Observatório Luminar
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Lugar da mulher é onde ela quiser, até na política

“Ela é louca”, “Deve estar de TPM”, “Ela não sabe o que está falando”. Esses são exemplos de frases machistas que as mulheres escutam ao menos uma vez na vida. No ambiente político, isso não é diferente. 

O direito ao voto às mulheres no Brasil só foi garantido em 24 de fevereiro de 1932 no Decreto nº 21.076 assinado pelo presidente Getúlio Vargas. Mas, em contrapartida, a primeira mulher eleitora brasileira, Celina Guimarães Viana, adquiriu seu registro de direito ao voto cinco anos antes. O registro foi possível quando sua cidade, Mossoró (RN), permitiu que a lei eleitoral determinasse, por meio do artigo 17, que “poderiam votar e serem votados, sem distinção de sexos”, todos os cidadãos que estivessem de acordo com as exigências das leis.

No entanto, a luta pelo direito ao voto feminino e a consolidação de direitos iguais entre homens e mulheres começou muito antes disso, com figuras femininas marcantes como Bertha Maria Júlia Lutz. 

Já a primeira mulher presente no processo político brasileiro, foi Luíza Alzira Soriano, que tomou posse do cargo de prefeita no município de Lajes, também no Rio Grande do Norte, no dia 1 de janeiro de 1929, com 60% dos votos, tornando-se a primeira mulher eleita prefeita de um município da América Latina. 

Porém, mesmo tendo transcorrido 89 anos desde a conquista legal das mulheres em participar ativamente na política, esse ainda é um ambiente majoritariamente masculino e opressor à minoria feminina que se elege. Cármen Lúcia e Rosa Weber são, atualmente, as únicas ministras entre os 11 integrantes da Corte no Supremo Tribunal Federal (STF). Dentre elas, Cármen já relatou ter sofrido interrupções se seus colegas no plenário e também contou que, em sua dissertação de mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1980, o professor justificou a nota atribuída dizendo que “a aluna mulher raciocina brilhantemente como homem, por isso a nota final”. A ministra destacou que dissertações acadêmicas como essa nunca são justificadas: “A minha, naquele caso, foi”. Além disso, o professor justifica a nota alta a uma aluna mulher porque, segundo ele, “raciocina como um homem”. 

A ex-presidente Dilma Rousseff é outro grande exemplo de mulher na política que sofreu ataques machistas, potencializados pelo desenvolvimento das redes sociais. Durante seu período de governo, a primeira mulher eleita presidente da república no Brasil, recebeu diversos comentários machistas durante seus discursos e também durante o processo de impeachment. Comentários que demonstraram o incômodo à figura feminina ocupando um cargo de poder, como: “Vai lavar roupa”, “Volta pra cozinha”, “Vai vender avon”, sempre associando a mulher a um espaço doméstico. Em comparação, no mesmo ano do impeachment, a esposa do vice-presidente, Marcela Temer, foi descrita na Revista Veja como “bela, recatada e ‘do lar’”. 43 anos mais jovem que o marido, a quase primeira dama, na época foi descrita desta forma pela revista por estar sempre calada ao lado do marido, sem se envolver em assuntos políticos e aparecendo somente em eventos como a acompanhante e mãe de seu filho: o espaço associado ao “lugar da mulher” pela cultura patriarcal machista. 

No Governo de Bolsonaro, um dos nomes mais populares foi o de Damares Alves, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. A pastora conta que o mais forte ato machista que vivenciou, foi quando leu na internet que ela havia perdido a chance de fazer sexo com Jesus ao subir na goiabeira, em referência ao video que ela postou contando um relato sobre a fé que a ajudou a enfrentar os traumas de quando foi violentada, ainda menina, por um falso pastor.

No ano passado, 2020, tivemos também o episódio de assédio que Isa Penna, deputada estadual no Estado de São Paulo, enfrentou. Quando o deputado Fernando Cury, passa a mão no seio da colega no meio do plenário, em um abraço por trás, durante a votação do orçamento do estado para 2021.

Todos esses casos mostram como o ambiente é machista e opressor à mulher e como sua presença incomoda quando ocupa cargos importantes. Isso evidencia como estamos longe de alcançar o ideal, pois apesar de representarem mais de 52% do eleitorado brasileiro, o número de mulheres ocupando cargos políticos ainda é pequeno comparado aos homens. A execução de medidas como a obrigatoriedade dos partidos em ter 30% de seus cargos ocupados por mulheres ilustra bem esse fato.

Mesmo representando 52% do eleitorado no Brasil, as mulheres ocupam apenas 15% dos cargos na política e, de acordo com o site Migalhas, o número de mulheres prefeitas no Brasil hoje é de apenas 11,8%. Segundo levantamento do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2020, foram registradas 32,5% de candidaturas femininas, mas apenas 14,5% dessas mulheres foram eleitas. Em um processo de retroalimentação, como consequência da falta da presença feminina na política, ambientes machistas e excludentes às mulheres serão cada vez mais fortes e políticas públicas que promovam a equidade dos direitos entre as sexos, e promovam leis e benefícios, a fim de garantir a dignidade e qualidade de vida das mulheres serão difíceis de serem conquistadas.

Mariana Palermo
mariana.palermo@ufu.br
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