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Mulheres são exemplo de força na maternidade solo

“A minha intenção era criar a Alicia em um ambiente com a presença de um pai e uma mãe. Mas, a partir do momento que ele mudou o comportamento, quando contei sobre a gravidez, eu vi que eu não precisava dele. Eu teria condições de criar minha filha mesmo com todas as dificuldades”, essa frase foi dita por Elis Martins. Mãe solo da pequena Alicia, que completa dois anos no próximo mês, Elis se viu criando sua filha sozinha depois do desinteresse do pai em contribuir com a criação de sua filha. A realidade de Elis não é diferente de muitas outras mães no país.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2005 e 2015, o Brasil ganhou 1,1 milhão de famílias compostas por mães solteiras. Em 2005, o país tinha 10,5 milhões de famílias de mulheres sem esposo e com filhos, que estivessem morando ou não com outros familiares. Em 2015, este número chegou a 11,6 milhões. Ainda segundo o instituto, 57,3 milhões de lares, cerca de 38,7%, têm uma mulher à frente da tomada de decisões.

Recentemente, um novo termo foi adotado para mães que criam seus filhos sozinhas, seja por opção, como o caso de Elis, ou então por virtude de alguma consequência. Ao dizer “ela é mãe solo” estamos nos referindo a mulheres que são exclusivamente responsáveis pela criação dos filhos. O termo vai ao encontro de uma nova forma de enxergar a mulher sendo mãe, independente do estado civil.

Ainda que este novo modo possa passar a sensação de força e empoderamento feminino, há desafios. Elis conta que, por mais que tenha escolhido criar a filha sozinha, ainda há um grande preconceito por parte da sociedade. “Há muita dificuldade em ser aceita socialmente. Não vou mentir. Isso já me tirou o sono”, conta.  A mãe dá exemplos de situações que a incomodaram. “Quando você fala de filho automaticamente a pessoa já pergunta ‘e seu marido?’; ‘e o ‘pai da criança?’. Parece que você só é aceita socialmente com o filho se você for casada”, relata.

Para a mãe Kellen Costa ser solo veio em outra realidade, por circunstância. Há quatro anos meio ela e sua filha Maria Luiza perderam esposo e pai, Renato Costa, em um acidente. Nos primeiros momentos, ser mãe solo foi extremamente desafiador e doloroso. “O pai da Maria partiu e ela mesmo foi o meu sustento. Por ela eu decidi ser uma mãe ainda melhor, mesmo muitas vezes pensando que eu seria melhor se o pai dela estivesse junto”, conta. Da experiência, apesar de difícil, nasceu uma nova relação entre mãe e filha. “Isso nos proporcionou uma união e um apego maior entre mãe e filha, uma cuidando, de fato, da outra”, completa.

Vivendo uma nova e desafiadora realidade, apesar de viverem histórias diferentes, Kellen esbarra em dificuldades semelhantes perante a sociedade. “Há, sim, muito preconceito! É como se só o pai conseguisse formar a índole do ser humano, mas isso não é verdade”, diz. Ela destaca outros pontos importantes, que não superam a ausência de Renato, mas contribuem de forma significativa na criação da filha. “Com amor, diálogo, princípios e Deus, a criança será um extraordinário ser humano!”, afirma.

A ausência ou presença de um companheiro em casa, para a criação dos filhos, também traz à tona questões de ordem financeira, que afetam a vida de mães e filhos. Elis Martins conta com uma pensão de R$350 por parte do pai de Alicia, mas ainda assim, e trabalhando, há instabilidade financeira. “Quando você cria uma filha sozinha, todas as despesas são só suas. É hotelzinho, roupa, alimentação, custo com médico entre outros milhares. Isso é difícil”, confessa. Elis ainda destaca outro cenário que permeia a vida da mulher no mercado de trabalho. “Sendo mulher você já ganha um salário inferior ao do homem. Você não consegue dar o padrão que tem vontade para o filho”, afirma.

A realidade de Kellen é um pouco diferente. No caso da perda pela morte, há uma pensão do pai que a ajuda a manter todas as despesas. Ainda assim, existem ponderações. “Toda a gestão é de minha responsabilidade. Hoje eu me equilibro para trabalhar e me dedicar a minha filha. Mas, ainda assim, não chegamos próximos do que seria com o pai aqui conosco”, relata. O fato não deixa de ser acompanhado por gratidão. “Porém, com a graça de Deus, somos extremamente gratas e é isso o maior valor que tenho a passar a minha filha, a gratidão”, completa.

Além da realidade de Kellen e Elis, existem famílias que precisam de políticas públicas do Governo Federal que asseguram, ao menos minimamente, que junto ao seus filhos elas caminhem com uma vida mais digna. Um desses programas é o Bolsa Família (PBF). Criado em 2003 pelo governo Lula, o benefício é dedicado à famílias com renda per capita de R$89 mensais ou de R$89 até R$178, desde que tenham crianças ou adolescentes de zero a 17 anos.  Em 2013, o Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo divulgou um perfil socioeconômico dos beneficiados pelo Programa. Segundo dados coletados através do Cadastro Único – porta de entrada para outros programas -, 72,4% das famílias se encontravam em extrema pobreza; 20,5% em estado de pobreza e os outros 7,1% eram famílias de baixa renda.

Dentre a porcentagem de famílias que recebem o recurso, a pesquisa constatou que 42,2% são monoparentais femininas. Os números refletem a realidade brasileira apresentada no último censo do IBGE e confirma que a não presença de um cônjuge é uma realidade associada a famílias que possuem baixa renda. Segundo dados divulgados pelo Ministério de Desenvolvimento Social, no último mês de maio, o Programa repassou mais de R$ 2,6 bilhões para 14,1 milhão de famílias espalhadas por todo o Brasil. Deste total, o estado de Minas Gerais recebeu a quantia de R$192.321.033,00 para mais de 1.070.000 famílias. Em Uberlândia, o repasse chegou a 13.542 famílias e o montante soma R$2.086.202,00.

Mas, apesar de atender mães solo, o PBF não é exclusivo para essas mães. Cerca de dez anos depois da sua implementação, em janeiro de 2013, o então deputado Marcelo Aguiar do DEM/SP apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) 6474 que dispõe sobre o auxílio à mãe solteira em situação carente. A proposta, que previa a destinação de R$300 para cada mãe, foi avaliada e aprovada em junho de 2017 pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara. Ainda que aprovada, a PL deveria ser analisada pelas Comissões de Seguridade Social e Família; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Acessando o site da Câmara, até 31 de janeiro deste ano a proposta se encontrava arquivada.

A ausência de políticas públicas que assessorem prioritariamente mães solo, prejudica mulheres que precisam de assistência para conceder, dentro do possível, uma vida digna para seus filhos. É preciso que se abram discussões para implantação de programas de assistência social para este importante nicho da população que tem crescido ao longo dos anos. Ainda assim, há grupos de apoio para mães solo, onde se encontra partilha, carinho e afeto. Em uma rápida busca pelo Facebook foi possível encontrar mais de 40 grupos em rede de mães solo. Se você, leitor, conhecer algum grupo em Uberlândia, compartilhe com a gente! Seguimos na esperança de novos tempos para as mulheres dessa grande fortaleza.

Melissa Ribeiro
meelribeiro@outlook.com.br
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