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O brilho nos olhos de uma professora otimista

Apesar das precariedades, docente de biotecnologia consegue realizar pesquisa em Patos de Minas.

 

Já pensou em ter uma universidade pública na sua cidade? Já imaginou fazer parte da elite intelectual, aquele 1% que tem acesso a um ensino superior de qualidade? Já sonhou em ser pesquisador? Em Patos de Minas a população tem essa oportunidade, porém parece que não é do conhecimento de todos. “Tem gente que nem sabe que existe UFU [Universidade Federal de Uberlândia] aqui, estamos aqui há mais de cinco anos”, afirma Cristina Fürstenau, doutora e professora da instituição.

Coordenação e sala dos professores estão num prédio cedido pela prefeitura da cidade | Foto: Milton Santos

 

Cristina é gaúcha, mora na cidade há três anos, se mudou após ser aprovada num concurso da UFU para docência em biotecnologia. Ela tem formação em ciências biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com mestrado e doutorado em bioquímica na mesma instituição. Essas informações consegui em um currículo online da doutora. Facilmente achei também seu e-mail e logo enviei perguntando se ela poderia me conceder uma entrevista. Passaram poucos minutos e recebi gentilmente um sim; acerto os detalhes: horário e local.

 

Chego no local combinado, o prédio de laboratórios da UFU. Na prática, a universidade não possui um campus na cidade, salas de aula, gabinetes dos professores e laboratórios estão espalhados em diferentes pontos da cidade e são alugados. Encontro Cristina e conversamos lá mesmo. O local tem alguns equipamentos que deduzo que sejam para pesquisa, e mais tarde isso é confirmado, além de serem utilizado para ensino.

 

Além de professora, Cristina também é pesquisadora. Segundo ela, desde o segundo período da sua graduação, quando fazia iniciação cientifica, trabalha com o mesmo tema: sinalização purinérgica. “Primeiramente se acreditava que o ATP fosse só a molécula energética da célula, apenas aquele depósito de energia da célula utilizado em diferentes processos biológicos. E com o passar do tempo, viu-se que essa molécula também era sinalizadora, que poderia participar de outros processos biológicos”, explica a doutora.

 

Durante a explicação de Cristina, percebo que a ela é bem didática, já que eu que não estudo nada relacionado à biologia desde o ensino médio, consigo entender sua pesquisa. “Então o ATP é uma molécula sinalizadora, além de ser a moeda de energia da célula que precisa chegar ao meio extracelular. Existem vários mecanismos para isso: se ligar um receptor numa célula, o receptor geralmente é uma proteína que está ancorado na membrana, quando ele desencadeia uma série de respostas biológicas dentro daquela célula. Esse sinal pelo ATP precisa ser terminado, precisa ser metabolizado, quebrado em alguma coisa, que faz isso são as ectonucleotidases, as enzimas”, conta mais a professora. 

 

Cristina afirma que se interessa pelas enzimas, pela etapa final da via de sinalização purinérgica. Além de ministrar a disciplina de enzimologia, ela é professora de anatomia humana e bromatologia, que estuda os alimentos.Dentro disso seu foco de estudo é a pressão arterial,. O ATP influencia o sistema cardiovascular que pode levar a uma vasodilatação, modificando a pressão arterial.

 

A professora vem ao longo desses anos caracterizando alguns componentes em tecidos biológicos, em diferentes tipos de hipertensão. “Aqui em Patos tem muita disponibilidade de produtos do Cerrado, existe toda uma movimentação porque no Brasil a flora é rica. Então, nesse momento estamos tentando isolar produtos vegetais de diferentes espécies; se eles podem modular esse sistema purinérgico, no sentindo de reequilibrar, auxiliar no tratamento ou minimizar o progresso da condução da hipertensão”, explica.

 

Questiono como isso tudo é pesquisado no campus da cidade e recebo uma resposta otimista: “ainda é bem arrastado, mas já está muito melhor. Nós não tínhamos esse prédio que você está vendo hoje, então é um prédio muito bem estruturado. A prefeitura de Patos de Minas adaptou ele inteiramente para pesquisa, então temos encanamento de gazes, temos todas as adaptações necessárias para realizar as pesquisas aqui”.

 

 

Cristina comenta sobre o problema do campus, que pela falta de um espaço único acaba tendo três lugares para se trabalhar, porém, segundo ela, a situação já foi muito pior. “Hoje o grande entrave que a gente tem é em relação à consumíveis, insumos. Por exemplo para eu cultivar uma célula, eu preciso de comidinha, eu preciso de reagente”. Para suprir essa necessidade, a pesquisadora afirmou ter tirado dinheiro do próprio bolso. O motivo de tal ato é a fé da docente no potencial dos seus alunos e sua paixão pela profissão, “um professor de ensino superior não é motivado pelo seu salário, tem outras motivações e uma delas é você contribuir com a formação de outros profissionais”.

 

Uma das salas de laboratório, o prédio contem mais de 20 salas que são usadas pelos cursos de biotecnologia, engenharia de alimentos e engenharia de telecomunicação. | Foto: Milton Santos

 

Para ela não adianta ter a estrutura do laboratório se não tem como usar, se tem equipamentos, mas falta, por exemplo sonda e material molecular. “Não sei o que é pior: não ter ou ter e não poder usar”. Cristina acredita que falta muito incentivo para pesquisa na cidade. Porém, a doutora enxerga a situação com um olhar esperançoso: “temos produzido bons trabalhos, apesar de tudo. Eu acredito que eles vão olhar e falar ‘vale a pena, vamos dar uma força’. Os nossos meninos estão saindo bem competitivos e apesar dos entraves estamos conseguindo conduzir uma pesquisa com bons níveis”, comenta. 

 

Apesar da falta de campus, Patos de Minas conseguiu aprovar o primeiro mestrado em biotecnologia da região, o que para Cristina é uma conquista. Para ela isso mostra que a instituição na cidade veio para ficar, que os entraves serão superados. “Eu sou otimista, uma coisa que está ruim tende a melhorar. Eu acredito muito nisso”, conclui.

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