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Número de pessoas com deficiência cresce nas universidades, porém a adaptação ainda exige mais ações

Pessoas com deficiência somam quase 24% da população brasileira conforme dados do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São vários os tipos de deficiências, desde as intelectuais até as físicas, auditivas, visuais ou múltiplas. Segundo a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, estas são “aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade”.

Diversas leis asseguram os direitos deste grupo social no Brasil, com destaque para a lei Nº 13.146, de 2015, que institui a inclusão da pessoa com deficiência com objetivo de promover condições de igualdade, inclusão social e cidadania. Já no âmbito da educação, o decreto Nº 7.611, de 2011, estabelece que o Estado tem o dever de garantir a educação, assegurar as adaptações necessárias, além de oferecer apoio técnico e financeiro a esses estudantes.

Desde o segundo semestre de 2017, a Universidade Federal de Uberlândia (UFU), por exemplo, passou a reservar de duas a seis vagas, dependendo do curso, para pessoas com deficiência. Algo recente se comparado a outros tipos de cotas, vigentes desde 2012. Para tais alunos existe, ainda, a bolsa acessibilidade, a qual é possível concorrer pela seleção de edital específico oferecido pela Pró Reitoria de Assistência Estudantil (Proae) juntamente ao Centro de Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento em Educação Especial (Cepae).

Um indicativo interessante para a análise deste crescimento é a Sinopse Estatística da Educação Superior, produzida anualmente, desde 1995,  pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). O estudo visa levantar dados quanto ao número de matrículas, concluintes, processos seletivos, recursos e cursos com objetivo de aperfeiçoá-los na prática. Somente a partir de 2013, o relatório passou a comportar uma parte específica para o levantamento das matrículas de alunos com necessidades especiais. Deste início até a última edição divulgada, de 2017, nota-se uma diferença quanto ao número de matrículas nos cursos de graduação do país, que registrou um aumento de 29 mil para 38 mil em quatro anos, como pode ser observado nas tabelas abaixo:


Número de matrículas de pessoas com deficiência em 2013 |
INEP


Número de matrículas de pessoas com deficiência em 2017 |
INEP

O Centro de Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento em Educação Especial (Cepae) foi criado em 2004 para assegurar as condições de permanência e acessibilidade às pessoas com algum tipo de deficiência na UFU, inclusive servidores. O centro acolhe ações e projetos de modo a prestar serviços em todos os campi. São oferecidos serviços como adaptações de material didático, transposição da interlíngua, capacitação dos ledores de tela, orientação aos professores, dentre outros.

O espaço, aberto aos alunos interessados, é coordenado desde 2013 por Eliamar Godoi, que também é docente no ensino de LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, a segunda língua oficial do Brasil. A professora universitária conta que a grande dificuldade é a má formação da escola básica que faz com que o aluno com deficiência chegue à universidade sem ter os requisitos mínimos de aprendizado. “A pessoa com deficiência já tem uma formação fragilizada, o professor da escola básica não sabe libras ou a escola não tem um trabalho de ensinar libras para um aluno surdo. Ele aprende é com outro surdo. Hoje ele tem o direito de ter o intérprete, mas, se não sabe libras, de que vai resolver esse intérprete?”, questiona.

A Universidade Federal de Uberlândia conta hoje com  nove intérpretes disponíveis, sob agendamento, para os deficientes auditivos. Godoi reforça que também deve haver esforço por parte do aluno. “A gente propicia as condições de acessibilidade, o resto é com o aluno, a aprovação por mérito”, aponta. Outro problema citado por Godoi é que apenas três cursos na UFU trabalham com as questões da pessoa com deficiência de forma obrigatória, outros apenas têm de forma optativa. “Pedagogia e Licenciatura em Química têm a educação especial como disciplina obrigatória. O curso de Educação Física tem seu currículo voltado para a pessoa com deficiência, é o único que trabalha essa perspectiva. Tirou esses três cursos, mais nenhum”, conta.

Como apontado pela entrevistada, o curso de Educação Física se destaca e comporta ainda o Programa de Atividades Físicas para Pessoas com Deficiência (PAPD), projeto de extensão aberto aos alunos que, desde 1982, atua desenvolvendo ações para pessoas com deficiência, por meio de atividades esportivas e de lazer.

A falta de preparação dos professores e a receptividade deles é outra grande problemática neste panorama da educação, segundo Godoi, que já atuou na docência da educação básica e teve que aperfeiçoar sua docência em libras por conta própria. Na época, o que despertou seu interesse pelo assunto, até então desconhecido, foi ser selecionada para trabalhar com o que antigamente era chamado de “ensino alternativo”. “Hoje esse tipo de trabalho é conhecido como Atendimento Educacional Especializado. Tem uma sala de recursos multifuncionais e tecnologias assistivas dentro da escola que se atende pessoas com deficiência. Na UFU esse espaço é o Cepae”, explica.


