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Dados oficiais do Município ocultam crescimento de casos de Covid em Uberlândia


Desde o início de outubro a Prefeitura Municipal não atualiza número oficial de casos de Covid-19 registrados em Uberlândia. | Foto: Pixabay

por Lucas Ribeiro

“Testei positivo, estou com Covid.” Quantas vezes você ouviu essa frase nas últimas semanas? A sensação que nos causa, seja pelas notícias nos jornais sobre aumento de casos e volta das restrições, seja pelas conversas cotidianas, é que uma nova onda do Coronavírus se aproxima rapidamente. É certo que as vacinas têm reduzido muito as internações e os óbitos, porém não seguram o espalhamento do vírus. Estranhamente, os números oficiais registrados no município de Uberlândia mantêm-se inalterados há mais de dois meses. 

Desde o dia 04 de outubro de 2022, o Boletim Epidemiológico divulgado diariamente pela Secretaria de Saúde de Minas Gerais registra os mesmos 225.116 casos na cidade de Uberlândia e segue estagnado. Antes disso, no boletim de 03 de outubro, haviam sido registrados 225.089 casos e 3.476 óbitos. Os dados são alimentados pelo município, que tem responsabilidade pela coleta e repasse das informações para a Superintendência Regional de Saúde, que fica com a missão de entregá-los ao estado. 

A Conexões procurou a Prefeitura  de Uberlândia para questionar o estancamento dos números, mas a resposta foi de que as questões deveriam ser direcionadas à Superintendência, que por sua vez, reafirmou que a responsabilidade da coleta é do município. Em sua resposta, a Superintendência também ressaltou que os dados são captados para alimentação do Painel Estadual do Coronavírus e do Boletim a partir dos sistemas de informação oficiais do Ministério da Saúde, “quais sejam: sivep-gripe e e-sus e que os dados são parciais, sujeitos a revisões e alterações”.

Conforme o que a Conexões pôde apurar, aparentemente existe uma pedra no caminho desses dados oficiais, que faz com que os números e a vida real nos tragam impressões diferentes.


Acesse o boletim municipal aqui. (Infográfico: Lucas Ribeiro)

Enquanto o boletim epidemiológico segue sem alteração, o Hospital de Clínicas, principal instituição de saúde no município de Uberlândia, divulgou, na última semana, nota restringindo a visitação a pacientes. Conforme dados do Comitê Covid HC, em novembro foi registrado um aumento de 400% de casos entre funcionários do hospital e de 800% entre pacientes. Quem confirma a informação é o infectologista do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU), Henrique de Villa Alves. O médico explica que o motivo da suspensão das visitas é por precaução, justamente em razão do aumento do número de profissionais infectados.

“É uma forma de termos um melhor controle aqui dentro do hospital porque, eventualmente, alguns pacientes acabam entrando com sintomas. Nós orientamos que quem estiver com sintomas não compareça, não faça visitas nem seja acompanhante, mas infelizmente, acabam vindo”. O infectologista destaca, ainda, que esse crescimento é uma tendência nos dados nacionais e, por esse motivo, a medida foi preventiva. “Se nós continuássemos permitindo as visitas, correríamos o risco de termos uma quantidade maior de casos no mês de dezembro”, explica.

Se o crescimento dos casos está relacionado ou não à nova variante da Ômicron, a BQ.1, o infectologista reitera que, neste momento, não podemos afirmar categoricamente. “Faltam análises mais específicas que o Estado deveria trazer como retorno para nós. Notamos que houve um aumento do número de casos, provavelmente, relacionados à BQ.1, mas sem podermos garantir que seja somente ela”, reforça. Alves ressalta que ainda existem variantes antigas em circulação.

A Universidade Federal de Uberlândia também registrou aumento de casos, o que levou o Comitê Covid UFU a retomar a recomendação do uso de máscara em locais fechados em nota técnica publicada no dia 17 de novembro. Em entrevista à Conexões, a Pró-reitora de Assuntos Estudantis e membro do Comitê Covid UFU, Elaine Saraiva, explica que o retorno das máscaras é uma ação de prevenção baseada em três eixos específicos. Ela menciona como principais razões o aumento de casos no país, a identificação de quantidade de estudantes de outras localidades – o que irá aumentar a mobilidade com as festas de fim de ano – e também a restrição da quarta dose da vacina para a maior parte da comunidade acadêmica, composta majoritariamente por jovens com menos de 30 anos.

“Uma informação importante é que os municípios [com campus UFU], Uberlândia, Monte Carmelo, Patos de Minas e Ituiutaba, alguns não estão mais encaminhando seus dados para a Secretaria Estadual de Saúde”, salienta Saraiva. A pró-reitora explicou que a universidade percebe essa estagnação dos números oficiais e alerta para o perigo que ela representa. “É muito importante que a imprensa informe, auxilie, ou leve esses dados, para que os municípios retornem as testagens, retornem as comunicações de dados e informações numa base centralizada concentrada, que é do estado”, destaca.

