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Cotas raciais: UFU faz uso de comissão avaliadora para validar as modalidades autodeclarativas

Para ingressar na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) via processo seletivo, a partir de 2017.2, os candidatos que se declaram pretos, pardos e indígenas (PPI) precisaram ter sua autodeclaração homologada por uma comissão.  Após a realização da prova do vestibular, os inscritos nas modalidades de cotas 1 (escolas públicas com renda igual ou inferior a 1,5 e PPI) e 3 (escola pública independente de renda e PPI) com chances de aprovação receberam a convocação para uma entrevista, com o objetivo de avaliar se possuíam as características fenotípicas necessárias para se enquadrarem como cotistas. As entrevistas foram realizadas em duas fases no mês de julho.

 

A primeira fase de entrevistas aconteceu nos dias 15 e 16. Dos 435 convocados, somente 277 candidatos compareceram e 140 foram homologados. Como não foram preenchidas todas as vagas disponíveis para o processo seletivo 2017-2, uma segunda chamada foi convocada para o dia 23 de julho.

 

A criação da comissão avaliadora, na Universidade, foi anunciada em abril e dividiu opiniões. Luiz Guilherme Pereira, de 19 anos, que concorria por uma vaga em Engenharia de Produção, concorda com a instalação da comissão de avaliação étnica racial. “Tem muita gente que se declara alguma coisa que não é e pega a vaga de alguém que precisa. Com essa entrevista agora dá pra separar quem realmente é pardo, preto ou indígena, dá pra definir bem”, opina. Por outro lado, não são todos que avaliam positivamente o processo. Marina de Sousa, de 23 anos, candidata para uma vaga em Ciências Contábeis pela modalidade 3, afirma que “por mais que eu me autodeclare, [a existência da comissão] já feriu o princípio da autodeclaração”.

 

 

Somente 396 candidatos foram aprovados nas 507 vagas oferecidas, pela UFU, nas modalidades 1 e 3. Foto: Cecília Almeida/Agência Conexões

 

 

Como funcionaram as entrevistas?

 

As entrevistas ocorreram na UFU, no bloco 3Q do campus Santa Mônica, e os candidatos foram convocados em horários específicos para não haver tumulto. No entanto,  o critério de atendimento era a ordem de chegada. Segundo Marina, a entrevista “não durou nem três minutos, a banca foi super interativa com a gente, me perguntou se eu já tinha sofrido algum preconceito e tirou uma foto, que era para arquivo”.

 

Dennys Garcia Xavier, ex-diretor da Diretoria de Processos Seletivos (DIRPS), que esteve à frente do processo até o dia 25 de julho, quando foi exonerado do cargo, explica que a pergunta sobre se o candidato já tinha passado por alguma situação preconceituosa não tinha caráter definitivo. Deste modo, a aprovação ou reprovação no processo não dependia de uma resposta afirmativa ou negativa desta questão. “Nós tivemos negros retintos, ou seja, negros propriamente ditos, que relataram nunca terem sofrido [preconceito] e, mesmo assim, entraram por cotas”, conta Xavier.

 

Lorena Oliveira, estudante de pós-graduação em Filosofia, vice-presidente do Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial do município, pesquisadora das relações étnico-raciais e membro da comissão avaliadora (apesar de não responder por esta) explica que, como estudante do tema, a utilização da pergunta foi necessária porque se faz uma leitura fenotípica do candidato. Assim, se torna constrangedor apenas avaliar os traços físicos da pessoa sem qualquer tipo de diálogo. Neste sentido, a intenção era tornar o processo mais tranquilo.

 

A pesquisadora ainda ressalta que a discussão sobre o racismo é importante para incentivar a reflexão. “Nosso intuito nunca foi que a pergunta determinasse [a homologação ou a não homologação], mas que fizesse muitas pessoas pensarem sobre. Porque identificamos que muitos nunca pensaram sobre o que é discriminação racial e foi isso que tornou possível essa ação afirmativa”, destaca Lorena.

 

Os critérios de avaliação usados pela banca foram, portanto, os traços negroides apresentados pelo candidato que se declarou preto ou pardo, visando avaliar como ele é visto socialmente. Questões como ancestralidade (ser descendente de negros) foram desconsideradas. Para o caso de autodeclarados indígenas, foi solicitado, segundo nota divulgada pela DIRPS, o Registro Administrativo de Nascimento Indígena, documento que comprova a ligação do candidato com uma comunidade indígena.

 

Caso o candidato não se enquadrasse na modalidade, ele era eliminado do processo, sem possibilidade de concorrer em outras categorias, como, por exemplo, a ampla concorrência.

 

Como surgiu a comissão avaliadora?

 

A banca, nomeada como Comissão para Diversidade Étnica, foi criada para evitar fraudes denunciadas no sistema. Já existem comissões que avaliam tais denúncias ocorridas após o ingresso do estudante na Universidade, mas agora optou-se pela formação de uma avaliação prévia, antes mesmo da divulgação dos resultados do vestibular. Para isso, todos os candidatos pretos, pardos e indígenas, com chances de serem aceitos, foram convocados antes de saírem os resultados.

 

A decisão da criação de uma comissão anterior ao ingresso dos candidatos foi, de acordo com Dennys Xavier, “para que essas vagas não continuassem a ser usadas por fraudadores ou gente que, mesmo fazendo uma leitura enganada de si mesmo, estava ocupando uma vaga que não fosse dela”. O grupo foi composto por seis membros, divididos em duas bancas, cada uma formada por um docente, um discente e um técnico. Tais membros deveriam ter relação com o assunto étnico-racial e  passaram por um treinamento prévio.

 

Quais foram os principais problemas?

 

Os altos números de não homologação e não comparecimento, principalmente no primeiro dia, são interpretados por Dennys Xavier como um trabalho bem feito  pela comissão na parte de filtragem das autodeclarações.

 

Segundo Lorena, o alto número de reprovações se deu em razão das  muitas variáveis de pardos, mas nem todas apresentam os traços negroides, alvos das políticas afirmativas. “O fato de ser um país considerado mestiço, nesse momento, gera muitos problemas na questão autodeclaração” opina a pesquisadora, e conclui: “em um país que mata um jovem negro a cada 23 minutos, se sabe muito bem quem é o negro, mas na hora de ocupar lugares sociais não se sabe dizer quem é negro e quem não é”.

 

Procurada para comentar o caso, a atual diretora da DIRPS, Maura Rocha, declarou que não concederia entrevistas.

 

Agência Conexões
agenciaconexoes@gmail.com
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