10 out Cada um no seu quadrado, lembra?
Você entra em um espaço. Pessoas estão de pé, concentradas, felizes. Em um círculo, ou em qualquer outra forma de organização, o público ali começa a cantar: “uma noite linda foi na beira da praia, a moça da saia flores eu vou levar”. Alguém toca um instrumento, que é um som nítido a todos ali presentes. Observam-se pessoas dançando, girando com suas roupas vermelhas e pretas. O som continua: “Pomba Gira da Praia, que mexe e balança a saia, recebe essa oferenda, que venho lhe ofertar”.
Imagine outro cenário. Cerca de 30 pessoas. Todas de mãos dadas. O local não permite uma formação em círculo. Um zigue-zague de mãos dadas é feito. Alguém começa a falar: “Pai-nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome”. As palavras são conhecidas por vários, que ali continuam, em uma só voz: “seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu”.
Não cabe nesse momento, e em nenhum outro, dizer qual descrição acima é certa. São manifestações de religiosidade, que cada pessoa professa da sua forma. Mas, imagine o primeiro cenário em uma câmara de vereadores ou em uma escola. Imaginar é possível, acontecer já me parece distante. Agora, imagine o segundo cenário numa escola ou na câmara. É real, visível aos olhos e comum.
Na câmara dos vereadores no Rio de Janeiro, a oração é um ato presente e constante diariamente. É possível ver os ali presentes de mãos dadas que, além das orações, cantam seus louvores. Bíblias nas mesas. Cartazes com mensagens de teor cristão. Uma bonita cena, se não fosse em um ambiente público e em local não apropriado para isso.
Políticos, além de representantes do povo, em grande maioria têm sua religião, a liberdade de crença é um direito. Entretanto, existem momentos para isso. Votação em nome de deuses e religiões não cabe no cenário político.
Quando se trata de educação a discussão é extensa. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o oferecimento do ensino religioso para crianças é obrigatório, no entanto a participação é facultativa. Aqui caímos em um dilema, pois os alunos que se negarem a participar dessas aulas podem sofrer constrangimento. Esses ensinos, em sua grande maioria, são destinados a uma única religião, não a uma pluralidade delas.
Ano passado, foi negado a um grupo de alunos apresentar um trabalho numa escola. A diretora afirmou: “eu tenho que dizer pra vocês: aqui dentro da minha escola vai funcionar, vai se realizar e vai se apresentar o que eu achar que é de Deus. Nada de Pomba Gira aqui dentro”. O exemplo vem para mostrar a ilusão da liberdade religiosa no ensino, além dos estigmas carregados pelas religiões de matrizes africanas.
O que se fazer em uma situação dessa? Simples, duas palavras: Estado laico. É não ter ensino religioso em escolas. É falar de religiosidade através da história, ao trabalhar a história dos negros, citando assim religiões de matrizes africanas. Na sociologia, citar outros povos e religiões, são medidas que me parecem válidas. Entretanto, ensinar doutrinas de cada um, é um problema nítido.
A escola, assim como ambientes do poder público, não têm como função servir de palco para manifestações religiosas, em especial quando há uma exclusividade sobre qual doutrina é aceitável e correta. Viver em sociedade demanda a coexistência de diversos grupos e pensamentos, sendo assim, a utilização de espaços públicos (ou governamentais) deveria se restringir a suas funções.
E, já que estamos falando de escola, vamos relembrar as aulas de química. Sabe quando colocamos em um recipiente água e óleo, elementos que não se misturam, que se tornam uma mistura heterogênea? É como Estado e religião, matérias diferentes que não devem se misturar.
*Créditos da imagem: Tiziana Fabi / AFP Photo
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