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“Não há política de organização do fomento à pesquisa”

Por Anna Júlia Lopes e Mariana Palermo

As universidades são os principais centros de pesquisas científicas no país. Entretanto, os valores das bolsas e seus respectivos programas de pós-graduação, mestrado e doutorado se encontram obsoletos, devido à crise orçamentária e a falta de uma política de organização do processo de fomento à pesquisa.

Em entrevista para a Conexões, o Professor e Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da Universidade Federal de Uberlândia, Carlos Henrique de Carvalho, fala um pouco sobre as dificuldades na gestão de recursos e sobre a necessidade de um plano de médio a longo prazo para o desenvolvimento científico do país. Carvalho, como atual presidente do Fórum de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (FOPROP) também representa a voz da área em todas as universidades públicas e privadas do país.

  • Qual a importância das bolsas para a universidade e para a comunidade?

Nós temos hoje, no Brasil, várias formas de financiamentos, ou tínhamos. Temos aquilo que chamamos de financiamento direto, especificamente sobre as bolsas de mestrado e doutorado. Elas são fundamentais em razão de serem a única forma de financiamento que nós temos hoje nos nossos laboratórios e nos nossos programas de pós-graduação. O  fomento, que são editais, ficaram por vários anos sem edições. Então, não houve possibilidade de fazer aporte de recursos no âmbito dos programas de pós-graduação e mesmo nos nossos laboratórios.

A única forma de as pesquisas continuarem é o ganho das bolsas de mestrado e doutorado, e isso tem um impacto enorme na sociedade. Por exemplo, em razão da pandemia, boa parte das pesquisas se voltaram para a compreensão mais aprofundada do que é o Sars-CoV-2 e estão com bolsas adicionais. Não há recursos novos para equipamento desses laboratórios, mas houve programas especiais de bolsa de mestrado e doutorado. A   pesquisa no Brasil, ainda é efetivada em decorrência do pagamento da CAPES, então a importância é fundamental. 

  • O último reajuste de bolsas aconteceu em 2011. Por que há poucos reajustes?

Questão orçamentária. Quando o Governo federal altera o orçamento da CAPES, por exemplo, quando passo a bolsa de mestrado de R$1500 reais para R$2 mil, isso é automaticamente passado para todas as demais bolsas de mestrado. Então o CNPq tem que reajustar, as fundações [estaduais] de amparo à pesquisa também. E, às vezes, os Estados não têm orçamento suficiente para arcar com esse orçamento.
É muito difícil fazer essa articulação. Precisa ser feita junto ao CONFAP [Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Âmparo à Pesquisa], ao CNPq e  à CAPES, para que não haja disparidades de valorese saem, geralmente, em uma portaria conjunta. Em uma crise orçamentária, fica difícil conceder esses aumentos.
Sei que a bolsa é insuficiente, estamos fazendo pleito em relação a isso, só que é uma situação complicada porque precisa de orçamento. Nós precisamos garantir o pagamento das bolsas que estão hoje em vigência. Se você pedir algum aumento para elas, pode ocorrer reflexo no pagamento futuro dessas bolsas.
Agora sobre o reajuste: se aplicarmos a inflação de 2011 a 2021, essa bolsa praticamente dobraria de preço. Com um orçamento apertado, eu teria que reduzir as bolsas pela metade e isso não é interessante para o sistema. Precisamos trabalhar em uma recomposição orçamentária e também não aplicar o aumento de uma vez só, fazer uma programação. Mas o momento é muito complicado, não acredito que haja uma alteração nesse ano de 2021.

  •  Quais as consequências disso?