Também entre laboratórios da rede privada, o crescimento de casos positivos para o novo Coronavírus é uma constatação. A assessora científica do Laboratório de Análises e Pesquisas Clínicas Labormed, de Uberlândia, Camila Garcia, afirma em entrevista exclusiva para a reportagem da Conexões que, nos primeiros dias de dezembro, houve um aumento de 37% nos resultados positivos em testes de covid feitos no laboratório frente aos meses de outubro e novembro. Garcia reforça ainda que o repasse de números referentes aos testes realizados no laboratório é feito diariamente para a Vigilância Epidemiológica, órgão ligado à Secretaria Municipal de Saúde. Neste mês de dezembro, a Labormed tem feito, em média, 101 testes por dia.

Em meio a esses dados, ainda há outro que não pode ser descartado: os testes rápidos de farmácia. Nesse caso, existem duas situações diversas, os exames aplicados pelos estabelecimentos, cujo resultado é registrado, e os auto-testes, comprados nas drogarias, porém realizados fora, cujo resultado na maior parte das vezes não é registrado em nenhum sistema oficial. Conforme informação divulgada no portal da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), os testes aplicados em farmácia registraram um aumento de 1001% em novembro. A Abrafarma reúne dados de todas as farmácias no território nacional e informa: “até o dia 27 de novembro, a associação registrou 87.968 pessoas infectadas com o novo coronavírus, 11 vezes mais que o total durante todo o mês de outubro, quando esse número foi de apenas 7.986”. No comunicado, são listados os estados com maior incidência de resultados positivos e Minas Gerais não está entre eles.

Os autotestes têm sido uma opção de grande procura, por se tratarem de um exame mais barato e rápido do que aqueles realizados em laboratório. A professora universitária, Christiane Pitanga, 53 anos, decidiu fazer o teste de farmácia após três dias com a garganta irritada e febre na primeira semana de dezembro. “Fui até a farmácia e comprei o teste na esperança de não ser Covid. Em 15 minutos tive o resultado positivo”, conta a professora. Depois da descoberta, ela relata que procurou o irmão que é médico e pediu orientações sobre isolamento e medicação. “Ele me falou que eu deveria ficar sete dias isolada e que se no sétimo dia, se eu estivesse há mais de 24 horas sem sintomas, poderia voltar a normalidade”, lembra. O resultado positivo de Pitanga foi notificado ao Comitê de Monitoramento Covid da Universidade Federal de Uberlândia, instituição na qual atua, porém a maior parte das pessoas que fazem a opção pelo autoteste fica no limbo das subnotificações.

A IMPORTÂNCIA DA ATUALIZAÇÃO DOS NÚMEROS

O infectologista do HC-UFU, Henrique de Villa Alves aponta a redução de medidas de prevenção e a baixa adesão às doses de reforço das vacinas contra Covid-19 como possíveis explicações para o crescimento dos novos casos.  “Com o tempo, vamos deixando de ter preocupação com a higiene de mãos, com o uso da máscara, principalmente dentro de ambientes de saúde, então isso vai facilitando [a possibilidade de contaminação]”, sintetiza. 

O médico destaca que a falta das vacinas é um fator que contribui para o crescimento dos números na prática. “Primeiro, porque algumas pessoas não completaram o esquema vacinal, nem fizeram os reforços, além do que, aqueles que se vacinaram, fizeram isso já há um certo tempo e precisamos de vacinas novas – que estão chegando e já foram aprovadas pela Anvisa – que cubram essas novas variantes”, adverte. 

A baixa adesão da população às campanhas de vacinação tem sido um problema enfrentado no Brasil nos últimos anos, como mostramos nos dados apresentados em matéria da Conexões sobre a cobertura vacinal contra a poliomielite. A situação em Uberlândia não é diferente, o que pode ser constatado pela intensificação da campanha local pela dose de reforço.  

A Prefeitura Municipal está veiculando uma campanha ressaltando a importância da dose de reforço da vacina contra a Covid-19, com o intuito de estimular a população a regularizar o esquema vacinal. No Instagram, o perfil oficial da prefeitura divulgou uma tabela com informações sobre os grupos que podem procurar pelas unidades de atendimento. 

A estagnação dos dados oficiais pode causar a impressão de que a pandemia acabou e que a transmissão do Coronavírus está controlada, trazendo o resultado oposto ao recomendado pelos médicos: a necessidade de se vacinar e manter os cuidados preventivos. A atualização dos dados é um compromisso de responsabilidade social, que esclarece para os moradores de Uberlândia a real situação e deve ser cobrada da Prefeitura Municipal de Uberlândia. Além disso, uma comunicação transparente do real estágio de espalhamento do vírus na cidade pode incentivar milhares de cidadãos a retornar com rigor aos cuidados básicos de higiene das mãos e procurar as unidades de vacinação.

Atualizada em 12/12/22 às 18h


Agência Conexões
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