Observatório Luminar
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“Não adianta apenas pedir para uma pessoa buscar os próprios direitos se ela está com a barriga vazia”

Os desafios de uma assistente social em meio ao crescimento da pobreza no Brasil

A Seguridade Social é um dos pilares da Constituição Federal de 1988. E uma das profissões que deve assistir a garantia dos direitos e das políticas públicas aos cidadãos é o Serviço Social. Michelle Barreira formou-se em 2009, e há 2 anos trabalha em Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Uberlândia, principalmente nos bairros Minas Gerais e Jardim Brasília. Mas, qual é o impacto desse trabalho na rede pública de saúde? Há duas respostas:

O Conselho Federal de Assistência Social caracteriza a atuação deste trabalhador, no âmbito da saúde, para: “facilitar o acesso de todo e qualquer usuário aos serviços de saúde da Instituição; tentar construir e/ou efetivar, conjuntamente com outros trabalhadores da saúde, espaços nas unidades que garantam a participação popular e dos trabalhadores de saúde nas decisões a serem tomadas”, entre outras tarefas.

Michelle Barreira trabalha na saúde de Uberlândia há dois anos. Arquivo Michele.

Nas palavras de Michelle, as desigualdades sociais entre os pacientes são visíveis dentro de uma UBS. E lidar com esses problemas também faz parte do trabalho: “a gente atende as pessoas desde o nascer ao morrer. A gente monitora gestantes durante toda a gravidez, se estão fazendo pré-natal, se têm alimentação, benefícios. Também lidamos com muitas denúncias de maus tratos às crianças, falta de vacinação, notificamos os conselhos tutelares se a infância não está sendo bem assistida. Acompanhamos processos de laqueadura, fazemos campanhas de educação em saúde”, conta. 

Atualmente, apesar da diferença que essa profissão faz, não há assistentes sociais disponíveis a todo tempo nas unidades básicas de saúde. Michelle, por exemplo, já chegou a suprr três locais diferentes.

Pandemia e trabalho social

Uma das estratégias da atenção primária à saúde é a visita presencial aos moradores de determinada região. Mas, com as recomendações de isolamento social, esse trabalho precisou se adaptar. “Eu não parei de atender pacientes. Continuei porque as demandas sociais aumentaram durante a pandemia. Eu só não entrava dentro das casas das pessoas, ficava do lado de fora. Mas não deixei de fazer visita”, relembra Michelle. Ela conta que alguns idosos se sentiram tão sozinhos pela falta das visitas que insistiam para que ela entrasse, mesmo sabendo dos riscos. “Eu sou daquele tipo de pessoa que não vai à unidade sem me preocupar com os pacientes.”

A profissional admite que no início da pandemia sentiu muito medo por se tratar de uma doença muito nova e pelo fato de ser asmática. “Dei uma pequena surtada. Tinha dia que eu chorava, tinha medo de não voltar pra casa, de adoecer. Eu tenho filho pequeno.” Ela não escapou das estatísticas da sua profissão: Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, realizada em agosto do ano passado, mostrou que 74% dos assistentes sociais se sentiam despreparados para lidar com a crise, e o medo era um sentimento comum a 89% deles.

“O medo foi inicial; hoje, não tenho mais. A rede (pública de saúde) disponibilizou psicólogos para os profissionais, então eu me senti segura”. A ajuda psicológica recebida por Michelle não aconteceu para todos os trabalhadores do país.  Outro estudo da FGV, feito mais recentemente em novembro, afirma que 78% dos trabalhadores da assistência social  tiveram impactos negativos na saúde mental. Apenas 11% receberam apoio psicológico profissional. 

Michelle ressalta que a procura aumentou muito, principalmente após a pausa do auxílio emergencial. Fazer o cadastro dos pacientes para o benefício também foi uma de suas preocupações: “Em janeiro e fevereiro, eu não tive condição de suprir os pacientes com coisas básicas, como alimentos e produtos de higiene pessoal.  A gente tira recurso de onde não tem, às vezes não temos suporte das ONGs por causa do excesso de demanda”, lamenta.

Uma frase comum na política brasileira é: “o governo não deve dar o peixe, mas sim ensinar a pescar”. Ela significa que seria mais justo ensinar as pessoas a trabalhar e conquistar o próprio dinheiro do que prover com assistencialismo. Michelle, no entanto, discorda: “No momento, infelizmente, precisamos dar assistência. Não adianta eu pedir para uma pessoa buscar seus direitos constitucionais se ela tá com a barriga vazia.Via chefes de família com vários talões de energia vencidos, sem leite para crianças, a maioria tem muitos filhos. Além disso, percebi que as denúncias de violência doméstica cresceram bastante.” 

E os dados corroboram o que Michelle presenciou em seu trabalho: a violência contra a mulher teve crescimento em todo o país ao longo de 2020. A fome também tirou o sono da assistente social. “Falta o básico. Já ouvi paciente dizer: hoje eu só tenho feijão, não tenho nem tempero para cozinhar. Como você vai para casa e deixa isso pra lá?”. Mais da metade dos lares brasileiros se encontram em situação de insegurança alimentar causada pela pandemia, de acordo com uma pesquisa da UFMG.

Michelle foi vacinada com duas doses da vacina. Apesar disso, contraiu a Covid-19, mas com sintomas leves. Apesar de presenciar os efeitos da crise econômica e sanitária que acomete o país, ela sente esperança em melhorias. “É muito gratificante poder fazer a diferença na vida das pessoas”. Ela até se aventurou em outras profissões, tendo começado os cursos de Pedagogia e História na UFU. Mas, para ela,  “Não adianta, não sirvo para outra coisa”. Ela continua amando a profissão apesar das dificuldades. 


Jhonatan Dias
jhonatandias.jor@gmail.com
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