23 set “Eu vejo futuro nas nossas próximas gerações”
Fui recebida com alegria por Natália de Andrade Nunes, 30 anos, de forma virtual, na sala de sua casa. A professora de ciências biológicas estava acompanhada de sua pequena de três anos, que, com muita energia, vez ou outra tentava interagir e participar da conversa.
Em 2020, pouco tempo antes de começar a pandemia do novo coronavírus, Nunes começou a trabalhar na escola em que leciona atualmente no ensino fundamental II – sexto ao nono ano – na rede particular, o que a levou a experienciar uma rotina desafiadora. Anteriormente, a professora e seu marido trabalhavam fora, Diana estava matriculada na escolinha, e a família contava com uma diarista para cuidar da limpeza da casa. Porém, com o novo cenário, a funcionária foi dispensada, Diana saiu da escolinha e ambos começaram a trabalhar de forma remota.
“No início foi muito difícil, meus alunos são pré-adolescentes e estão naquela fase de rebeldia, eu precisava preparar materiais que deixassem tudo mais dinâmico. Trabalhei bem mais do que de forma presencial”, relata. Natália avalia que a adaptação foi desafiadora. “Sou professora de ciências, então eu dava aulas de campo, aulas de laboratório. Foi horrível, até que eu dei uma respirada, conversei com a coordenação e diminui o ritmo, tanto para mim quanto para os meninos, porque estávamos todos muito cansados de ficar tanto tempo em tela”, recorda a bióloga sobre sua experiência como educadora em sala de aula.
A professora também precisou lidar com contratempos tecnológicos e teve orientações para ser mais flexível com os alunos, principalmente com os do sexto ano, que muitas vezes precisavam de auxílio dos pais para realizarem suas atividades. “Às vezes os pais estavam tão sobrecarregados quanto nós, então eles não tinham tempo ou muita paciência para ajudar os filhos. Por isso, foi pedido que a gente pegasse leve”, conta.
Apesar das dificuldades e do sentimento de desgosto por essa situação, Nunes confessa ser apaixonada pela educação. “Eu gosto muito [de dar aulas] e acredito que para realizarmos mudanças importantes na sociedade, não tem outro caminho, a não ser pela educação”, sintetiza.
Em casa, a professora também passou por mudanças. No ano passado, sempre que possível ela e seu marido revezavam os cuidados com a filha para que conseguissem trabalhar, mas nem sempre os horários batiam. A professora conta que, no começo, Diana não compreendia os pais estarem em casa e não ficarem sempre com ela. “Ela fez dois e três anos na pandemia, por ser uma criança muito pequena, ela simplesmente não entendia. ‘Minha mãe e meu pai estão aqui, eu quero atenção e ponto final’. Então, não tinha muito o que fazer. Agora ela já está no processo de entender que, durante um período, vamos trabalhar”, explica.
A mãe da pequena conta que o tempo máximo dela ficar “sozinha”, brincando ou vendo algum desenho é de 40 minutos a uma hora e que, depois disso, sua tolerância acaba, então ela começa a querer atenção, mexer e subir nas coisas, e até “assistir” suas aulas, porém sem muita paciência. “Uma vez meu marido precisou resolver presencialmente uma questão de trabalho, ela foi para a sala e subiu no meu colo. Fiquei a manhã inteira dando aula com ela. Meus alunos conhecem minha filha, mas ela não tem muita tolerância de me ver dando aulas em casa ao invés de dar atenção para ela”, analisa.
Em relação aos afazeres de casa, Nunes conta que utilizava o tempo em que Diana estava dormindo para realizar algumas tarefas, mas que não teve problemas, uma vez que não colocava essa questão como prioridade. “[Eu pensava] hoje deu, hoje não deu e tá tudo bem”, diz. Porém, houve outros momentos em que a interseção da vida pessoal com a profissional, causaram muito estresse. “Em março, um dos meus gatos adoeceu, eu não dirigia e precisava ir ao veterinário direto, então pegava uber. Eu estava trabalhando, olhando criança e cuidando do gato. Ele faleceu e, poucos dias antes disso acontecer, eu estava dando aula, meu marido não estava em casa e a Diana estava impossível. Ele [o gato] não estava nada bem, durante o intervalo eu o mediquei, quando terminou a aula, ele parecia estar desmaiado. Foi desesperador, eu pensei que não ia dar conta”, relembra.
No meio deste ano, com a vacinação acontecendo, a escola em que a bióloga trabalha, começou a dar aulas em formato híbrido e, antes de retornarem, foi necessário que os professores fizessem alguns testes, levando Nunes a sair de casa. “Foi quando precisei acionar minha rede de apoio e contratei uma babá para ficar alguns dias da semana com a Diana”, diz. Sobre o formato híbrido, a professora demonstra desaprovação, uma vez que observa em seus alunos muita desmotivação com esse modelo, além de alguns problemas técnicos que atrapalham o aprendizado dos mesmos. “Se eu pudesse escolher, ou seria tudo online, ou tudo presencial”, aponta.
Ao ser questionada sobre o poder da educação, pensando nos princípios de Paulo Freire – homenageado pela Conexões essa semana – e o que ela diria para mães professoras que estão vivendo uma experiência parecida, Nunes diz: “Para as mães: não se culpe, nós estamos fazendo o nosso melhor pelos nossos alunos. Para os pais, eu digo: nós temos que dar muito valor à educação como um todo e ao que ela proporciona, porque se nós estamos nesse buraco de pandemia é porque a gente ainda não teve uma educação transformadora de verdade, porque, se a gente conseguisse implementar o que Paulo Freire acreditava, esse país estava diferente”, diz. Ela também pontua sobre a importância da empatia: “Não julgue, houve professores que precisaram colocar filho em forma presencial quando voltou, mas não cabe a nós julgar o que está errado e o que está certo”, conclui.
Em relação às expectativas para o futuro, a professora confessa: “Quando eu olho para alguns alunos, meus olhos brilham, eu vejo futuro nas nossas próximas gerações”, diz. Para finalizar, questionei a bióloga sobre como ela aproveita seu tempo de lazer em família e sozinha quando não está envolvida com as questões profissionais e maternas. “Para aproveitar a família, nós vamos ao parquinho do condomínio. Agora, quando estou sozinha, eu aproveito indo ao mercado, é momento que eu consigo escutar meus pensamentos”, confessa com bom humor.
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