Observatório Luminar
Luminar é um observatório de mídia voltado para o acompanhamento sistemático da cobertura jornalística sobre políticas públicas. Acesse clicando aqui

Escritório de assistência jurídica completa 50 anos de assistência à população

“Eu faço Direito, o que não é um curso muito atrativo. Pensar que existem mulheres que passam por isso [violência] em todos os âmbitos  possíveis, em todas as classes sociais, é um dos únicos fatores que me faz continuar. É o caminho para ajudar essas mulheres de forma efetiva”. 

O depoimento de Mariana Silva Leite, graduanda em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia consegue dimensionar o impacto que os projetos de extensão apresentam no cotidiano das pessoas que estão ligadas. Na série “A UFU no cotidiano de Uberlândia”, a Conexões vem apresentando diversos projetos e ações de extensão promovidos pela Universidade Federal de Uberlândia.  Se você está chegando por aqui agora, vale dar uma olhada no nosso editorial de abertura, no qual explicamos o que é extensão e como ela se desenvolve e transforma, através do ensino e da pesquisa, toda a sociedade na qual uma universidade se insere.

Hoje, apresentamos um projeto que há 50 anos presta serviços gratuitos à comunidade uberlandense: o Escritório de Assessoria Jurídica Popular (ESAJUP). “Desde seu nascimento, na década de 1960, o ESAJUP passou por mudança. Fisicamente, ele deixa de uma salinha pequenininha no último piso inferior do Fórum, para ser um prédio dentro do campus Santa Mônica. Mas também de ter dois ou três professores para ter 15; de 10 a 12 para 80 alunos; de atender às vezes 15 a 20 pessoas no mês para atender 300 ou mais. E ganhou também um caráter regional”, explica Neiva Flávia, atual coordenadora do projeto.



Neiva Flávia, atual coordenadora do ESAJUP | Foto: Cleber Couto

A extensão é uma prática obrigatória nos currículos de cursos superiores de instituições públicas, isso porque ela funciona como uma forma do estudante vivenciar o que aprende em sala de aula. O ESAJUP é também um espaço onde os alunos do curso de Direito podem desenvolver e vivenciar o que aprenderam. Flávia frisa que todos os graduandos do curso precisam cumprir 300 horas de estágio obrigatório e, pelo menos, 100 destas horas devem ser na ESAJUP. E muitos acabam cumprindo mais do que o necessário e ficando por mais tempo. Mariana Silva Leite, é um exemplo. Cursando atualmente o sétimo período do curso, Leite está como voluntária na ESAJUP, no Projeto Todas por Ela, desde 2016. “É uma experiência muito enriquecedora, em vários aspectos. Ver outras realidades que não a nossa mexe muito com a gente, ainda mais que são mulheres, são realidades de outras mulheres que passam por violência. Me fez mudar a forma como trato as pessoas, como faço uma abordagem”, relata. Para além dos conhecimentos da área, a estudante entende a experiência como fomentadora de uma mudança pessoal. “Essa parte social foi a que me mudou. É muito importante a gente ouvir essas mulheres porque, muitas vezes, elas não têm com quem falar. Então nós aqui, sendo um meio jurídico, acabamos sendo um meio de escuta para elas”, observa Mariana.

Hoje o ESAJUP se mantém graças a voluntários que, em sua maioria, são alunos recém formados. Segundo Neiva Flávia, atualmente são mais de 20 advogados voluntários, além de psicólogos, professores e alunos. O bloqueio de 30% sobre as despesas discricionárias, anunciado pelo Ministério da Educação no último dia 30 de abril, pode afetar diretamente os projetos de extensão da UFU. “A extensão, nesta e em todas as universidades brasileiras, tem funcionado fortemente com os recursos discricionários”, explicou à Conexões o Pró-reitor, Hélder Silveira.

“A impressão que eu tenho é que se o corte como foi anunciado se efetivar, nós vamos deixar de existir”, confessa Flávia. Coordenadora do ESAJUP há quatro anos, a professora explica como a redução de orçamento pode atingir o projeto. “Para a manutenção desse prédio nós temos dois servidores terceirizados, uma na recepção para os alunos, e a outra na recepção geral. Se essas duas pessoas, ou uma delas, forem retiradas, eu já fecho porque não tenho ninguém para colocar no lugar. Se o Reitor chegar e falar que tem que tirar alguém, que é um risco que sei que corro, eu vou fechar, ou trabalhar meio expediente, reduzindo tudo o que fazemos.”, lamenta a coordenadora. Mas o impacto não para por aí, Flávia diz ainda que há outros funcionários terceirizados que garantem o desenvolvimento das atividades. “Se retirar o motorista, também terceirizado, e o veículo que é disponibilizado para ir ao Fórum, ou para atender algum chamado, nós deixamos de atender à comunidade externa por não ter condições de ir até o local. Se tirar nossa limpeza, não sei o que fazer, porque diariamente passam mais de 100 pessoas aqui. Se tirar os terceirizados já vou ter um problema radical para funcionar e teremos que cortar em 50% o atendimento”, desabafa.

