30 ago Entre o branco e o preto
Por Pedro Prado | Foto por Pedro Prado
Pardo. Por definição, mestiço. Pessoa que a ascendência provém da mistura de diversas raças, cuja cor está entre o branco e o preto. Essas foram as palavras que fizeram Isabella Oliveira formar sua concepção de sua própria cor. “Desde que eu me lembro, eu tinha apelidos dentro da minha família, como ‘pretinha’, ‘moreninha’, claro que todos de uma maneira doce. Também tive muito contato com meus avós, que são negros, e por isso nunca me consegui ver como uma pessoa branca”, diz Isabella quando questionada sobre seu processo de construção racial identitário.
No último vestibular realizado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Junho deste ano, foi anunciada pela Diretoria de Processos Seletivos (DIRPS) a organização de uma comissão avaliadora para as autodeclarações de candidatos concorrentes às vagas destinadas à pretos, pardos ou indígenas (PPI), a Comissão para Diversidade Étnica. A tomada desta ação pela DIRPS deu-se em razão do crescente número de denúncias de fraudes de alunos que entraram por cotas de modo indevido, retirando a oportunidade de quem realmente precisava recebê-la.
A banca, nome popular dado à comissão pelos próprios alunos, foi composta por um discente, um docente e um técnico admnistrativo, todos envolvidos em causas ou movimentos de luta por representatividade racial. Para a avaliação, foi requerida uma entrevista individual com os candidatos, a fim de lhes fazerem algumas questões e de visualmente constatarem, por meio de critérios fenotípicos, a etnia declarada pelo candidato no ato da inscrição.
A estudante fez parte dos 22% dos candidatos que tiveram suas autodeclarações não homologadas. Concorrente a uma vaga para o curso de Direito, ela se diz lesada após ter recebido a notícia de sua não homologação. “Até aquele dia [do resultado dos aprovados] eu era totalmente confiante sobre minha cor, mas depois de alguém olhar pra você e não aceitar que você é parda, causa um abalo em todo nosso processo de auto aceitação”, diz Isabella.
Isabella não está sozinha, grande parte da indignação desses estudantes é voltada para a anulação de sua autodeclaração. “Nasci numa família parda e estudei a minha vida toda em escola pública, fatores que me encaixaram na cota pela qual requeri”, diz a estudante. “Mas, uma coisa que eu achei diferente foi a banca ser composta apenas por pessoas negras. Não me vi representada pelos próprios avaliadores, não vi um pardo ali. A banca era pra avaliar negros, pardos e indígenas, para representar essas diversidades”, completa.
O número de autodeclarados negros ou pardos vem aumentando a cada década. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílios (PNAD), realizada e divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente, mais da metade da população brasileira se autodeclara negra ou parda. Para Isabella, isso é um reflexo dos movimentos de luta pela representatividade racial, que vêm ganhando cada vez mais espaço.
“É inevitável dizer que o Brasil é um país muito miscigenado, mais da metade da população é negra ou parda, e acredito piamente que ainda tem muito mais. Parte das que não se autodeclararam sofrem, antes de tudo, o próprio preconceito, [de] não aceitarem a própria cor”, pontua a estudante ao se referir a PNAD. “E se eu não estiver errada, essa atitude de colocar como ponto principal a necessidade da sua autodeclaração ser homologada ou não, faz com que essa questão do auto preconceito seja trazida à tona novamente”, completa.
Contudo, a estudante diz não julgar a atitude da DIRPS, tanto na criação da comissão quanto nos critérios de avaliação, mas coloca que faltou levar essas informações aos candidatos anteriormente. “É um assunto delicado, fui sincera em todo o processo de avaliação, mas pra mim foi uma surpresa. Sinceramente, se eu soubesse disso antes, não teria me inscrito nessa modalidade”, finaliza Isabella.
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