11 jun Liberdade de imprensa, por que eu preciso disso?
Na última segunda-feira, 7, foi comemorado o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa. Resultado da reunião de dezenas de jornalistas nos anos 70 que exigiam o fim da censura e instauração da imprensa livre no Brasil, a data marca a comemoração de um importante direito do jornalista: fazer circular livremente as informações, algo inerente à democracia. Há cerca de quatro anos, eu entrava pelos portões da Universidade Federal de Uberlândia, e meus olhos brilhavam diante da área de comunicação, que fazia morada em mim desde quando me entendi por gente. Por volta dessa época, em 2018, no início da faculdade, passei por uma ONG que acolhia crianças em vulnerabilidade social e tornei público esse setor essencial, divulguei o trabalho de cineastas locais e, hoje, discuto e divulgo informações que perpassam assuntos como: sexualidade, xenofobia, femininos e violência contra a mulher. Sem a livre circulação de ideias e informações, nada disso seria possível.
Mas, afinal, liberdade de imprensa, para quê serve isso?
Tudo o que acontece no mundo é fato, e notícias são fatos. Mas nem todo fato pode virar uma matéria jornalística. Se, por exemplo, você atravessa a rua em uma fatídica manhã de segunda-feira e é quase atropelado, você não vira notícia. Mas se for de fato atropelado e tiver um acidente grave, aquele infeliz dia pode estar estampado nos noticiários da sua cidade. Isso tudo tem relação com grau de noticiabilidade e interesse público, e o que vira notícia não tem a ver apenas com acidentes envolvidos, mas sim, com uma série de outros fatores. Para o pesquisador Mauro Wolf, esses fatores se relacionam com o valor-notícia, ferramenta que define “quais os acontecimentos que são considerados suficientemente interessantes, significativos e relevantes para serem transformados em notícia”. Resumindo: para virar notícia, muitas pessoas, veículos, cidades e países podem estar envolvidos.
Durante o período ditatorial, um fator de noticiabilidade era mais forte que todos os outros: a lei No 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, instaurada para regular a liberdade de manifestação do pensamento e de informação. Assim, a lei institucionalizou a censura de veículos que se opunham ao regime militar. Desde a Constituição de 88, a Lei passa por reformulações que tornaram possível que a liberdade de imprensa fosse atingida, incluindo artigos que garantiam que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. No entanto, 33 anos depois, os veículos de comunicação ainda sofrem ataques em todas partes do país.
Segundo levantamento da ONG Repórteres Sem Fronteiras divulgado em janeiro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro e os filhos políticos fizeram, juntos, o chocante número de 469 ataques a jornalistas e veículos de imprensa em 2020. Além disso, em 2021, a edição do “Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa”, organizada pela ONG, mostrou que o Brasil foi rebaixado para a “zona vermelha” de classificação, o que demonstra a dificuldade do trabalho da mídia em determinada localidade. Se lá, em 2018, entrando pelos portões da universidade estava calejada de ouvir que “qualquer um pode ser jornalista, mesmo sem diploma”, hoje, me vejo em frente a uma realidade na qual a imprensa é censurada e atacada sem restrições pelo alto escalão do poder público.
Em pesquisa feita pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), foi divulgado que, sozinho, Bolsonaro foi responsável por 145 casos de descredibilização da imprensa, praticando ataques a veículos de comunicação e profissionais, e outros 26 registros de agressões verbais, duas ameaças diretas a jornalistas e dois ataques à FENAJ, totalizando 175 casos, o que corresponde a 40,89% do total. Ainda segundo pesquisa, as agressões verbais/ataques virtuais cresceram significativamente na esteira dos incentivos do presidente Bolsonaro à violência contra jornalistas e, em 2020, foram 76 casos (17,76%), 56 a mais do que os 20 registrados em 2019.
É imensurável o poder que a imprensa tem quando o assunto é levar as informações para o público, e tudo se complica quando essa informação não chega ou chega pela metade. Se, durante a ditadura, quem imperava era a lei contra a livre informação, hoje o papel de deslegitimação dos veículos de notícia é feito pelas fábricas de fake news que fizeram suas vezes de campanha política em 2018. Segundo dados coletados pelo Estadão, um levantamento do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), da Universidade de São Paulo (USP), 12 milhões de pessoas compartilharam fake news no Brasil em junho daquele mesmo ano. O levantamento monitorou 500 páginas digitais de conteúdo político falso e indicou que as notícias tinham o potencial de alcançar uma boa parte da população brasileira. Em entrevista concedida na época ao veículo, a diretora da agência de checagem Lupa, Cristina Tardáguila, afirmou que as fake news ajudaram, e muito, no resultado da eleição, ela afirmou que a probabilidade de notícias falsas permeando as campanhas de presidente e de governadores era de 1.000% e que o mesmo estava acontecendo na Argentina e Colômbia.
Mas não é só o setor político que se vê como alvo das notícias inventadas. Desde informações falsas sobre supostas mortes (os bots usados para espalhar informações equivocadas já simularam a morte de um número ímpar de pessoas, desde jogadores de futebol, artistas e apresentadores de TV) até notícias esdrúxulas sobre curas para a COVID-19, essa erva daninha do meio digital já destruiu a imagem de pessoas públicas, e foi a causa da morte de pessoas inocentes, como é o caso do linchamento que levou dois homens à morte no México em 2018, segundo matéria da BBC.
A livre circulação de notícias tem uma importância imensurável. É papel fundamental dos veículos de notícia denunciar casos que envolvem violência contra a mulher, crimes hediondos, esquemas de corrupção dentro ou fora do poder público, violação de direitos básicos, além de divulgar pesquisas e dados científicos e avanços tecnológicos. É, então, por causa do trabalho do jornalista Audálio Dantas que a moradora da favela paulistana de Canindé, que trabalhava como catadora e registrava o cotidiano da comunidade em cadernos que encontrava no lixo, conseguiu caminhar em direção a ser uma das primeiras e mais importantes escritoras negras do Brasil. Ou, até mesmo, graças à liberdade de divulgação de notícias que, em 2016, o repórter Vinícius Sassine,, do jornal O Globo, contou a história de Gabriel, um menino de 12 anos que aguardava por um transplante de coração e faleceu esperando, o que levou Sassine a utilizar da Lei de Acesso à Informação (LAI) para conseguir informações e publicar uma série de reportagens que resultaram na alteração da legislação em casos de transporte de órgãos.
O Artigo 220 da Constituição Federal de 88, que defende a livre manifestação do pensamento, criação, expressão e a informação, torna possível ser exercido um dos direitos básicos de um Estado democrático, o direito à liberdade. Nesse caso, a circulação irrestrita de informações acaba sendo uma poderosa ferramenta para a nação, mudando histórias e o rumo da política e ciência do país.
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