O pró-reitor de Extensão, Hélder Silveira, em entrevista à Conexões, compartilha a preocupação de Flávia com um possível corte de verbas afetar o escritório. “O ESAJUP é um grande projeto de extensão, que está conosco há décadas e, para fazer o atendimento precisa de servidores terceirizados, de limpeza, de condições mínimas de funcionamento, de bolsistas”, explica Silveira, e continua “esta [a limpeza] e o transporte foram talvez os pontos mais afetados, inclusive quando se pensa em servidores, em função do bloqueio orçamentário, e o ESAJUP sofre, com certeza, com esse bloqueio”.

Flávia relembra que já houve cortes na educação nos últimos anos e, desde essa época, a Faculdade de Direito, a qual o ESAJUP é ligado, já vinha sofrendo. “No primeiro corte, a faculdade abriu mão de transporte para viagem de professor e para viagem de aluno para manter o veículo do ESAJUP. A faculdade já está sendo prejudicada Os alunos não estão podendo mais fazer compromisso de pegar o ônibus para ir para um outro lugar porque já não tem dinheiro. Fora ao que tange os eventos, porque nós temos muitos eventos que trazemos gente de fora,  eventos abertos para a comunidade, para formar os nossos alunos, temos apostila que a gente faz para levar para as escolas. Se não tiver verba, mais nada disso vai existir”, explica.

Histórico

O Escritório de Assessoria Jurídica Popular foi inaugurado em 1 de setembro de 1969, como um modo de assistência judiciária no qual o interessado levava sua demanda,  o estagiário fazia o processo e protocolava e acabou. Para Neiva Flávia, esse era o olhar da época, de assistencialismo, que foi reforçado pelos anos da Ditadura Militar, quando existia essa ideia de que as pessoas não eram capazes de entender seus direitos. Isso muda na década de 1990 com a redemocratização do Brasil e passa-se a usar o termo assessoria. Agora, as pessoas precisavam e deviam saber quais são os seus direitos e participarem da solução. Segundo Flávia, “o ESAJUP vai ser repaginado nos anos 2000, na reforma do projeto pedagógico e ganha essa cor. Mesmo no contencioso as pessoas são camadas, elas ouvem e decidem se querem aquilo mesmo”, reconhece. 

O ESAJUP fica localizado no campus Santa Mônica e possui um prédio próprio no bloco 5V. Com uma porta de entrada dentro da universidade e outra porta de entrada voltada para a rua. De tal modo, acredita Flávia, o escritório se afirma como um espaço público, voltado para toda a comunidade uberlandense.


Os processos são divididos entre “conciliação” onde são feitos, em média, oito acordos semanais e o “contencioso”, aqueles que exigem solução judicial, que atualmente possui uma média de 800 processos em tramitação. Além da assessoria coletiva, que atende pessoas em situação de moradia irregular, dentro do ESAJUP há diversos projetos que trabalham com temáticas mais específicas, como o projeto Somos destinado à comunidade LGBTQ+; o projeto Todas por Ela, que atende mulheres vítimas de violência; o Acolhidas, voltado o combate ao assédio sexual institucional, na UFU ou em outras instituições públicas; o projeto Livres, destinado às famílias de ex-encarcerados; a Clínica de Enfrentamento ao Trabalho Escravo, que tem o objetivo de mapear as denúncias de trabalho escravo e trabalhar junto ao Ministério Público do Trabalho; a Ajesir, projeto que trabalha na assessoria para estrangeiros;  o projeto de assessoria jurídica étnico racial, que trabalha com crimes de racismo, injúria racial, e na defesa de direitos coletivos e no reconhecimento e titulação de territórios de Comunidades Remanescente de Quilombos; o Ligare, que atua na conscientização empresarial; e a Magna Empresa Júnior, que oferece assessoramento jurídico a pequenos negócios.

Flávia reafirma que o ESAJUP é uma conquista dos estudantes, é uma conquista dos professores e da comunidade. “A comunidade interferiu muito, os movimentos sociais que vêm participar dos debates, movimento LGBT, movimentos negros, movimentos da Terra e pelo  campo. “A gente consegue catalisar essa força bacana das pessoas que querem transformar o mundo”, explica. O projeto é extensionista em sua raiz. Ela realça que os projetos são todos de assessoria no sentido de “ a gente não quer resolver ‘por’, a gente que resolver ‘com’”, conclui.

Jhyenne Gomes
jhyennegomes@gmail.com
No Comments

Post A Comment