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Maternidade, trabalho e estudo sobrecarregam mulheres na pandemia

Com a exigência do confinamento e isolamento social a fim de diminuir o contágio do novo coronavírus, muitas mulheres tiveram que se adaptar ao que chamamos no Brasil de home office —  trabalho de forma remota da sua própria casa. Esse novo modo de trabalhar trouxe dificuldades ao se fundir às tarefas domésticas que no Brasil sobrecarregam as mulheres de modo desigual e, em muitos casos, à rotina de estudo que possuem, agora que as aulas passaram a ser online. Há também uma dificuldade maior para as mulheres que são mães, já que paralelo a isso, seus filhos também tiveram as aulas interrompidas e passaram a ficar em casa, no mesmo ambiente que elas hoje trabalham e/ou estudam.

Mãe cuida do filho enquanto trabalha. Créditos freepik.com

Em 2020 a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua) mostrou que o trabalho doméstico recai principalmente sobre as mulheres em suas famílias, mesmo que elas também possuam, assim como seus parceiros, algum trabalho remunerado fora do domicílio. A pesquisa apresentou que, felizmente, o percentual de participação dos homens com afazeres domésticos cresceu de 2016 a 2019 de 71,9% para 78,6%. No entanto, as mulheres continuam sendo as mais responsáveis por esse trabalho. Alessandra Brito, analista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) destacou que em 2019 as mulheres trabalhavam quase o dobro do que os homens em casa. 

Trabalho, estudo e maternidade

Além do trabalho doméstico, a pesquisa demonstra que a maternidade também exige uma presença maior da mulher quando comparada à paternidade. Historicamente, a sociedade cobra mais a presença e atenção da mãe do que do pai, assim como condena aquelas que deixam seus filhos para buscarem experiências profissionais ou de lazer. O abandono paterno, muito mais comum que o materno, é um exemplo disso: de acordo com o Censo Escolar 2011,  28,9 milhões das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres e 5,5 milhões dessas famílias o nome do pai não consta no registro de nascimento dos filhos, como divulgou o Conselho Nacional de Justiça.

Em tempos de pandemia, medidas preventivas resultaram no fechamento das escolas e na necessidade de alguém cuidar dos filhos em tempo integral. Muitas mulheres tiveram o privilégio de poder trabalhar em casa, o que pode prejudicar a rotina de trabalho dos pais, mas possibilita que eles estejam com os filhos durante este momento de pandemia em que as crianças e adolescentes não podem frequentar a escola. Como é o caso da Raissa Dantas. Formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Uberlândia, Raissa trabalha como jornalista sindical em casa e, acompanhada do marido, cuida de seu filho Oto de apenas 4 anos. 

Sem o horário escolar do filho e a rede de apoio que os pais da Raissa ofereciam, devido a pandemia, as dificuldades do dia a dia em conciliar os cuidados com o filho, com a casa e com o trabalho influenciaram e muito na rotina da família. “A gente está em casa o tempo todo, mas a gente não pode estar disponível o tempo todo, porque tem tarefas urgentes acontecendo ali no trabalho e a gente tem uma carga horária pra comprir”, relata. Em decorrência disso, o tempo em frente às telas, como televisão e celular, do pequeno Oto aumentaram para que seus pais pudessem trabalhar, algo que Raissa não havia planejado para o dia a dia do filho. Emocional e fisicamente Raissa conta que passa por ciclos em que se sente mais disposta e outros sobrecarregada devido às diversas atividades que precisa realizar. “Muitas mulheres como eu, vivem uma dupla/tripla/quádrupla jornada porque é uma jornada de trabalho, é uma jornada de trabalho formal externo que nos remunera, é uma jornada de trabalho doméstico que não nos remunera, é uma jornada de trabalho emocional, educacional, afetiva da criação dos filhos e, às vezes, é uma jornada de educação”, conta ela.

No entanto, Raissa pode contar com seu marido, que também trabalha em casa, para não se sobrecarregar com todas as atividades como acontece com muitas mães. A jornalista observa que social e historicamente as mulheres foram colocadas em um lugar de opressão e sobrecarga, enquanto que os homens foram colocados em um lugar de não-sobrecarga, logo aconselha que as mulheres, que possuem alguém para dividir as tarefas, tentem conversar sobre as suas necessidades. “O conselho que eu poderia dar para as mulheres que têm um companheiro em casa é conversar. Tentar estabelecer limites, horários e tentar verbalizar as necessidades. Eu acho que é muito importante que a gente não se sobrecarregue quando existe a oportunidade de que uma conversa adulta e madura seja feita.”, aconselha ela. 

Divisão sexual do trabalho

Há muito tempo mulheres buscam ampliar a sua presença em diversos setores na sociedade, inclusive em lugares que antes eram vistos como tarefas dos homens, como dirigir. Porém, o processo contrário não aconteceu: os homens não buscaram ocupar os espaços que antes somente as mulheres ocupavam, o que resultou em uma sobrecarga das mulheres, que ainda precisam exercer um papel tradicionalmente esperado, como  cuidar dos filhos, da casa, e da aparência.

A professora do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia, Jorgetânia da Silva Ferreira, mãe da Julie e do Marcos Rafael, acredita que a pandemia intensificou ainda mais a sobrecarga dessas mulheres, “Quem é que está suportando durante a pandemia tudo que acontece? Quando adoece é a mulher, quando tem que marcar médico e escola é a mulher”, reflete ela.

A professora acredita que, infelizmente em nossa sociedade, o trabalho doméstico ainda é visto como uma tarefa da matriarca da família, mas é inegável que é um trabalho como qualquer outro desde que esteja seguindo as condições normais de trabalho e seja bem remunerado. Para ela, as mulheres foram ensinadas a pensarem errado sobre si mesmas, por isso, muitas sentem culpa quando terceirizam o trabalho doméstico devido a uma cobrança da sociedade “Nós somos cobradas por todas as pessoas inclusive por nós mesmas”, esclarece ela.

Além desse problema de sobrecarga em casa, momentos de crise como a pandemia que estamos vivendo intensificam essas desigualdades no país com o aumento do desemprego e também da fome. Muitas mães não possuem o privilégio de trabalhar em casa e cuidar de seus filhos, outras desempregadas passam o dia preocupadas em como vão alimentá-los. Dessa forma, fica evidente a importância das doações e das redes de apoio às mulheres, principalmente em momentos de crise mundial.

Mariana Palermo
mariana.palermo@ufu.br
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