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Banheiros unissex e a retomada das discussões de gênero

Por Pedro Prado | Foto por Pedro Prado

No dia 11 de agosto deste ano, a Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, maior instituição católica de graduação do país, anunciou em sua página no Facebook que havia instalado um sanitário unissex num de seus prédios, no campus Monte Alegre, em Perdizes.

“A PUC-SP, atenta à diversidade de sua comunidade universitária, composta por alunos, professores e funcionários, buscou contemplar a todos com a implementação de um banheiro unissex. A Instituição ressalta que este sanitário é de uso comum, não direcionado a um público específico”, diz a postagem na rede social da instituição.

Pelos comentários da publicação, mais de quatro mil pessoas entraram na discussão e se pôde notar um grande número de mensagens de repúdio à atitude da universidade, denúncias pela facilitação de futuros abusos sexuais que o lugar pode proporcionar, entre outros.

Em entrevista ao portal G1, a reitora da instituição, Maria Amalia Andrey, diz: “Simplesmente pusemos uma placa neste banheiro como um banheiro unissex, se você quiser assim. E nos surpreendemos com a reação fora da universidade”.

Discussões relacionadas a esse assunto foram retomadas quando o então Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no início deste ano, revogou a uma antiga decisão do ex-presidente Barack Obama que permitia que alunos transexuais de instituições públicas tivessem o direito de usar o banheiro de acordo com a sua identidade de gênero. A medida causou repercussão internacional, trazendo questionamentos a diversos governos sobre a atitude.

No Brasil, tais medidas não são novas. No ano de 2000, o deputado Renato Simões (PT-SP) apresentou o projeto de lei de número 667/2000, que colocava punições legais às práticas discriminatórias contra identidades de gênero e orientações sexuais de qualquer cidadão civil. No ano seguinte, o projeto resultou na publicação da lei estadual de número 10.948/2001. Posteriormente, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), regulamentou a lei acrescentando o direito aos alunos de escolas públicas de usarem o sanitário de acordo com sua identidade de gênero. Tais medidas foram tomadas para atender as  denúncias de descaso com a população transexual, que, no caso dos estudantes, segundo a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, chega a 365 o número.

Em junho de 2013, na cidade de Florianópolis (SC), o vereador Deglaber Goulart (PMDB) apresentou à câmara da cidade um projeto de lei que propunha a criação de banheiros unissex nos estabelecimentos públicos e de acesso ao público, como shopping centers, supermercados, restaurantes, entre outros, além dos de uso convencional, masculino e feminino. A proposta não especificava o público para qual o banheiro era destinado, porém colocava em um inciso que crianças não poderiam usá-lo desacompanhadas de um adulto responsável.

Uberlândia entra no debate

Na cidade ocorreu um caso parecido, porém em menor escala. Em 2015, alunos do curso de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) propuseram à reitoria da instituição que transformassem um banheiro feminino do bloco 2C, no campus Umuarama, em um banheiro unissex e criaram o movimento local Banheiro Unissex Já. Isso se deu porque os outros três banheiros do bloco passavam por reformas, assim, os homens precisavam se deslocar de um bloco a outro para usarem os sanitários.

Os estudantes de Psicologia, Pedro Augusto Pinto dos Santos e Letícia Carla Rodrigues, participaram do movimento na época e dizem que os alunos se mobilizaram na intenção de desmistificar as ideias de quem sujaria mais o banheiro, homens ou mulheres.

“A convivência de ambos os sexos no banheiro existiu na informalidade durante o período de reformas, então o que fizemos foi procurar legalizar e desinibir as pessoas ao uso”, diz Pedro. “Acho que antes de a gente propor a mudança do banheiro ninguém dava muita atenção. Na época, a visibilidade que a mídia deu também ajudou a chamar a atenção das pessoas”, complementa Letícia.

Os estudantes colheram assinaturas de pessoas que aprovaram a ideia, escreveram um requerimento e enviaram à universidade. “Depois de um pouco de enrolação”, diz a discente, a instituição deu seu parecer aprovando a proposta e assim o banheiro se tornou unissex. “Eles [a universidade] concordaram em abrir o banheiro para o uso geral por um período teste, para ver, assim, se funcionaria na prática. E funcionou, tanto que é usado assim até hoje”, Letícia coloca.

Os alunos dizem que houveram manifestações contrárias à decisão, principalmente na internet, mas, com o apoio de estudantes do mesmo curso, ganharam força. “Como no mesmo bloco ainda existiam mais três banheiros separados por gênero, não foi longo esse período de desentendimento”, finaliza Pedro.

Time adversário

“Banheiros unissex não são discussões novas, o que entra agora é a coletividade desses espaços”. Quem diz isso é Lúcia Helena, atualmente contabilista e ex-servidora pública do setor de recursos humanos da reitoria da UFU no início da década de 90,  período​ em que, nos espaços da universidade, os banheiros coletivos eram mais raros. “Na época existiam banheiros de uso tanto masculino como feminino, mas eram individuais, só uma pessoa usava por vez. Até aí, para mim, era tolerável”, conta.

Lúcia diz ser contra a medida porque acha importante se entender antes as diferenças íntimas e fisiológicas entre homens e mulheres, já que banheiros são os lugares que envolvem tais distinções. “Mas não é só nesse ponto que me preocupo. Entendo que não é uma placa dizendo ‘ele’ ou ‘ela’ que impedirá que alguém de más intenções entrar no banheiro que não lhe convém para se aproveitar da intimidade de outra pessoa, mas acredito que um banheiro público do tipo é entregar de bandeja certas oportunidades e, como mulher, tenho receio dessas medidas”, diz ela.

Fora da planta

Em um dos comentários na postagem da PUC, um internauta questiona a universidade se a medida não vai contra as regulamentações da Associação Brasileira de Normas e Técnicas (ABNT). Eduardo Witt, bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná, diz desconhecer qualquer restrição referente a instalação desses sanitários e comenta sobre o caso.

“Na norma 9050 da resolução para o desenvolvimento de plantas referentes às acessibilidade, existe a recomendação de que banheiros e vestiários devem ter no mínimo 5% do total de cada peça instalada acessível, respeitada no mínimo uma de cada. Quando houver divisão por sexo, as peças devem ser consideradas separadamente para efeito de cálculo”, diz Eduardo. , “À minha interpretação, a referência ‘quando houver’ não implica na obrigatoriedade de separação por sexo em sanitários”, completa.

Questionado sobre sua opinião acerca do assunto, o arquiteto coloca essa como uma questão que possui dois lados muito fortes. “O primeiro deles implica no direito de usar o banheiro de acordo com o que for mais conveniente, segundo tal identidade de gênero. O segundo lado envolve uma situação de segurança, especialmente às mulheres”, diz ele.

Witt fala também sobre o argumento do uso desses banheiros destinado às transexuais. “A porcentagem de pessoas trans compõe uma minoria e isso pode abrir uma brecha para uma situação mal-intencionada por parte de uma porcentagem maior”, pontua o arquiteto. E finaliza: “Presumo que a instalação de banheiros unissex em universidades exige um preparo de segurança e educação além do que se pretende o estado politicamente correto”.

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