Se você tem uma bolsa, já é mestre e tem possibilidade de ir para o exterior ou atuar na iniciativa privada, larga a bolsa e vai fazer o doutorado com alguma atividade paralela. Isso é muito ruim, impacta na pesquisa porque você deixa de trabalhar exclusivamente nela, passa a dividir entre algumas atividades e, no caso, de receber convite de alguma universidade no exterior com uma bolsa bem melhor, vai ficar por lá. É a “fuga de cérebros”.Já tivemos pesquisadores que Israel fez uma série de propostas, doutorandos e doutorandas nossos, e foram pra lá. Isso cria, a médio e longo prazo, um impacto muito ruim, porque você leva todo o conhecimento da pesquisa que está sendo desenvolvida. O mais grave disso tudo, você leva toda a potencialidade de um pesquisador nacional para outro país/outra instituição. Isso vai despotencializando a nossa capacidade de produzir conhecimento, que é grande. Na medida em que não tem um programa de fixação desses pesquisadores – que é a bolsa, pois dá essa condição de você não se preocupar com essa subsistência – há um desestímulo de continuar na área acadêmica. Então, nós temos que buscar alternativas para isso e, em um momento de muita polarização, fica muito complicado às vezes colocar essas propostas alternativas.

  • Há previsões para um reajuste futuro? Se sim, para quando?

Nenhuma, você só consegue ter alguma previsão de discutir alguma forma de reajuste com um restabelecimento do orçamento. O orçamento já foi impactado em 2020, está muito impactado em 2021 e nós temos que fazer uma gestão junto ao parlamento para que haja uma recomposição e para que os compromissos estabelecidos com os bolsistas atuais sejam honrados até o final do ano. Qualquer aumento vai exigir um aporte adicional de orçamento. Isso está sendo discutido pela ANPG – Associação Nacional de Pós-graduandos.

  • Por quais dificuldades a UFU está passando em relação à manutenção das bolsas e quais os motivos disso?

As dificuldades são as mesmas das outras universidades. Na verdade, as universidades não possuem bolsas. Há as bolsas CAPES, CNPq e FAPEMIG, nós apenas fazemos a indicação dos bolsistas. No caso do CNPq nem passa pela pró-reitoria, vai direto para os programas de pós-graduação, são as próprias coordenações que fazem essa atribuição e esse dinheiro não entra no orçamento da universidade. Na medida em que você tem alguns modelos de adequação de bolsas, a universidade tenta fazer gestão no sentido de não deixar tal programa perder tantas bolsas: vão em Brasília explicar a situação e, às vezes, a agência reconsidera. Por isso, essas dificuldades são uma situação generalizada por todo o país. 

  • No ano passado, o Governo Bolsonaro cortou cerca de 8.000 bolsas de pesquisa. Como esse corte afetou a UFU?

Na verdade, elas foram remanejadas. O corte que aconteceu foi em maio de 2019, em que foram tiradas aproximadamente 4.500 bolsas do sistema. Em 2020, pegaram 8.000 bolsas e fizeram um remanejamento. Alguns programas ganharam bolsas, porque dentro de um modelo de redistribuição, eles tinham elementos para a ampliação do número de alunos, de perspectivas e de ascensão de conceitos. Dentro da UFU, um programa chegou a ganhar quatro bolsas de doutorado e perder uma de mestrado. No Brasil inteiro, o maior investimento está sendo no doutorado, porque é onde se avança mais na pesquisa. Em cursos da UFU que só têm bolsas de mestrado houve uma perda significativa. Mas, de uma forma geral, a Universidade ganhou muito mais do que perdeu. Logo, ela passa a receber muito mais do que aquilo que foi retirado. Ganhamos cerca de 55 bolsas de doutorado, mas, em contrapartida, perdemos 17 bolsas de mestrado. Isso foi uma tônica em todo o sistema brasileiro, é o perde-ganha: se você não tem dinheiro novo, apenas o mesmo recurso, a solução é fazer remanejamentos e priorizar o modelo de redistribuição. É válido ressaltar que nenhuma bolsa implementada é retirada, se o aluno já começou e a bolsa dele foi retirada, ele deve ficar com ela até a conclusão do programa, e, ao seu término, aquela bolsa não voltará.

Todo início de ano, fevereiro e março, é o momento de realocar bolsas àqueles programas que haviam perdido capacidade de mostrar suas potencialidades e tiveram suas bolsas retiradas. São 8.000 bolsas remanejadas, que ficam “flutuantes” durante esse processo e esse remanejamento vai acontecer em agosto desse ano e também em março de 2022.

  • Como é feita a escolha da bolsa voltar ou não para o programa?

