26 ago Conheça a trajetória da halterofilista Lara Lima até as paralimpíadas de Tóquio
Com um fuso horário diferente, poucos dias para realizar um de seus sonhos e uma alegria contagiante, Lara Lima, de 18 anos, mesmo através de uma chamada de vídeo, deixou evidente seu entusiasmo por viver uma das maiores realizações de sua vida: competir nas paralimpíadas de Tóquio.
A mineira foi a única representante de Uberlândia a competir na modalidade de halterofilismo na madrugada de hoje (26). Lima conquistou o sétimo lugar na sua categoria, levantando 88 kg, um grande feito para uma menina tão jovem em seus primeiros jogos paralímpicos. A Conexões convida você a conhecer um pouco da trajetória da paratleta.
O começo
A atleta nascida e criada em Uberlândia iniciou sua trajetória no meio esportivo aos 10 anos de idade. Lima nasceu com mielomeningocele e artrogripose, doenças que afetam a movimentação dos membros inferiores e foi incentivada por sua psicóloga, que na época percebia nela bastante potencial para conquistar medalhas de ouro. Após esse primeiro passo, a mineira foi atrás da organização responsável para fazer uma avaliação, porém foi informada que o treinador, Weverton Santos, estava viajando e que eles retornariam quando possível.
“Foram passando os dias, até que um dia eu estava voltando da escola, um atleta dele (Santos) me viu saindo da escola com minha mãe. Tô vendo aquele homem me chamando e pensei – gente, o que ele quer? Até que decidimos – vamos criar coragem e ir, né? Deus me proteja”, recorda com bom humor. Aquele momento simbolizava uma porta de oportunidades se abrindo.
Na conversa o rapaz perguntou se Lima não tinha interesse em se tornar uma atleta e logo soube que ele fazia parte da mesma equipe que a futura campeã havia procurado. “Ele falou olha seu braço, você faz alguma coisa? – eu disse que não. O meu braço sempre foi mais desenhadinho por causa da cadeira, eu sempre uso muito as mãos”, relembra. No dia posterior ao episódio, o Clube Desportivo para Deficientes de Uberlândia (CDDU/Futel) entrou em contato informando sobre uma vaga aberta.
“Eles haviam marcado para às 08h30, mas eu cheguei às 07h, estava muito animada. Naquele dia fui apresentada para a equipe brasileira de halterofilismo. Eu fiquei – gente, como assim?”, revela divertida. A partir disso, Lima foi orientada a seguir um período de dois meses de adaptação na modalidade e, caso não gostasse, seria indicada para outra categoria. Felizmente, deu tudo certo.
Com os olhos brilhando, a atleta relembra seu período de adaptação. “Quando fiz meu primeiro teste, pensei – eu gostei muito disso, não vou sair daqui mais”. Mas a atleta precisou aguardar três meses para, finalmente, pegar a barra. “A gente fazia o treino com cabo de vassoura. Quando chegou o dia de pegar a barra, parecia que meu coração ia sair pela boca. Eu coloquei 5kg em cada lado e fui aumentando aos poucos. Eu olhava outros atletas com mais peso e ia tentando superar eles”, confessa, com alto astral. A jovem, em sua última competição, levantou 90 kg, entrando para o recorde Júnior das Américas.
O resultado de sua trajetória, dedicação e disposição trouxeram boas expectativas para os jogos Paralímpicos. “Quero fazer uma bela marca, trazer uma medalha para o Brasil. Isso seria um marco na minha vida, já passei por tanta coisa dentro do esporte e fora do esporte, o que eu puder fazer para pegar uma medalha, vou fazer”, afirma.
Obstáculos, competições, mudanças e família
Hoje, Lima, vivencia um dos momentos mais especiais de sua carreira. Porém, também houve momentos de desânimo e desesperança. Principalmente no começo de sua jornada, quando a atleta foi desacreditada por pessoas externas sobre sua modalidade. “Perguntavam – por que você não vai para o atletismo? – e eu não aceitava. Se eu tivesse a mente fraca, talvez não aguentasse a pressão. Conversei com meu técnico, comecei a competir e os comentários pararam”, explica. Apesar disso, Lima seguiu confiante e sua vida teve reviravoltas significativas.
