Observatório Luminar
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Há muito a se temer

Ligo o chuveiro, o banho dura exatamente duas músicas, aquelas da lista de reprodução mais animada, é preciso entrar no clima do que vai acontecer mais tarde. Cabelo, ombro, joelho e pé, parece música daquela rainha dos baixinhos, mas são só partes do corpo, dentre outras, que são ensaboadas. O look já foi escolhido, camisa jeans e calça bege. Dentes e cabelos escovados, perfume para dar um aroma, Snap enviado. Tudo pronto para uma noite na balada.

A fila é grande, vai dar superlotação, mas a diversão é certa. Entro e já vou mexendo o quadril: “é dia de funk, bebê”. O DJ esta inspirado hoje, parece ter pegado a minha lista de reprodução animada, aquela do banho. Dentre músicas, cantoria, troca de olhares, alguns beijos e dor nas pernas (descer até o chão causa isso), chega o fim da noite e vou embora. Tomo banho ao chegar em casa, como o resto daquela pizza na geladeira e me deito.

Essa foi uma noite de um jovem qualquer, mas infelizmente não foi a mesma realidade de 50 pessoas em Orlando que morreram baleadas em uma boate LGBT. “Ah, mas já faz tempo, outras tragédias já aconteceram”. Sim, aquele ditado: “depois da tempestade vem a calmaria” não se aplica muito na vida real, então desastres irão continuar acontecendo constantemente. E nisso um acaba abafando o outro, aqueles vão sendo esquecidos por esses novos. Porém ainda precisamos conversar sobre Orlando, muito mais do que isso, precisamos conversar sobre os gays que são acertados por lâmpadas na cabeça, por lésbicas sendo expulsa de casas, sobre pessoas trans e travestis sendo ridicularizadas diariamente.

Parada LGBT do Rio de Janeiro vem para dar visibilidade ao público. (Foto: Clarice Castro/GERJ)

Numa lista de ministros do Governo Federal onde não há negros e nem mulheres, pessoas LGBT parecem nem passar na porta. Temer já extinguiu o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, traduzindo: retrocesso. Falar sobre minorias parece não interessar o presidente interino.

Sobre o atentado em Orlando, Temer declarou em seu Twitter: “Quero lamentar enormemente a tragédia nos Estados Unidos que vitimou dezenas de norte-americanos. Expresso a solidariedade brasileira às famílias das vítimas desse atentado”. Me comove as palavras? Nem um pouco. Percebe-se que em nenhum momento foi citado quem era essas pessoas, que isso foi um crime de LGBTfobia. De fato, o Twitter é egoísta em caracteres, mas pelo que eu saiba não existe limite de publicações nessa rede social, além que existem outros meios mais generosos com letras e palavras.

O projeto de Lei 6583/2013 (Estatuto da Família), atualmente parado na Câmara dos Deputados, que tem como finalidade definir família apenas como união entre homem e uma mulher, a famosa família “bela, recatada e do lar”, ganha força no cenário político atual. O que pisa em alguns direitos já adquiridos anteriormente, como a união civil entre casais homossexuais, já aprovado em 2011 pelo Supremo Tribunal Federal.

A cartilha “Escola sem homofobia” deve estar perdida no quartinho dos fundos, colocar novamente no meio da sala parece não estar nos planos do presidente interino. Nome social? Arrisco a afirmar que Temer nem deve saber o que é isso. LGBTfobia como crime: hoje não.

De fato, Temer não parece interessado em novas políticas públicas voltadas ao público LGBT, e as já existentes estão sendo ignoradas. Desta forma, atentados como o de Orlando estão vulneráveis a acontecer em boate LGBT de qualquer cidade, lâmpadas continuarão a ser arremessadas, o número de lésbicas desabrigadas irá crescer exponencialmente, piadas contra pessoas trans serão ainda mais constantes.

Enquanto o governo não toma as devidas previdências, continuo indo para o baile, porém não só com medo de tocar música remixada, mas também de virar mais um número de mortos por LGBTfobia. Alguém avisa para o Temer que aquele ditado lá em cima de fato não vale, mas “melhor prevenir do que remediar”, me parece válido ainda.

Ygor Rodrigues
ygorodrigs@gmail.com
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