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BRAÇOS DE CORAGEM, ALMA DE CAMPEÃ

“Levanta o peso aqui, coloca mais um pouquinho de lá. Um, dois, três, levanta. Segura, força, força, você consegue. Descansa. Agora de novo.”

Amanda Aparecida Santos de Sousa, 27 anos, filha de Antônio José de Sousa, um “baiano preguiçoso”, e Sônia Sebastiana dos Santos, uma “mineira cansada”, como ela mesmo apresenta seus pais, vive essa rotina intensamente. Com o desejo de ter um casal de filhos, Antônio e Sônia, que se conheceram e moravam em São Paulo, tiveram Marco Antônio e, depois, a tão sonhada menina para completar os seus sonhos.

Com o nascimento prematuro do primogênito aos oito meses e descobrindo que tinha problemas para manter o feto no útero, Sônia se manteve esperançosa para conseguir realizar o seu desejo materno, mesmo após duas perdas espontâneas. A gestação de Amanda foi considerada de risco e, ao completar cinco meses de gravidez, quando Sônia tirava as roupas da máquina de lavar, a bolsa se rompeu. Assim nasceu Amanda, com apenas 1,2 kg. Algo que nem se imaginava naquele momento era que, no futuro, aquela menininha que quase não tinha peso, chegaria a bater o recorde brasileiro de levantamento de peso em sua categoria.

Diagnosticada com Paralisia cerebral diparética espástica aos sete meses, seu engatinhar já mostrava que a sua força estava nos braços e que a dificuldade de mobilidade nas pernas passaria despercebida para quem a quisesse enxergar como ela realmente é. Amanda sempre foi sinônimo de força e persistência e, em suas muitas andanças pelo Brasil com a família, já morou em São Paulo, Brasília, Ituiutaba, até chegar, com 14 anos, em Uberlândia, Minas Gerais, onde começou a trilhar o seu caminho no esporte.

Após chegar ao limite de sua evolução física, seus médicos a indicaram o início de uma prática esportiva e o começo de tudo se deu dentro das piscinas. Ao ver as primeiras braçadas de Amanda, Wéverton Santos, professor e atual técnico, a perguntou se ela não gostaria de fazer musculação. A partir desse momento, a musculação e, futuramente, o para-halterofilismo surgiram para Amanda e fizeram seus olhos brilharem pelo esporte. Com o convite para a primeira competição, em 2010, Amanda focou todos os seus esforços para esse esporte e nunca mais parou.

Os estudos, por sua vez, não podiam ficar de lado. Sônia, preocupada com o futuro da filha sempre a alertava que os treinos estavam liberados, mas era muito incisiva ao dizer que, de alguma forma, ela precisava estudar. Na época, encerrando o Ensino Médio, Amanda tinha uma única opção de faculdade: “ou fazia UFU ou fazia UFU”. Sem condições para bancar uma instituição privada ou até mesmo morar fora de casa, Amanda tinha que conciliar os estudos para entrar na universidade e seu início promissor no esporte.

A escolha do curso de Fisioterapia veio dos inúmeros pensamentos de retribuição a tudo que tinha passado. “Gostaria de devolver àquelas pessoas tudo que eu absorvi, que evolui, que ganhei e cresci”, relata. Depois de quase três anos de carreira no esporte, em uma conversa com sua mãe e com o seu técnico, a decisão de se tornar fisioterapeuta foi confirmada. Na segunda tentativa de ingresso, lá estava o nome de Amanda entre os calouros de Fisioterapia da Universidade Federal de Uberlândia.

O pensamento que levou a família a mudar para Uberlândia anos antes já vinha aliado aos estudos. Amanda e o irmão Marco conseguiram uma vaga na universidade pública e isso proporcionou uma qualificação profissional aos irmãos que não tinham como estudar em um ensino particular. Seu irmão, antes de entrar na UFU, já havia feito uma primeira graduação em uma faculdade particular, mas ela só foi possível por conta da bolsa integral concedida pelo PROUNI. “Eu acredito muito no ensino público superior e ele foi primordial para mim. Precisei correr atrás e, para quem não tinha recurso financeiro, poder fazer uma universidade federal foi de extrema importância”, explica.

Além de proporcionar os estudos, a cidade de Uberlândia, que tem tradição no movimento paralímpico, permitiu que Amanda começasse os seus treinamentos no Instituto Viths e, posteriormente, migrasse para do Clube Desportivo para Deficiente de Uberlândia, CDDU. Mesmo não tendo condições financeiras para investir em ser atleta de alto rendimento, ela resolveu permanecer aqui pois a cidade apresentava uma boa estrutura mantida pela Prefeitura.

Quando começou a ganhar destaque em sua categoria, viu que a vida no esporte seria algo possível. “Para mim, o maior incentivador do esporte paralímpico é o Governo Federal e o Governo Estadual”, opina. Programas como Bolsa Atleta Federal e Estadual são um incentivo para os esportistas se dedicarem ainda mais e conseguirem superar os seus limites.


“Quando eu mostro o meu currículo e tiro o primeiro olhar da muleta, as pessoas se espantam” | Foto: Acervo Pessoal

E, assim, as marcas vieram: 2017, Amanda bateu o recorde brasileiro da categoria ao levantar 87 quilos, na Etapa (Regional) Centro Leste Brasília/DF. No mesmo ano, na 1ª Etapa Nacional (Regional) São Paulo/SP, um quilo a mais foi erguido e os 88 quilos se tornaram o novo limite brasileiro. Mudou o ano e mais dois quilos foram levantados. Em 2018, 90 quilos foi a marca atingida na 1ª Etapa Nacional (Regional) São Paulo/SP e, novamente na capital paulista, no Campeonato Brasileiro Loterias Caixa São Paulo/SP, 91 quilos fizeram Amanda alcançar o seu quarto recorde na carreira em apenas dois anos. 2019 também veio para aumentar ainda mais o recorde que ela não abre mão. Sua última marca, a atual em sua categoria, foi conseguida no Circuito Brasil Loterias Caixa, em Curitiba/PR, ao levantar 93 quilos.

Hexacampeã brasileira e em diversos momentos convidada a compor a seleção brasileira de halterofilismo, ela não para. O desejo que foi interrompido ao não chegar nas Paralimpíadas do Rio 2016 se mantém forte. 2020 é logo ali e Amanda não está de brincadeira quando o quesito é competição.

“Se fazer de vítima é muito fácil, você vai ganhar as coisas, mas quando é protagonista da sua vida, ganha muito mais. Essa mudança de ótica no público com deficiência ainda é um desafio muito grande”, sintetiza.

Ana Luíza Vargas
ana.luiza.vargas@hotmail.com
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