Com 14 anos a jovem ainda não podia competir internacionalmente, mas já escutava “ah, quando você fizer 15 anos, já tem olheiro para você competir fora do país”. Sua primeira competição foi em um campeonato europeu, na França. “Foi a primeira vez que andei de avião, foi uma correria. Eu não tinha passaporte, não tinha visto e tive que resolver tudo. Três meses passaram voando, lembro que meu técnico olhou para mim e para minha mãe e falou – olha, se ela não conseguir fazer o passaporte, infelizmente encerrou. Era o começo da minha carreira”, recorda.
A atleta expressando sua gratidão continua: “Tiveram muitos anjos para me ajudar. E foi a partir dali, que eu comecei a pensar – se naquela viagem tinha tudo para dar errado e não deu, depois é que não ia dar. Depois de ser atleta, minha vida melhorou 200 por cento”, afirma.
Ao contar sobre esses momentos, Lima ressalta a importância de sua mãe e de seu treinador. “Minha mãe é minha maior inspiração. Minha mãe que estava ali, me apoiando e incentivando, desde o ínicio. Antes de começar a trabalhar profissionalmente, a gente já passou fome, minha mãe trabalhava em três empregos para cuidar da gente (dela e sua irmã), hoje pode escolher se quer trabalhar ou não”, diz.
Embora sua paixão pelo halterofilismo seja grande, existiram situações em que Lima pensou em desistir. “Eu não queria participar dos treinos, o Weverton mandava mensagem desesperado e ligava para minha mãe. Ela me ligava do serviço e falava – levanta, as paralimpíadas de Tóquio estão aí, você vai e eu quero uma foto sua na porta para ver que você foi”, conta com divertimento.
Em relação ao seu técnico Weverton Santos, a atleta fala com orgulho. “Eu vou treinar com ele até nós dois ficarmos bem velhinhos. Eu tenho meu técnico como pai, em vários momentos da minha vida ele literalmente me salvou”.
Referente ao custeio das competições, a jovem explica que sua equipe é como uma família, sempre que tem alguém precisando, eles se juntam, fazem vaquinha e o que precisar. “Sempre fomos muito parceiros, a gente pensa como uma família mesmo. Tinha vezes que a pessoa pensava em desistir por falta de recurso, então a gente juntava e pagava. Felizmente, eu nunca deixei de participar de nada por falta de recurso”, revela. A atleta pontua também que cada competição funciona de uma maneira, no caso dos Jogos Paralímpicos eles são custeados pelo Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos junto com o Comitê Brasileiro, ou seja, cada caso é um caso.
Esporte paralímpico em Uberlândia
Em relação ao esporte paralímpico em Uberlândia, a recordista afirma que considera muito bom. “A prefeitura acolhe muito o esporte paralímpico e ele está só crescendo, eu sinto que eles sempre foram muito parceiros, opina.
Sobre possíveis melhorias nas políticas públicas dos esportes paralímpicos, a mineira garante: “Tem como melhorar, mas na minha vivência está bom. É mais a questão da visibilidade do esporte paralímpico, a gente vê que o esporte olímpico é mostrado em todo lugar, mas o paralímpico, não. Está tendo uma melhora significativa, mas ainda falta muito, e não só em Uberlândia, em todo Brasil”, acentua.
Paralímpiadas e o futuro
Sobre o futuro, nossa representante paralímpica se vê formada, ou cursando alguma faculdade. E também seguindo como representante do Brasil nas próximas paralímpiadas, realizando seu sonho de se tornar uma medalhista paralímpica. “Me vejo conquistando isso e muitas medalhas, conquistando minhas coisas, meu carrinho, minha casa, para minha mãe e para minha irmã”, conta com satisfação.
Quanto a sua competição e às Olimpíadas Paralímpicas em geral, Lima deixa um recado: “Eu quero ver o pessoal torcendo até ficar sem voz, é para torcer bastante, manda mensagem dizendo que a garganta tá doendo de tanto gritar, se precisar eu dou até o remédio”, brinca. “Torçam muito, porque vai ser uma paralimpíada histórica para o Brasil. A torcida faz toda diferença para gente, enche de energia. No meio de uma pandemia, muita gente morrendo não só de covid-19, mas também de fome, no meio de tudo isso a gente conseguiu chegar até aqui, então quem puder, assista e torça muito”, pede.
Se alto astral fosse uma modalidade paralímpica, sem dúvidas, as chances de levarmos o ouro seriam dobradas.
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