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Especialistas apontam fragilidades na política ambiental do governo Zema

No dia 22 de abril, o Governador de Minas Gerais, Romeu Zema, visitou Uberlândia para cumprir dois compromissos que revelam uma contradição na política ambiental do estado. Primeiro, ele anunciou benefícios fiscais à companhia de reciclagem – Revalor Reciclagem e Embalagens, Indústria e Comércio – que tem sede em Uberlândia. O anúncio se deu pelo fato de que, antes da iniciativa do governo, produzir plástico era mais barato do que comprá-lo reutilizado, sendo, dessa forma, prejudicial ao meio ambiente e aos próprios catadores. 

Na sequência, o Governador visitou a empresa de produtos de limpeza Start Química e anunciou a construção de uma nova planta, o que permitirá um aumento da produção em 50%. Segundo o G1 Uberlândia, a nova planta será responsável por gerar cerca de 120 a 150 empregos diretos e contará com um investimento de R$150 milhões na primeira etapa da obra.

A presença de uma lógica de lucro dentro de uma agenda ambiental, é o que alguns especialistas chamam de “capitalismo verde”, como é o caso do ativista ecossocialista Wallace Alves, que vê a iniciativa como a perpetuação de uma contradição do ponto de vista ambiental. Wallace explica que, ao focar no lucro, o Governo não investe de fato no que importa: a conservação. “É dar com uma mão e tirar com a outra”, conta. Além disso, segundo ele, a Start Química faz parte do mesmo grupo empresarial da companhia de reciclagem beneficiada, ou seja, parte dos resíduos a serem reciclados é a própria empresa que gera em seus parques industriais.

É válido também ressaltar que essa não é uma política especificamente do Governador Zema, na verdade se trata da Lei 12.305, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, sancionada em 2010. A lei tem o objetivo de organizar a forma como o país lida com seus resíduos, exigindo transparência no seu gerenciamento e integrando poder público, iniciativa privada e a sociedade civil. Além de incentivar o cuidado ao Meio Ambiente, essa política visa uma garantia de soberania e emancipação financeira e econômica para os catadores que, depois de separar os resíduos, fazem a revenda.

Nesse sentido, Wallace aponta também outra contradição: “Não foi anunciado nenhum tipo de política exclusivamente para essa classe, que é mais vulnerável socialmente e que realmente faz uma diferença ambiental ao impedir que esse lixo não vá parar nos rios, dispersados em ruas ou florestas. A gente vê um investimento vindo diretamente para a cadeia industrial, mas indiretamente para eles, apenas na lógica da oferta e demanda”. De acordo com a Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alumínio (Abralatas), no último ano, o Brasil obteve um índice de reciclagem de cerca de 97,4%, o que o coloca como um dos principais líderes mundiais em reciclagem. Entretanto, essa realidade não se dá por políticas públicas desenvolvidas com essa finalidade, e sim porque há uma necessidade econômica dos mais necessitados.

Segundo o professor de Legislação Ambiental, Karlos Alves, o Brasil poderia assumir uma posição de liderança mundial quando se trata do meio ambiente, não somente devido ao fato de ser um país pioneiro nos rankings de reciclagem, mas pela sua enorme diversidade genética e biológica. “O mundo quer investir em nós, mas essa visão desenvolvimentista que coloca o ambiente em um plano secundário é o que faz com que vários países deixem de comprar produtos brasileiros”, explica. Para ele, por conta de uma “pseudo proteção” do meio ambiente, o Brasil perde investimentos e credibilidade, não sendo mais levado a sério em um cenário mundial.

Em um contexto de desmatamento e cobranças internacionais, uma política ambiental pautada em oferecer auxílios a determinadas empresas não se mostra suficiente dentro da realidade brasileira. De acordo com Wallace, o projeto de Zema é, na verdade, a execução tímida de uma política pública que está há dez anos colocada em xeque. “Realmente é uma política que faz o mínimo, e esse mínimo tem que estar atrelado ao lucro, ou seja, não garante qualquer perspectiva de futuro de conservação ambiental real. A gente aposta em medidas que atrasam o caos, mas que não o evitam”, diz.

Apesar da geração de empregos, capital e dividendos, o investimento de R$150 milhões em uma companhia privada, para Karlos, não parece cobrir a perda de diversidade biológica pela qual o estado vai passar com a construção de uma nova planta. O professor acredita que a escolha do Governador se dá devido a uma mentalidade unidirecional em que a proteção do meio ambiente se opõe ao desenvolvimento. “O Governo podia, ao invés de conceder benefícios fiscais a uma empresa, criar uma política de reciclagem de verdade que contemple de A a Z setores mais pobres da sociedade”, sugere.

Em níveis de políticas públicas, Karlos defende que haja um alinhamento de diretrizes nacionais, estaduais e municipais para a criação de planos ambientais como coletas seletivas em casa, implementação de políticas ambientais nas escolas, conscientização da população e a reordenação do espaço municipal. Segundo o docente, em Uberlândia, há vazios demográficos dentro da cidade que precisam ser resolvidos, pois são responsáveis por problemas no sistema de distribuição de água, na saúde e até mesmo no transporte coletivo. Somado a isso, há também a questão dos espaços verdes coletivos, que cada vez menos se fazem presentes dentro da cidade.

Outra grande preocupação de Karlos – que já se mostra um problema real – é a água. Recentemente, a Agência Nacional de Energia Elétrica anunciou que será cobrada uma taxa adicional de R$6,20 para cada 100 KWh, isso ocorre porque usinas térmicas de geração de energia tiveram de ser ligadas, já que as hidrelétricas se encontram em uma situação arriscada. Uma nota de alerta de emergência hídrica foi assinada pelo Ministério da Agricultura, e a crise poderá afetar os estados do Paraná, Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul.

Para o professor Karlos, uma série de questões sobre o assunto deveriam ser levantadas pelo Governo, como a recuperação de mananciais e a preservação de matas ciliares. Segundo ele, para resolvermos os problemas ambientais pelos quais o país tem passado, é preciso entender que nossas ações afetam o mundo todo e não é com essa política imediatista da “não política ambiental” do “anti” ministro do Meio Ambiente que esses problemas serão solucionados.

Anna Júlia Lopes
annajulialrodrigues@gmail.com
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