo, após a fuga do então presidente do país, Ashraf Ghani, em 15 de agosto, todo o medo de que novamente direitos sociais e econômicos sejam perdidos é trazido à tona. As cenas tristes repercutiram pelo mundo todo. Centenas de pessoas tentando desesperadamente entrar em aviões no Aeroporto Internacional Hamid Karzai com a esperança de conseguir sair do país. Isso porque, apesar de o grupo alegar que as coisas não serão como antes, as mudanças no país já começaram a acontecer: os centros de estética foram fechados na capital Cabul, cartazes com mulheres, retirados das ruas, as restrições de vestimenta retornaram e apresentadoras mulheres não estão mais na TV.
O cenário absurdo não é único e nem exclusivo do país em questão. Talvez por isso tenha causado tanta comoção internacional. Inclusive no Brasil, onde as mulheres brasileiras, também, têm perdido muitos direitos sob um governo que não reconhece a necessidade deles. Basta alguns minutos dando uma olhada nos principais portais de comunicação para perceber isso. De acordo com análise exclusiva da revista AzMina, entre janeiro de 2019 e julho de 2021, o governo federal deixou de aplicar quase R$ 400 milhões no combate à violência, incentivo à autonomia e saúde feminina. Nem sequer um terço de um recurso já aprovado voltado para política de proteção às mulheres foi utilizado.
Além disso, também de acordo com a revista, diversos termos como “gênero”, “direitos reprodutivos” e “saúde sexual” estão sendo retirados de projetos de lei e proposições parlamentares, em uma tentativa clara de silenciar temas ligados à identidade de gênero e ao direito de escolha da mulher. E, embora o número de projetos de lei que tratam de questões relacionadas ao aborto e violência sexual tenha crescido 77% e 56%, entre 2019 e 2020, a maioria dos PLs são desfavoráveis e retratam um claro conservadorismo do Congresso.
De acordo com reportagem da Agência Íntegra, o Brasil é o quinto país do mundo com a maior taxa de feminicídio. Durante a pandemia esses números se agravaram, tendo sido registrados 648 feminicídios no país, apenas no primeiro semestre de 2020. Esse número representa 1,9% a mais do que o apresentado referente ao mesmo período em 2019. Além disso, os dados apresentados pela ONU, são de que esses seis meses de restrições sanitárias poderiam ocasionar 31 milhões de casos de violência de gênero no mundo, 7 milhões de gravidezes indesejadas e ainda colocar em risco a luta contra a mutilação genital feminina e os casamentos arranjados.
Outros agravamentos causados pela pandemia são os apresentados em reportagem da Lupa: de acordo com dados da Pnad Contínua Trimestral, do IBGE, a taxa de desocupação das mulheres no mercado de trabalho durante o terceiro trimestre de 2020 foi de 16,8%, 4% a mais que a desocupação dos homens no mesmo período. A diferença salarial entre homens e mulheres também chama a atenção. As informações mostram que as mulheres receberam em média apenas R$ 1.995 por mês no 1º trimestre de 2020, o que representa apenas 77,5% dos ganhos dos homens, que por sua vez tiveram uma média de R$ 2.574 mensal.
Também é importante citar o absurdo divulgado pela Folha de São Paulo, que anunciava que seguros de saúde passaram a exigir consentimento dos maridos para a inserção do método contraceptivo DIU (dispositivo intrauterino) em mulheres casadas. Para quem não sabe, também ainda é solicitada a autorização do marido para que uma mulher realize o processo de laqueadura e obtenha o direito de não ter mais filhos.
O ataque aos direitos das mulheres tem acontecido gradualmente, mas de forma nem um pouco silenciosa. Ainda não chegamos ao ponto de ter o direito de escolha a própria roupa retirado, mas não temos um governo que se preocupe com políticas públicas que nos favoreçam, ainda não temos direito e liberdade de decidir o que fazer com nosso próprio corpo e somos vítimas diárias do feminicídio. Pouco a pouco caminhamos para um momento obscuro em que perdemos muito daquilo que, com sacrifícios e tempo, conquistamos. Me pergunto quando esses retrocessos serão reconhecidos. Será que só seremos ouvidas no dia que também estivermos nos matando para entrar em um avião que nos tire disso tudo?
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