28 maio Falta de investimentos prejudica produção científica brasileira
Por Anna Júlia Alves e Mariana Palermo
“Se um povo decide ir às ruas em protesto em plena pandemia, é porque o seu governo é mais perigoso que o próprio vírus”
As universidades de todo o país estão se organizando para que ocorra uma passeata amanhã, dia 29 de maio, em defesa do ensino público superior. A motivação por trás dos protestos foram os cortes orçamentários aprovados pelo Congresso Nacional. Somado a isso, estudantes de pós-graduação residentes em saúde de todo o Brasil, também, anunciaram que amanhã estarão de greve devido aos constantes atrasos das bolsas e falta de condições para o exercício do trabalho. A ANPG (Associação Nacional dos Pós-Graduandos) se manifestou em defesa ao movimento: “Não podemos permitir que os princípios constitucionais e da reforma sanitária brasileira sejam perdidos”, esclareceu em nota de apoio.
Para Flávio Freitas, mestrando e representante discente no colegiado do PPGEL (Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), o cenário atual “é profundamente desincentivadora a falta de investimentos. Pouquíssimos pesquisadores têm a ambição de se formar um mestre ou doutor e permanecer no país. A grande maioria dos mestrandos e doutorandos pensam em um futuro fora do Brasil”. O relato de Flávio revela o sentimento de angústia e desmotivação que enfrentam os pesquisadores brasileiros em seguirem com suas produções científicas no país. Apesar da grande repercussão do Projeto de Lei Orçamentária Anual 2021, que reduz a verba destinada às instituições de ensino superior em mais de R$ 1 bilhão, as dificuldades pelas quais o futuro da ciência tem passado não são recentes: as bolsas de pós-graduação não passam por reajustes há mais de sete anos.
A falta de reajuste causa impacto na ciência como um todo, pois inviabiliza o investimento do aluno na pesquisa e a sua participação em congressos e simpósios de âmbito nacional e internacional, que, geralmente, apresentam custos relacionados à inscrição e ao deslocamento. Além de interferir no desenvolvimento científico, a vida pessoal do pesquisador também é comprometida. “É complicado para o bolsista porque tudo tem reajuste: a inflação, os gastos com supermercado, aluguel e com a nossa sobrevivência, de maneira geral. E a bolsa não sobe para acompanhar esse valor”, diz Isabella Peixoto, também mestranda do PPGEL.
Em entrevista para a Conexões, o pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da UFU, professor Carlos Henrique de Carvalho, explica que um reajuste nos valores da bolsa de pós-graduação “vai exigir um aporte adicional de orçamento. Isso está sendo discutido pela ANPG”.
Sobre essa discussão, a presidente da associação, Flávia Calé, diz terem elaborado o Plano Emergencial Anísio Teixeira, a fim de prorrogar por um ano a bolsa dos pós-graduandos sem que isso impedisse que novos pesquisadores entrassem e, dentro desse plano, tratavam também da criação de mil bolsas de pós-doutorado. Porém, a Capes aceitou a prorrogação por apenas seis meses, a CNPq, por dois meses e recusou a criação das bolsas, devido a redução de orçamento no Ministério da Ciência e da Tecnologia. “Fizemos essa emenda, mas essa discussão do orçamento foi muito complexa e deixou as áreas estratégicas do Brasil a ver navios”, lamenta ela. “Na minha impressão é deliberadamente uma tentativa de extinguir o CNPq”, resume.
Flávia Calé acredita que a batalha por reajustes na bolsa de pós-graduação é uma luta da ANPG, porém com o cenário político e econômico que nos encontramos, não é a prioridade agora. “Em 2018, a nossa principal agenda era o reajuste, mas com os cortes de bolsa, a nossa batalha passou a ser pela existência das bolsas”, relembra.
Somado aos baixos valores das bolsas, há também a falta de direitos trabalhistas para os pesquisadores como fator agravante da situação precária da ciência no país, comprometendo a sua seriedade, já que, a partir do momento em que não se aposta na pesquisa como um trabalho, as pessoas não julgam aquilo como algo responsável. Apesar de, constitucionalmente, a pesquisa não ser considerada um trabalho, ela necessita de prazos, cobranças – pois para manter a bolsa, é necessário produzir — e exige do estudante que ele não tenha vínculo empregatício como em qualquer ocupação formalizada. Segundo Flávio, esse é um debate conflituoso: “E se todos os demais trabalhadores têm direito a décimo terceiro, FGTS e direitos adquiridos, então, por que o pesquisador não tem?”, questiona o mestrando. Essa condição de cobranças exageradas e pouco retorno financeiro é desanimadora para os recém-formados, que acabam por não se inscrever nos editais. De acordo com o CNPq, a instituição suspendeu, em agosto de 2020, 4,5 mil bolsas que não estavam sendo usadas.
