Observatório Luminar
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O conto da mídia brasileira, onde regular é o mesmo que censurar

 

 Vídeo: Intervozes 

 

Quando se fala sobre as políticas de comunicação no Brasil, devemos antes de tudo esclarecer o que tal tema acarreta e quais termos acompanham essa discussão. No princípio de um debate sobre esta temática, a expressão é: democratização da mídia. Terminologia que chama a questão da regulação e, eventualmente, é fechada por debates sobre liberdade de expressão. Por consequência, surge o termo – responsável pelo desmonte de um debate profundo – censura. Ademais, como tudo no Brasil atual, se manifesta o fantasma do posicionamento político capaz de fazer com que o ouvinte – neste caso, leitor – se feche a qualquer opinião diferente. Pressupondo um leitor disposto, os parágrafos a seguir discutem a (falta de) regulação da mídia brasileira e de que forma esta se relaciona com a democracia.

 

Em 1988, com a publicação do texto da Constituição Federal, o Brasil já definia todas as ideias em torno de uma comunicação social democrática. O artigo 220 da Constituição, primeiro e segundo parágrafos, deixa claro o veto a qualquer tipo de censura. Ao mesmo tempo, não contradiz o quinto parágrafo, que dispõe: Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. Além disso, o artigo 221 fala sobre a regionalização de conteúdo, ou seja, assinala que a lei deve(ria) dispor contra a reprodução irrestrita de conteúdos de certas regiões (queridos Sudeste e Sul) em detrimento de outras.

Também na Constituição de 1988, há termos sobre a o equilíbrio dos sistemas privado, público e estatal que deve(ria) ser levado em conta na renovação de concessões.

 

 

Concessões e legislação

 

Mas por que existem as concessões? Se você, leitor, tem pouca familiaridade com o assunto, segue uma breve explicação de como funcionam as concessões de rádio e TV e por que existem. A verdade é: todo conteúdo de rádios e TVs é transmitido pelo espectro eletromagnético – ou seja, o espaço ocupado pelas frequências de TV e rádio – e ele é propriedade da nação. Apesar de estar, literalmente, no ar, essas ondas são limitadas e utilizadas para os mais diversos serviços – desde comunicação multimídia à pesquisa espacial.

Por serem finitas, só podem ser usadas por quem tem devida autorização (a concessão) governamental.

 

O Código Brasileiro de Telecomunicações, em vigor desde 1962, define que o tempo da concessão sobre o espectro eletromagnético é de 10 anos para rádios e 15 anos para TV, com possibilidade de renovação por igual período. E, até março de 2017, dispunha de critérios a serem obedecidos para tal renovação, entre eles: privilegiar a educação, a cultura nacional e regional, a informação no conteúdo, não formar monopólio ou oligopólio de propriedade, entre outras metas de cunho moral, financeiro e fiscal.

 

Quer dizer, até esse ano existiam – ainda que sem fiscalização – alguns critérios para que uma empresa renovasse sua concessão, mas as alterações excluíram do texto a previsão de cumprimento de “todas as obrigações legais e contratuais” e o atendimento “ao interesse público” como requisito para o direito à renovação das outorgas. Fora que foi suprimido o texto que tornava ilegal a venda de uma concessão, ou seja, posso ter a concessão para transmitir chuchu e vender a qualquer um transmitindo abobrinhas sem que o transmissor de abobrinhas tenha que passar por processo de licitação. Essas e outras mudanças tornam ainda mais o espaço das ondas eletromagnéticas em uma “terra sem lei”.

 

 

Regulação e fiscalização da mídia

 

Ao discutir a regulação da mídia os principais pontos colocados são: impedir os monopólios e oligopólios de concessões e a propriedade cruzada de meios de comunicação, barrando que uma mesma rede controle mais do que certo número de emissoras e de outro serviço de comunicação eletrônica no mesmo local, se for empresa jornalística ou publicar jornal diário; o veto à propriedade de emissoras de rádio e TV por políticos; e a instituição de órgão fiscalizador. Mas são essas exigências democráticas? São elas realísticas na sociedade em que vivemos?

 

A resposta a essas perguntas são um grande e sonoro: sim! E podemos discuti-las com exemplos. Em uma síntese bem rápida, podemos falar sobre a regulação das telecomunicações nos Estados Unidos – esse mesmo, do livre mercado –, Reino Unido, Suécia, França, Uruguai e Argentina. Nos EUA as telecomunicações são reguladas pela Federal Communications Commission (FCC), uma agência independente do governo criada em 1934. A FCC regula sobre questões de mercado – e não sobre o conteúdo dessas mídias –, e determina que nenhuma empresa de televisão pode cobrir mais de 35% das residências estadunidenses com sua rede.

 

No Reino Unido, existe o Ofcom que fiscaliza a pluralidade de programação, impede a exposição de material ofensivo e protege as pessoas de tratamento injusto e/ou invasão de privacidade. Na Suécia, é proibida na TV qualquer veiculação de propagandas para crianças até 12 anos antes das 21h. Na França, o Conselho Superior do Audiovisual (CSA) monitora conteúdos com intenção de proteger a infância e o respeito ao pluralismo. No Uruguai, desde 2012, programas policialescos só podem ser veiculados entre as 22h e 6h. E na Argentina foi instituída em 2012, conhecida como Lei de Meios, a legislação que estabelece limites de concessões de TV e rádio que um mesmo grupo de comunicação pode ter, criou a Autoridad Federal de Servicios de Comunicación Audiovisual (Afsca) para a fiscalização e controle da mídia. Mas em 2015, com a troca de presidentes, foi iniciado um processo de desmonte das indicações da lei.  

 

Infelizmente, assim como em toda a América Latina, no Brasil não se consegue instituir uma regulação e fiscalização da mídia, capaz de democratizar a comunicação. Aplicar uma legislação capaz de respeitar o que diz a Constituição sobre a comunicação social é quase impossível, porque quando se fala em equilíbrio entre difusores comerciais, públicos e estatais cutucamos o setor privado. Afinal, no Brasil – o país do oligopólio midiático –, onde somente quatro emissoras concentram 90% da audiência em TV, qualquer debate sobre regulação cai no conto da censura.  

 

  

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