Observatório Luminar
Luminar é um observatório de mídia voltado para o acompanhamento sistemático da cobertura jornalística sobre políticas públicas. Acesse clicando aqui

Nós sempre produzimos conhecimento

Segundo a V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos(as) Graduandos(as) das IFES, realizada em 2018, entre 2003 e 2018 houve um aumento de graduandos negros. Em 2003, 28,3% dos estudantes se declara parda e 5,9% preta e em 2018 esses números representam 39,2% e 12%, respectivamente. Em números gerais, 51,2% dos estudantes de universidades públicas brasileiras são negros.

Esses dados são importantes para embasar as discussões sobre o caminho da intelectualidade negra no meio acadêmico. Com esse novo perfil de graduandos, a tendência é de que haja também um novo perfil de pensadores e teóricos utilizados dentro das universidades. Para além das discussões sobre políticas de cotas, de ações afirmativas e bolsas para garantir a permanência desse jovens pobres e negros na universidade, hoje temos presenciado discussões sobre a intelectualidade dessa nova geração de estudantes negros.

Winnie Bueno é um exemplo da construção da intelectualidade negra nos espaços acadêmicos. Iyalorixá, graduada em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL/RS) e mestre em Direito pela Universidade do Vale Rio dos Sinos (Unisinos/RS), Bueno acredita que a construção da sua intelectualidade enquanto mulher negra tem sido um processo coletivo, que teve como base sua mãe e sua avó, que prezava pela educação de seus familiares, e que reconhecia a importância do saber ler, conhecer e gostar dos livros. Segundo Winnie, essa construção da intelectualidade também deriva das vivências dentro de terreiro e do ativismo: “Vem da educação dentro de movimento negro, o fato de a minha mãe ser ativista fez com que, desde muito pequena, eu frequentasse e vivenciasse esses espaços, e entendesse muito questões relacionadas aos sistema de dominação, a identidade racial e identidade de gênero a partir do movimento negro”, conta.



Winnie Bueno, mestre em Direito pela Universidade do Vale Rio dos Sinos (Unisinos/RS)
|Foto: Arquivo pessoal

Em suas pesquisas, Bueno aborda temas voltados às questões raciais, gênero e sexualidade, direitos humanos, intolerância religiosa e pensamento feminista negro, discussões essas que contribuem para sua construção dentro do mundo acadêmico. “A minha dissertação de mestrado foi sobre o pensamento da Patricia Hill Collins, e isso acabou abrindo a possibilidade de eu conhecer outras autoras e intelectuais negras que tenho estudado com mais centralidade. Isso tem feito que eu me encontre com outras mulheres negras que estão produzindo dentro da academia a partir de um referencial bibliográfico que é negro e feminino”, relata. 

Organizar a teoria negra dentro da academia é muito importante para a pesquisadora “Eu tenho me colocado nessa perspectiva pois quero ser professora, quero poder ajudar outras mulheres negras a terem essa relação que eu tenho com a produção de conhecimento”. E a construção desse referencial bibliográfico tem sido construído desde sua infância. “Eu sempre li muito desde muito criança. Eu gosto muito da Conceição Evaristo, gosto de como ela articula uma literatura de resistência. Nos últimos dois anos tenho lido muito Patricia Hill Collins. Mas as mulheres que eu leio de verdade são as intelectuais negras brasileiras. Leio muito Lélia Gonzalez, Jurema Werneck, Lúcia Xavier, Heliana Hemetério. Essas são mulheres que me dão sustentação, teórica inclusive. Tem várias mulheres negras que permeiam minhas leituras e que é o que eu acho que facilita minha vida acadêmica porque consigo aprender de maneira mais direta, sem uma série de filtros que preciso ter quando vou ler um filósofo branco, por exemplo”, explica Bueno.

Para ela, a construção e acolhimento dessas intelectualidades negras tem sido um processo que, por vezes, é acolhedor mas que também mantém uma série de dificuldades e violências produzidas no meio acadêmico.


Novos tempos

Questionamos à Winnie Bueno: existe um movimento de redescoberta de autores negros? Sua resposta é enfática: Não há uma redescoberta desses autores. Há, agora, uma valoração da academia branca com esses autores.

Bueno relembra que pessoas negras sempre leram pessoas negras, e apresenta  exemplos: Conceição Evaristo tem a visibilidade que tem porque as mulheres negras sempre fomentaram a leitura dos livros dela. Carolina Maria de Jesus é quem é porque o Movimento Negro sempre fomentou”.

A pesquisadora não acredita em um movimento de redescoberta desses autores, mas sim na percepção de novos tempos onde existe uma valoração editorial desses pensamentos. Para Bueno, esse pensamento sempre esteve presente de forma muito dinâmica e contundente, de forma rebuscada, mas não havia reconhecimento das, como ela mesma conceitua, “estruturas brancas da produção de conhecimento” mesmo que, para pessoas negras, esses autores sempre foram centrais.

“Em termos dessa valoração da academia há, sim, um movimento nesse sentido. Mas nós não largamos de existir se a branquitude resolve que “opa, esses pensamentos não nos valem mais. A gente nunca deixou de existir porque a academia não nos valorizava. Nós sempre produzimos conhecimento”, conclui.

Jhyenne Gomes
jhyennegomes@gmail.com
No Comments

Post A Comment