Observatório Luminar
Luminar é um observatório de mídia voltado para o acompanhamento sistemático da cobertura jornalística sobre políticas públicas. Acesse clicando aqui

Ditão e sua caridade tão grande quanto coração de mãe

Quando liguei para Ditão, na tentativa de marcar um horário com ele, estávamos na primeira segunda-feira do mês de julho. O relógio marcava oito e meia em uma manhã fria e ensolarada de inverno. Do outro lado, a voz que me atendeu era alegre. “Alô, bom dia, que Deus esteja contigo, que a felicidade esteja contigo, e que Cristo esteja contigo, bom dia, bom dia, bom dia. Com quem eu falo?”. Aí entendi quem era Ditão.

 

Quase todos o chamam de pai. Pai que acolhe, que abraça, que cuida. Pai de quem já não tem pai, nem mãe, nem nada. É pai daqueles que sumiram de suas famílias por querer. Pai daqueles que fizeram das marquises o próprio teto, das calçadas o próprio lar.

 

Ditão, registrado como Sílvio Expedito Cardoso, nascido em 1949, é dos fundadores da Casa Santa Gemma. O lar é considerado uma das maiores instituições que acolhe pessoas em situação de rua da cidade de Uberlândia. As ações de Ditão começaram quando, segundo ele, mudou de comportamento após frequentar o Encontro de Casais em Cristo, na comunidade da igreja São João Batista. “Eu mexo com terraplanagem, tenho caminhão, tenho máquina, eu faço serviço de limpeza de terreno, essas coisas. E, quando eu fiz esse encontro, mudei meu foco”, conta.

 

Hoje, quem cuida dos caminhões e serviço de terraplanagem são os filhos e o irmão. Ditão cuida 24 horas por dia da Casa Santa Gemma, que hoje abriga 19 homens que estavam em situação de rua. Com consultas médicas, curativos e muito carinho, além do banho, da comida e da cama para dormir, a Casa torna-se a salvação para muitos. “Todos esses que estão aqui chegaram em situação dificílima, vieram carregados, não chegou nenhum aqui com as próprias pernas; todos chegaram aqui em situação de levar 15 dias internado, 20 dias sem dormir, porque o álcool não deixa, a droga não deixa”, comenta. E a alegria de pai Ditão é que, enquanto permanecem sob o lar Santa Gemma, eles permanecem em tratamento.

 

“Eu falo que eu comecei por causa de um porco, por causa de um porco eu fui levar comida na rua”. Logo que entrou para a comunidade da igreja e para o Encontro de Casais em Cristo, em abril de 1997, ele também começou a participar das festas juninas. Houve um momento, na organização de uma festa, que pediram para Ditão buscar limões em uma chácara para dar o toque final da decoração. Quando chegou nessa chácara, ele não pôde conter a tristeza ao ver um porco beirando a morte por falta de comida. Retornou para a comunidade e, quando procurou por alguma lavagem para levar ao animal, recebeu o que havia sobrado da comida que as crianças da pastoral não tinham comido. No sábado seguinte, o procuraram novamente dizendo que havia mais uma lavagem para ele levar,  na verdade, era uma sopa quentinha que havia sobrado. Nessa oportunidade, ao invés de levar ao porco, entregou para pessoas que necessitavam na rua e fez isso sucessivamente, toda semana.

 

Começou a recrutar pessoas próximas para irem com ele distribuir a comida para os necessitados na rua. Num dado momento, inicou o acolhimento daqueles em situação de rua em sua própria casa.  Ditão acolheu estas pessoas em sua casa por seis anos até alugar a primeira residência, em meados de 2003, que logo depois tornou-se oficialmente a Casa Santa Gemma.

 

Atualmente, cerca de dez pessoas ajudam no dia a dia da casa. Todas são voluntárias. A ajuda externa vem de toda a cidade de Uberlândia. “O que as pessoas trazem aqui tem que ser distribuído com eles. É carinho que vem, é muito amor que vem”, fala Ditão.

Além dos trabalhos necessários na casa, há ainda o trabalho das pastorais de rua, que distribuem comidas, oferecem ajuda médica e banho. Logo após a nossa conversa, Ditão já iria para uma das Pastorais da semana, para levar o mínimo de acalento aos que estão pela cidade.

 

 

 

 

 

 

                                                        

“                                                                                Apaixonado pelo que faz, Ditão cuida da Casa Santa Gemma levando consigo sua fé

                                                                                  (Foto: Caroline Bufelli |Agência Conexões)

 

Na comunidade, Ditão também ajuda pessoas carentes. Acompanha cerca de 70 famílias e ajuda a montar casa para outras que não têm condições de construir e mobiliar. “Estou com um monte de contas de água e luz para pedir dinheiro para as pessoas e ajudar quem está no escuro com criança”, diz.

 

Quando questionado do porquê de realizar esse trabalho, ele se lembra de algumas histórias e pessoas que já passaram ou ainda continuam na Casa Santa Gemma. Como a história de um dos moradores da casa, que já vive há nove meses no lar. Desde então, esse homem tem feito de maneira correta os curativos necessários de todas as queimaduras que tem pelo corpo. “Você acha que é de fogo? Não! De ficar no sol, porque ele estava bêbado, embriagado. Agora, pensa o que é você deitar e acordar todo pipocado, todo cheio de bolhas, queimadura de terceiro grau”, lamenta Ditão.

 

Na Casa Santa Gemma Ditão faz o papel de pai. Escuta, auxilia, cuida. E se apega. Quando vão embora, seja para voltar para a rua, para a família ou para seguir a vida, a partida dói no coração de Ditão, pois sob seu teto ele sabe que está tudo bem. Pelo fato da casa não cobrar pelo tempo de permanência, mas  apenas exigir que a pessoa siga as regras estabelecidas pela instituição, eles só deixam a Casa quando querem. Mesmo assim, é inevitável não sentir falta daqueles que partem.

 

Fica então o questionamento: e a estabilidade emocional para ver as tristezas humanas tão de perto? “A estrutura emocional vem de Deus. Se não for Deus, o coração humano não cuida, não. Se você não fizer por dom de buscar isso do alto você não consegue, não”, explica Ditão. Reflete sobre as forças que Deus envia, e ao mesmo tempo pensa nos contrastes da cidade de Uberlândia. Essa cidade que, como ele diz, é cheia dos carrões, com esse tanto de prédio bonito, pouco tem para acolher aqueles que precisam. “Com esse trabalho é possível ver a desigualdade da cidade. Agora que você viu um morador de rua, você vai ver mais, vai reparar muito mais”. Pelos olhos de Ditão, veremos muito mais. Pelos seus olhos, sempre com ternura, acreditando que a filantropia e a generosidade ainda poderão salvar as urgências humanas encontradas pelas ruas das cidades, esquecidas pelas políticas públicas que deveriam, por lei, garantir teto e vida com dignidade a todo cidadão.

 

Agência Conexões
agenciaconexoes@gmail.com
No Comments

Post A Comment