Não é uma escolha aleatória, ela é feita a partir de uma avaliação. Por exemplo, os cursos de mestrado que tiveram três avaliações, mas nenhum indicador de subida de conceito, vão sofrer redução de bolsa. É um investimento. Não que eu concorde, mas o dinheiro é muito restrito, e, mesmo na época em que tínhamos uma maior disponibilidade de recursos, já havia essa proposta de criar um modelo de redistribuição de bolsas para aumentar o fomento. Hoje, a nossa questão é que não conseguimos buscar recursos financeiros para que o fomento seja reativado e programas com extrema potencialidade acabam ficando sem bolsa, impedindo-os de avançar.

  • De que forma funcionará o novo modelo de concessão de bolsas do Governo Bolsonaro na prática?

É uma fórmula matemática, em que se tem um número de alunos, um número de defesas, o IDH do município e o conceito. A questão do IDH é complicada, porque o Índice de Desenvolvimento Humano de Uberlândia é alto e isso não favorece a cidade, porque os locais com IDH menor são mais beneficiados. É um modelo para o país, é preciso pensar nas regiões Norte e Nordeste, se não houver um contrapeso essas regiões perderão bolsas, pois entraram no sistema de pós-graduação de maneira tardia. Se não há evidência de que o programa não subiu no conceito, ele pode ser penalizado, mas não perde bolsas em sua totalidade, então, é criada uma “trava” de 10%: se o programa tem dez bolsas, no máximo, ele perderá só uma a cada rodada de ciclo – de seis em seis meses.

A grande perda foi em março de 2019, porque as bolsas foram realmente retiradas e isso foi um prejuízo enorme.

  • Algum programa da UFU foi atingido e chegou a perder bolsas? Se sim, quais?

A engenharia civil foi o programa que perdeu mais bolsas.

  • Quais as vantagens dos alunos continuarem no Brasil e usufruindo das bolsas brasileiras?

A questão é simples: aumentar o valor da bolsa e criar linhas de fomento, porque não é só a bolsa que prende o aluno. Se um aluno com bolsa de R$5000 não tem fomento, o valor da bolsa não vai incentivá-lo, ele vai preferir uma bolsa com valor semelhante no exterior, mas com um laboratório com melhores condições de pesquisa. No Brasil, é necessário repensar toda a estrutura de pesquisa, não é só bolsa, é uma linha importante porque mantém os pesquisadores, mas ainda é apenas uma das linhas. Nessa condição, a bolsa é transformada em um salário sem muito retorno, o que também não é bom para a sociedade brasileira. Por exemplo, a CAPES tem 90.000 bolsas e faz uma média de R$2000 por bolsa, então são R$180 milhões só em pagamento de bolsa. Um plano de médio a longo prazo tem que ser criado para divulgar a pesquisa, o que vem sendo criado pelo Governo Federal é lastimável, porque não há uma política de organização do processo de fomento à pesquisa.

A pesquisa no Brasil se dá na Pós-Graduação, enquanto na Europa e nos Estados Unidos ocorre nos grandes centros de pesquisa, através de um financiamento direto. Um plano nacional de desenvolvimento científico e tecnológico passa, necessariamente, por um programa, por uma política que independe de Governo, porque, senão, a cada quatro anos, esse plano terá que ser reformulado. A CAPES e o CNPQ são agências estratégicas, pois garantem um processo de soberania científica, mas elas têm que ser blindadas. Hoje, a gestão de pesquisa e pós-graduação no Brasil é muito estressante, porque não tem como fazer um planejamento para 10 ou 15 anos, só apagar incêndio a cada momento.

A bolsa de iniciação científica é de R$400, mas isso não motiva os alunos, porque com a capacidade e formação deles, é possível arrumar uma atividade no mercado ganhando muito mais que isso. A IC foi criada para estimular a pesquisa, para que os alunos aprendessem sendo auxiliares de pesquisadores e, a partir disso, tomassem gosto e se integrassem no processo de desenvolvimento científico. A demanda é quase que equivalente ao número de bolsas, isso demonstra um desinteresse. Isso não vai mudar em 2022 ou em 2023, eu não posso brigar por orçamento se nem sei se vou ter [algum] orçamento. As regras têm que ser mais transparentes, e eu sou esperançoso de que um dia esse cenário vai mudar, não para mim, mas para vocês.

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