Além da falta de direitos dos bolsistas, o período que é dedicado para a pesquisa não conta como tempo de trabalho na carteira, não valendo para sua experiência profissional em nível de mercado. Para a mestranda em engenharia bioquímica do PPGEQ (Programa de Pós-Graduação em Engenharia Química) da UFU, Serena Malta, as políticas públicas deveriam pensar em um retorno para os alunos além da valorização acadêmica. “Pensar que você termina uma pós-graduação com média de 27 anos e não tem nem tempo na sua carteira ainda, e imaginar o tempo que falta para trabalhar, se aposentar e ter uma qualidade de vida é desesperador”, avalia.
Consequências para a produção científica do país
Com a desvalorização do profissional cientista no país, temos como consequência a migração em massa desses profissionais, especializados e dotados de alto conhecimento em seu campo profissional, para outros países devido às poucas oportunidades que o Brasil oferece e em busca de centros laboratoriais mais desenvolvidos.
Serena conta que já teve duas colegas que optaram por continuar a pesquisa no exterior. Segundo ela, “trabalhar para melhorar o país” pode ser desgastante. A desvalorização e falta de reconhecimento fazem muitos estudantes repensarem a sua estadia no Brasil e se questionarem se vale a pena continuar com todo o trabalho árduo que é o processo da pesquisa sem nem ao menos receber o devido crédito. Esse fenômeno, conhecido pela expressão “fuga de cérebros”, se caracteriza pela migração em massa de profissionais atraídos por trabalhos estrangeiros com melhor remuneração, tecnologias mais avançadas e oportunidades de desenvolvimento em pesquisas. Os Estados Unidos, por exemplo, é um país referência em captar esses “cérebros”, a fim de desenvolver novas tecnologias que possam ser patenteadas por norte-americanos e, assim, acumular um grande monopólio em vários segmentos.
Não há dados oficiais sobre essa fuga de jovens doutores deixando o país, pois o fazem com bolsas das universidades ou centro de pesquisas do exterior, e não através das instituições brasileiras como a Capes ou o CNPq. Porém, a Receita Federal registrou que o número de brasileiros que pediram a saída definitiva do país, que foi de 8.170 em 2011, saltou para 23.271 em 2018 e, em 2019, foi de 22.549, um crescimento de 184% em relação a 2011.
Em conversa com a presidente da ANPG, Flávia Calé diz que é difícil fazer essa contabilidade de pesquisadores que deixam o país para oportunidades melhores no exterior, por isso não possuem um número exato. No entanto, a pós-graduanda lamenta o cancelamento do Programa Nacional de Pós-Doutorados (PNPD) em 2020, pois acredita que o programa auxiliava na permanência desses pesquisadores no Brasil. “Em 2020 foi extinto o PNPD, que contribuía na fixação desses pesquisadores, por que eles chegaram no topo da formação do cientista e que encontram no mercado de trabalho o acolhimento, o emprego”, explicou ela.
Flávia acredita que o cancelamento do programa fortalece a “fuga de cérebros” no país, pois os jovens doutores se encontram sem perspectiva e o programa era uma alternativa de empregabilidade.“O dado que se veicula é o aumento do número de bolsas de mestrado e doutorado, mas a custa do que? A custo de tirar um programa fundamental de pós-doutores, de absorção e retenção dos cérebros no brasil”, opina.
Essa saída em massa de pesquisadores se deve, principalmente, à falta de investimento e incentivo na ciência e na educação no país. Aprovado pelo Congresso em dezembro do ano passado, o orçamento para 2021, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) perdeu 34% de sua verba anual. “É muito complicado a gente pensar que vive num momento em que a ciência é a última coisa a ser pensada. Se sobrar dinheiro, a gente investe em ciência”, compartilha Isabella.
Já para o país que perde tais “cérebros”, como é o caso do Brasil, há grandes desvantagens, pois perde-se um grande potencial de inovação desenvolvido pelos seus e passa a comprar de outra nação. Isso prejudica o desenvolvimento da economia do país e causa uma carência desses profissionais, que poderiam contribuir para o seu crescimento fazendo um ótimo uso do conhecimento adquirido aqui.
As desvantagens não param por aí. Para a sociedade, a perda desses profissionais prejudica também no desenvolvimento de pesquisas que contribuem com a melhoria em diversos âmbitos: social, educacional, saúde, tecnologia, etc, como a produção de vacinas, das quais estamos ouvindo tanto falar nesse período de pandemia. Portanto, o Brasil precisa, não somente de mais investimentos e incentivo, mas também saber compartilhar com a comunidade o que está sendo construído dentro da universidade. “A divulgação científica é importante: não basta fazer ciência, é preciso divulgar. A partir do momento em que se é divulgado, a sociedade começa a ter uma noção do que está sendo feito, pois ela está muito distante da ciência e das pesquisas.”, comenta Flávio Freitas.
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