Escadas orientação de piso tátil podem causar acidentes aos deficientes visuais | Foto:
Matheus Minuncio

Apesar do panorama recente, Késia Pontes, doutoranda em História e deficiente visual, que oferece apoio à alunos no Cepae, afirma que o contexto está mudando e que antes era muito mais complicado. “A dificuldade era com a adaptação de material, minha mãe mesmo que adaptava. Até o ensino médio eu não tinha contato com o computador. Mas a questão mesmo é do material e de alguns professores com resistência”, explica. O uso das tecnologias assistivas foram importantes para ela e são para todos que necessitam, segundo Pontes, de modo a suprir as dificuldades em vista do aprendizado. “Tecnologia assistiva é tudo que aumenta a funcionalidade do aluno, um intérprete é considerado uma tecnologia assistiva. A gente tem, por exemplo, os alunos cegos ou com baixa visão que a gente ensina a trabalhar com os ledores de tela para celular ou computador”, comenta a doutoranda que, dentro de sala de aula, costuma gravar e ir anotando o conteúdo em seu notebook.

Alguns aplicativos foram criados  na própria universidade. A UFU possui um grupo multidisciplinar de pesquisadores de diversas áreas, o Núcleo de Tecnologia Assistiva da Universidade Federal de Uberlândia (NTA-UFU), que, desde 2012, vem desenvolvendo tecnologias para o apoio de pessoas com deficiência, idosas ou com mobilidade reduzida.


Os pisos táteis são indispensáveis para locomoção de Késia Pontes na universidade |
Foto: Matheus Minuncio

Apesar dos serviços oferecidos e o aumento no número de matrículas, existe uma preocupação quanto a infraestrutura. O acesso à bibliotecas, laboratórios e banheiros da universidade tem níveis de dificuldade diferentes dependendo do tipo de deficiência. Para Pontes, o acesso é complicado, principalmente nos banheiros com as portas de difícil manipulação para fechar, que fazem alguns alunos segurarem as necessidades. “Tem a norma de acessibilidade, mas nao adianta muito se você não tem uma acompanhamento da pessoa com deficiência. Tem-se colocado todos os pisos táteis, que já um piso elevado junto com um piso normal que também tem relevo, inutilizando o piso tátil”, lamenta.

Já para Pollyana Prado, graduanda em administração e cadeirante, as necessidades são outras, ela considera esses locais de fácil acesso. Mas afirma que tem algumas ressalvas, aproveitando para contar um caso que aconteceu na UFU. “É complicado, porque eu sou aluna como outra qualquer. Já teve dia de professor mudar de sala, a gente foi para outro  bloco e era aquelas salas de auditório. Eu tive que ficar lá atrás porque a acessibilidade é zero”, relata. Prado, que considera sua aprendizagem como boa, contou que suas notas sempre estão no patamar dos outros alunos. Ela afirma que sua maior dificuldade está no caminho que faz até a universidade, usuária do transporte coletivo, no momento está movendo processo contra a companhia responsável pelos ônibus da cidade. “Os ônibus que eu que eu pego têm que ter os elevadores dos dois lados, ora um lado funciona, ora outro não. Às vezes não tem nenhum. Já perdi fisioterapia e já cansei de perder aula e prova”, expõe.


Diariamente Prado utiliza o transporte público | Foto: Matheus Minuncio

O fator preconceito e a convivência com os outros que não compreendem estas dificuldades é outro limitador, até dentro da família, e na educação para as pessoas com deficiência segundo Prado. Ela sofria preconceito na escola devido ao seu quadro de escoliose.  “Pessoas de mente fechada, acham que eu sou incapaz de fazer as coisas. Você pede ajuda e tem pessoas que negam ou viram as costas. Eu prefiro acreditar que a pessoa finge que não ouviu”, comenta. Devido a existência destes comportamentos na sociedade, em alguns locais há grande preocupação de garantir a integração social das pessoas com deficiência. A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, elaborou uma cartilha com dicas de relacionamento para com as pessoas com deficiência.


Pollyana Prado espera se formar em administração já no próximo ano | Foto: Matheus Minuncio

Ao fim da graduação, a inserção no mercado de trabalho formal já conta com uma perspectiva de aumento. Segundo gráfico disponibilizado pelo Ministério do Trabalho, em que é comparada Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2013 a 2017, nota-se o crescimento de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, muito em função das reservas de vagas em concursos públicos, como também as fiscalizações e discussões recentes sobre o cumprimento ou não da lei Nº 8.213, de 1991. A lei determina às empresas com mais de cem funcionários devem ter pelo menos 2% de pessoas com deficiência entre os contratados e 5% para empresas com mais de mil trabalhadores.


É registrado aumento dos trabalhos formais para as pessoas com deficiência | RAIS

Antes de entrar na universidade, Prado trabalhou um tempo e disse que não teve muito problemas para conseguir o emprego. Hoje, a universitária afirma estar se preparando para prestar um concurso público quando se formar, mesmo que o cenário de desemprego se mostra complicado para todo mundo. Eliamar Godoi, coordenadora do Cepae/UFU explica que o assunto é complexo. “Muitas vezes sobra vaga e não tem candidato, outras têm o candidato mas não tem a vaga. A preocupação é como esta pessoa vai se formar para ser um bom profissional. Muitas vezes as empresas ficam com o pé atrás, muitas empresas apenas fazem o contrato só para cumprir a exigência legal”, conclui.

Matheus Minuncio
matheusminuncio@gmail.com
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