08 ago Nós também somos universais
Quantos autores negros você lê?
Essa não é uma pergunta capciosa, mas uma instigação para que possamos adentrar nas discussões e reflexões sobre autores negros, que a Conexões tem elaborado nesta semana.
Ketty Valencio, mulher negra, é a filha caçula de Marta e Jonas. Em sua infância e adolescência, um sentimento acompanhava Ketty: a de estar desconectada consigo mesma. Essa “sensação de estrangeirismo”, como ela mesma diz, se apresentava em uma perspectiva íntima, mas também externa, nos locais onde Ketty estava. O sentimento foi ressignificado quando ela teve o seu (re)encontro com a literatura.
Hoje, aos 36 anos, mora na periferia da Zona Norte de São Paulo. De família negra, Valencio, é bibliotecária e livreira, sendo a responsável pela Livraria Africanidades, espaço de resgate e culto a autores e autoras negras.
Saiba mais sobre a livraria e seu significado para Ketty Valencio, na entrevista realizada pela Conexões:
Conexões: O que é a Livraria Africanidades?
Ketty: É minha grande realização, é algo que realmente posso chamar de meu e, portanto, defino assim, como um empreendimento de pequeno porte, com formato físico e virtual, que possui acervo especializado em literatura negra e feminista.
Conexões: Como e quando foi concebida a ideia de criar uma livraria com temática tão específica?
K: Foi através da minha experiência pessoal, de minhas inquietações perante a trajetória escolar e acadêmica. De ter na infância e na adolescência a companhia de um sentimento avassalador, uma sensação de estrangeirismo absurda, de estar desconectada comigo mesma e principalmente nos lugares onde estava e, assim, tive um (re)encontro mágico com a literatura, percebi que a literatura produzida por pessoas negras me resgatava e me emancipava, pois eu me via na história e/ou me identificava com as narrativas, que desse modo as palavras que eu lia tinham o codinome de afeto.
Conexões: Qual é o público principal?
K: O meu empreendimento foi pensado para as pessoas pretas, principalmente, mulheres pretas. A ideia é ser uma ferramenta para o protagonismo dessas pessoas, especialmente, porque são a maioria da população brasileira, mulheres pretas. Mas, também, temos, despretensiosamente, o papel de facilitar a desconstrução de pessoas brancas ou não negras, ou seja, para auxiliar na formação de uma sociedade antirracista.
Conexões: Muitos falam da “redescoberta de autores negros”. Você vê isso como um movimento? Qual é a importância?
K: Acho que é uma consequência. As pessoas negras sempre produziram conhecimento, compartilhamento de suas experiências através de diversas narrativas. Somos um povo pioneiro e vanguardista, porém fizeram nos acreditar em falácias. Portanto, a autoria negra não é moda e nunca será, pois existimos. Atualmente, estamos retomando a história, rompendo as mordaças do passado, encaixando aos poucos os pedaços, os fragmentos não revelados. Mas isso se iniciou lá trás com os/as nossos(as) ancestrais e, hoje, nós somos a continuidade. Não sei se isso é um movimento, talvez possa ser. No entanto, acho que nós pretos e pretas estamos apenas querendo viver, plenamente, e assim contarmos a nossa história através da nossa ótica. Nós também somos universais.
Conexões: A seu ver, qual tem sido sua contribuição para a construção da intelectualidade negra? E como tem sido a construção da sua intelectualidade?
K: Eu sou apenas a ponte, o acesso para algumas memórias negras. Meu papel é esse, de ser uma porta estandarte dessas narrativas. A minha construção é de muita escuta e observação, principalmente quando estou em contato com as/os mais velhos(as). A teoria me ajuda muito, me faz entender um pouco sobre mim e, também, sobre os(as) outros(as), mas a prática é essencial. Não me considero uma intelectual e, sim, livreira que gosta de uma boa conversa, principalmente, de conversar sobre pessoas pretas que vieram antes de nós.
Você pode conhecer mais sobre a Livraria Africanidades no site e na página no Facebook .
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