
03 jun Cidade para quem?
Você sabe o que é o Direito à Cidade? Ter Direito à Cidade é um compromisso ético e político garantido a todos que vivem nela hoje e também às futuras gerações que a habitarão. Todos nós, enquanto cidadãos, temos direito à coleta seletiva, ao transporte público, ao acesso à cultura, a andar nas ruas da nossa cidade, governá-la, eleger o melhor candidato, impor propostas de melhorias e muito mais. Pois, tudo isso é direito à cidade!
Inicialmente, o termo surgiu como uma ideia de slogan de Henri Lefebvre em seu livro “O Direito à Cidade”, em 1968, um ano que foi marcado por movimentos, primeiramente promovidos por jovens, como a luta por direitos civis, liberação sexual e oposição ao conservadorismo. Neste livro, o filósofo marxista e sociólogo francês diz que o Direito à Cidade é: “muito mais que a liberdade individual para acessar os recursos urbanos: é, sobretudo, um direito coletivo, ao invés de individual, pois esta transformação inevitavelmente depende do exercício de um poder coletivo para dar nova forma ao processo de urbanização. O direito a fazer e refazer nossas cidades e nós mesmos é, como quero argumentar, um dos mais preciosos, e ainda assim mais negligenciados, de nossos direitos humanos”.
No entanto, seu livro, uma homenagem ao manifesto “O Capital” de Karl Marx, recebe críticas por não pensar na estrutura opressora muito questionada nos protestos: a cotidianidade do trabalhador no sistema capitalista que vivemos. Um trabalhador operário, por exemplo, sente de forma mais intensa a falta desse direito por ter seu tempo consumido pelo trabalho, sem possibilidade de lazer ou de exercer manifestação do uso de seus direitos. Neste caso, a urbanização se apresenta mais uma vez, como um fenômeno de classe por ter o controle da sobreprodução na mão de poucos, como podemos observar desde o feudalismo, com o ‘senhor feudal’. Já na lógica capitalista, há uma relação entre o desenvolvimento do sistema e a urbanização, pois o direito à cidade não será tão usufruído por outras classes, como a classe operária, reproduzindo um ambiente segregado e hierarquizado.
No Brasil, o Direito à Cidade aparece no Estatuto da Cidade — uma lei que regulamenta o capítulo de ‘Políticas urbanas’ na atual Constituição brasileira — e reivindica aos brasileiros direitos como moradia, transporte público de qualidade e mobilidade urbana.
Desde a criação do Estatuto, em 2001, surgiram novas políticas de estrutura de governo, por exemplo, a ampliação do financiamento público que aumentou a ocorrência de políticas públicas urbanas. Porém, a utilização desses instrumentos jurídicos previstos pelo Estatuto ficou vinculada à aprovação dos municípios por um Plano Diretor — um documento que registra a política urbana e passa a ser obrigatório em cidades com mais de 20 mil habitantes.
Depois, no ano de 2003, em razão do início do governo de Luís Inácio Lula da Silva à presidência da República, foi criado o Ministério das Cidades que financiava e coordenava políticas públicas relacionadas à produção habitacional, regulamentação fundiária, mobilidade e saneamento. Mas, em 2019, em decorrência do início do governo do atual presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, o Ministério foi extinto e fundido com o Ministério da Integração Nacional, tornando-se o Ministério do Desenvolvimento Regional.
Diante de todas essas políticas regionais de direitos aos cidadãos brasileiros, a realidade se mostrou um contraste de desigualdades: bairros ricos com acesso a bens de consumo e serviços públicos e bairros pobres marcados pela ausência de serviços básicos garantidos pela constituição, como saneamento e transporte. Além disso, os brasileiros parecem cansados de ver a legislação brasileira criar direitos sem que existam recursos para esses serem devidamente implementados e capacidade operacional de transformar essas declarações em políticas públicas.
No país, é muito discutida também a defesa de espaços públicos contra privatizações, como a tendência que vemos hoje dos condomínios fechados, que têm sido cada vez mais comuns e que impedem a entrada sem autorização. E, paralelo a isso, temos bairros “esquecidos” na cidade que não possuem investimento público, acesso a direitos básicos, como mobilidade, e ficam cada vez mais degradados com o tempo.
Esse é um exemplo preocupante que segrega as classes sociais e intensifica desigualdades e preconceitos na sociedade brasileira, assim como a construção de ambientes como os shoppings com lojas de alto padrão, onde quem foge dos estereótipos da classe dominante não é bem-vindo.
Mesmo com seus direitos garantidos por leis, há públicos — como negros, LGBTQ+, comunidades tradicionais, pescadores, classe operária, os trabalhadores da agricultura urbana e periurbana, etc — que sofrem essa violação e preconceito, perdendo o seu direito de visitar lugares de livre circulação.
O direito à cidade é, como Henri Lefebvre defendia, um direito coletivo que permite a remodelagem dos processos de urbanização, sendo um dos direitos mais preciosos e, ao mesmo tempo, negligenciado. Mas entendê-lo dessa forma é uma mudança cultural que só seria possível diante de um governo com propostas transparentes que busque, também, transformar os direitos presentes na legislação brasileira em políticas públicas inclusivas.
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