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“Há dois meses eu acabei perdendo o meu pai nessa briga com as drogas”

Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro sancionou uma nova lei, aprovada pelo Congresso, que permite a internação involuntária de dependentes químicos. Isso significa que o dependente pode ser internado sem seu consentimento e sem aprovação judicial.

De acordo com a nova lei, a internação involuntária só poderá ser feita em unidades de saúde e hospitais gerais. O pedido para a internação do dependente químico pode ser feito por um membro da família ou responsável legal, caso não possua nenhum dos dois, a solicitação deve ser feita por um servidor da área da saúde, assistência social ou de órgãos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), com exceção da segurança pública.

Já a internação voluntária fica a cargo da aprovação de um médico e terá prazo máximo de 90 dias, tempo necessário para desintoxicação.

Antes da aprovação dessa lei, a internação involuntária era realizada de maneira ilegal por clínicas particulares. Muitas famílias, sem saber o que fazer com o ente querido acabavam procurando por essa via. Foi o caso do empresário Marcelo Dias que internou seu pai, Aparecido Dias, duas vezes em uma dessas clínicas.

Quando criança, Marcelo não desconfiava dos problemas com drogas que seu pai possuía, ele sabia, no entanto, que o pai consumia muito álcool. “Eu não entendia, por ser muito pequeno, que ele também tinha essa dependência de drogas, eu descobri isso quando eu tinha 17 para 18 anos”, relembra. Ele ainda conta que foi difícil assimilar essa ideia, visto que ele enxergava o pai como um herói. “Meu mundo desabou quando eu descobri”, desabafa.

Aparecido começou a usar drogas ilícitas com aproximadamente 17 anos de idade, ele foi casado por 15 anos com a mãe de Marcelo, mas devido aos problemas gerados pelo consumo abusivo de álcool e drogas, o casamento se desgastou e ela pediu o divórcio. Segundo Marcelo, a separação o deixou psicologicamente vulnerável e abriu as portas para um consumo ainda maior dessas substâncias.

Mesmo assim, Aparecido engatou outro relacionamento e teve mais um filho, mas devido às mesmas motivações da primeira esposa, o relacionamento terminou. Após essas duas frustrações, o pai começou a ter uma mudança de comportamento, se tornando uma pessoa mais agressiva e violenta.  

Marcelo relata que o pai, por vezes, chegava em casa machucado devido a brigas com amigos ou que acabava se ferindo sozinho. E que também, gritava e discutia com os vizinhos, até chegar ao ponto de ameaçá-los com um facão. Embora a família e amigos sofressem, ninguém quis se envolver. Foi quando Marcelo resolveu tomar partido na situação. “Quando eu vi ele no fundo do poço, eu me vi na obrigação de ajudá-lo”, conta.

O filho sugeriu ao pai que se internasse em uma clínica de reabilitação, mas Aparecido se negava, por acreditar que não precisava de tratamento. “O problema da maioria dos dependentes é que eles acham que não têm nenhum problema. Isso dificulta muita na hora de uma intervenção”, opina Marcelo.

A situação do pai era muito complicada e Marcelo diz que chegou ao limite, em que  só viu a internação involuntária como opção. Aparecido chegava a gastar mais de dois mil reais por mês para sustentar o seu vício. Marcelo conta que o pai só não vendia os móveis da casa por receber um salário que era suficiente para gastar com as bebidas e drogas.

“Se você me perguntar se eu acho que [a internação involuntária] é a melhor opção, eu acho que não, porque o primeiro passo para qualquer recuperação é da pessoa. Mas tem casos que pelo uso excessivo de drogas, a pessoa já não responde mais por ela. Era o caso do meu pai. Eu fiz a melhor escolha”, opina o empresário.

No início, Aparecido sentia muita raiva do filho, se revoltava com a situação que Marcelo lhe impôs. Na clínica, ele aprendeu sobre os doze passos dos alcóolatras anônimos e se tornou uma pessoa mais religiosa. Ele passou um ano na reabilitação e, segundo Marcelo, ficou grato pela internação, disse que sozinho não teria tomado essa atitude. Ele passou muito tempo sem consumir álcool e drogas, no entanto, Aparecido teve uma recaída e Marcelo teve de interná-lo mais uma vez. Após um ano, o pai saiu novamente da clínica, mas um acontecimento o abalou de tal forma que ele procurou de novo refúgio nas drogas: a morte do avô de Marcelo.

“Em abril desse ano, eu estava me programando para fazer uma terceira internação, só que dessa vez voluntária, mas infelizmente a gente perdeu essa briga para as drogas e álcool e ele acabou vindo a falecer”, relata o filho. Aparecido teve um ataque cardíaco. Ele possuía uma complicação de cirrose muito avançada devido ao uso excessivo de narcóticos.

“Eu acho muito interessante. Muito válido que as famílias tenham esse apoio do governo e esse respaldo para que elas possam fazer essa intervenção e se sintam mais seguros sabendo que a lei os protege. Sou totalmente a favor, independente da minha posição política. É muito importante esse tipo de lei sancionada”, opina Marcelo sobre a nova lei que permite a internação involuntária de dependentes químicos.

O empresário ressalta que a internação involuntária não é feita pela família para fazer o parente sofrer, mas pelo contrário, é um gesto de amor e uma tentativa de salvamento. “É importante a gente não desistir, por mais difícil que seja eu acho que no final sempre vale a pena. Eu tenho uma frase que é assim: ‘Eu nunca perco. Ou eu ganho ou eu aprendo algo’”, finaliza.

*Os nomes do entrevistado e de seu pai foram preservados para a realização desse perfil.

Vanessa Gianotti
vanessagianotti.jor@gmail.com
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