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Mulheres continuam sendo minorias em cursos de exatas e engenharia

A história das mulheres em busca por ocupar espaços importantes na sociedade é permeada por obstáculos. Conquistar seu direito de cursar uma universidade, não foi diferente. No Brasil, até 1879, mulheres não podiam cursar faculdade e deveriam ficar em casa se dedicando a tarefas do lar. E, mesmo depois que conquistaram esse direito, no Império, precisavam da permissão do marido ou do pai.

Hoje elas são maioria. Dados do CNPq de 2019 mostram que o percentual de pessoas de 18 a 24 anos frequentando o ensino superior é maior entre as mulheres: 29,7%, contra 21,5% dos homens. Mas a distribuição igualitária de gêneros não se aplica a todos os cursos. Devido ao estereótipo existente sobre o que é “profissão de mulheres” ou não, a presença feminina é maior nos cursos de ciências biológicas, sociais e humanas, com 61,8%, 57,1% e 60,1%, respectivamente. Porém, em cursos como ciência da computação e engenharias esses números caem drasticamente para 13,3% e 21,6%.

A estudante de Engenharia Mecânica, Laura Giaretta, em conversa com a Conexões, compartilhou suas experiências sendo a única mulher na sua turma de aproximadamente 30 alunos na Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Quando entrou no curso, havia ela e mais uma aluna, enquanto o restante da turma eram homens, mas há pouco tempo a colega saiu do curso. Ela relata ter se sentido um pouco sozinha no início até conseguir se enturmar, mas hoje tem um bom relacionamento com todos.

Giaretta conta que vê um desafio maior ainda em entrar no mercado de trabalho: “Eu ainda não faço estágio, mas tenho um colega que faz e ele fala que eles [as empresas] não contratam uma mulher para a fábrica, pois a vêem como delicada, não sabe fazer isso, não suja a mão. Mas se for para o escritório, eles dão preferência para mulheres. Mas eu queria tentar trabalhar como engenheira na fábrica”. 

Neste ambiente majoritariamente masculino, a estudante de engenharia conta já ter vivenciado situações com piadas machistas e ouvido relatos de uma das poucas professoras mulheres que possui no curso. “A gente se encontrou fora da sala de aula e ela me contou que já tinha uns cinco alunos dando em cima dela e eu estive junto em um desses casos.”

A violência de gênero é oriunda também do preconceito e desigualdade entre homens e mulheres, incluindo também a violência física ou psicológica exercida contra qualquer pessoa em função de seu sexo ou gênero, impactando de forma negativa em sua identidade e bem estar social, físico ou pscicológico.

Enquanto o sexo se refere a determinação biológica, gênero são atributos particulares que estabelecem a masculinidade ou feminilidade, decorrente de uma construção social, não de aspectos naturais.

Homens e as minorias sexuais de gênero também podem ser alvos  da violência de gênero, seja com violência física, psicológica, sexual ou simbólica devido a sua identidade de gênero. Mas de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2017, as pessoas mais atingidas por essa coerção são as mulheres, pois uma em cada três mulheres em todo o mundo, ou seja, 35% delas, já foram vítimas de violência física ou sexual durante a sua vida. 

No entanto, a violência de gênero também acontece quando pessoas são socialmente oprimidas em algum ambiente, devido ao seu gênero.

Mas porque a violência de gênero acontece?

A antropóloga Margaret Mead, pioneira nos estudos sociais sobre teorias do feminismo no século XX, afirmava que os papéis sociais atribuídos a homens e mulheres provêm das diferenças sexuais entre os corpos. Em sequência, a historiadora Joan Scott, definiu gênero como uma categoria de análise histórica das relações de poder sustentadas e constituídas pelo discurso. Dessa forma, como uma ferramenta discriminatória que diminuísse as mulheres, aspectos como força, heroísmo e bravura se tornaram socialmente sinônimo de masculinidade enquanto que delicadeza, sentimentalismo e sensibilidade foram associados à feminilidade. Logo, criou-se uma dominação masculina pautada na ideia da superioridade dos homens e, resultou o pensamento social machista que legitimou o uso da violência como justificativa para reafirmar uma posição hierárquica.

Na universidade essa realidade não é diferente. Em decorrência de uma tentativa de estupro na UFU, em 2015, a professora do Direito, Beatriz Camargo, viu a necessidade de se mover em prol das vítimas de violência de gênero na universidade e fundou o projeto de extensão Acolhidas. O grupo formado por alunos de diversos cursos da UFU, atualmente conta com 21 integrantes e a professora coordenadora Neiva Flávia de Oliveira, atuando com três frentes: a frente de estudos – proporcionando rodas de conversas e projetos de debates –, o projeto de extensão – que busca alcançar mais pessoas – e o atendimento, onde elas recebem denúncias e fazem o acolhimento dessas vítimas de violência.

Em conversa com a Conexões a integrante do grupo, Ana Vitória Marques Nunes, estudante de Direito na UFU, acredita que em combate a essa violência de gênero, a comunidade precisa se atentar a colocar em prática as resoluções que o Brasil já tem na normativa. “A gente já tem as resoluções e as indicações do Ministério Público, mas o que a gente percebe no Acolhidas, é que elas não são aplicadas. Tentam resolver por outras vias alternativas ou acabam diminuindo tanto a vítima, até que ela desista de continuar com o processo.” Além disso, a estudante do projeto vê o diálogo como uma grande alternativa para mudar esse cenário dentro e fora da universidade: “É importante a gente debater sobre, saber que existe, fazer projetos com os coletivos de meninas dos cursos das exatas, que são minorias, para gente se juntar, saber que existe violência e tentar evitar”.

Como a estudante Laura Giaretta relatou no início da reportagem, além do número reduzido de alunas, o número de professoras mulheres é ainda menor. O que diminui o incentivo das meninas em entrarem no curso, devido a falta de destaque que as mulheres possuem nas áreas de STEM (sistemas, tecnologias, engenharias e matemática). “Eu não conheço nenhum exemplo de mulher, engenharia mecânica, que trabalha em uma empresa grande. Acho que se tivesse algum destaque feminino seria muito bom, um incentivo maior para mulher na indústria, não somente para preencher a vaga feminina”, opina. Para ela, as mulheres deveriam ser requisitadas pelas suas competências e conhecimentos na área e não apenas para preenchimento de “cotas”. “Deveriam querer mesmo ter a mulher na fábrica, no mercado de trabalho, não por um número, para expor que há mulheres”, conclui.


Mariana Palermo
mariana.palermo@ufu.br
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