30 jul CINEMA E SOBERANIA NACIONAL
Em meio às recentes mudanças estruturais nos órgãos públicos nos últimos tempos, às que se tratam de arte e cultura, mais especificamente sobre cinema, podem ter passado batidas para quem não é profissional do meio, que movimenta quase 0,5% do PIB brasileiro, mais do que as indústrias farmacêutica, têxtil e de eletrônicos e informática, segundo a Agência Nacional de Cinema (Ancine).
Após a extinção do Ministério da Cultura, em janeiro deste ano, algumas medidas específicas têm ameaçado o mercado cinematográfico nacional. Em abril, o presidente da Ancine Christian de Castro recomendou que os repasses de verbas para filmes e séries nacionais fossem suspensos. Incluindo os que já estavam em fase de produção. A medida ameaça avanços conquistados como a Lei 12.485 de 2011, mais conhecida como lei da TV Paga, que determina que os canais de TV à cabo dediquem pelo menos três horas e meia semanais à exibição de filmes e séries nacionais, sendo pelo menos metade destes de produtoras independentes. Sem produção nacional, não há produtos para serem exibidos. Depois disso, instituições ligadas ao mercado audiovisual passaram a se movimentar para demonstrar a importância econômica da área.
Nos anos anteriores, passamos de 84 a 158 lançamentos brasileiros entre 2009 e 2017. Isso significa uma grande movimentação econômica, que gera mais de 300 mil postos de trabalho direta e indiretamente, com o emprego de funcionários desde a área da moda, passando por motoristas, pequenos comerciantes de ramos como o alimentício e artigos em geral, até os artistas em si, envolvidos nas etapas de produção.. Ademais, em cinema, às remunerações são 60% acima da média do país.
Apesar de os argumentos econômicos parecerem mais importantes, há outro ponto igualmente importante a ser discutido, que é a soberania nacional. Em 2019, a imagem do Brasil, que anda em baixa lá fora pelas questões políticas, foi extremamente positiva nos maiores festivais de cinema do mundo. No Festival de Berlim, saímos com cinco premiações. No Festival de Cannes, “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles e “O Traidor”, de Marco Bellocchio, foram indicados à Palma de Ouro, principal prêmio do festival. O longa Bacurau venceu o prêmio do júri. O documentário “Democracia em Vertigem”, da diretora Petra Costa, foi apontado pelo New York Times como um dos melhores filmes do ano. É irônico que justamente num ano de tanta prosperidade para o cinema nacional, venham os cortes.
Cinema é também questão de identidade. Desde o século XVIII, e principalmente durante a Guerra Fria, os Estados Unidos fizeram (como ainda fazem) os mais diversos esforços para exportar o “American way of life”, que é basicamente o estilo de vida estadunidense, com a qual somos todos familiarizados por meio das telas. Por aqui,o próprio Brasil, que é imenso em território e culturas, tem a oportunidade de se conhecer melhor por meio das produções cinematográficas. As leis que incentivam o cinema descentralizado (para além do eixo Rio – São Paulo) também contribuem para uma visão positiva do nosso país, que muitas vezes ainda está no estigma de país tropical exótico no exterior, imagem que reforça a procura por turismo sexual. Outro ponto é que com a baixa das possibilidades de produção nacional, grandes produtoras estão de olho para explorarem nosso mercado e nossa cultura como bem entenderem. Se isso acontecer, retrocederemos novamente ao exótico.
Assim como educação, cinema, arte e cultura se tornaram “pautas de esquerda” no senso comum. No entanto, é preciso que todos nós, independentemente das orientações políticas, estejamos vigilantes às políticas públicas que nos fizeram crescer nas últimas décadas. Pois, como nossa democracia, essas políticas são jovens e ainda não estão consolidadas. E nos momentos de crise política e econômica, os direitos adquiridos são os primeiros a serem questionados. Que estejamos atentos e fortes!
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