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Ocupações em Uberlândia: um dilema de conflitos e vitórias #EspecialOcupações

Espalhadas, primordialmente, nas periferias, as ocupações urbanas pautam suas lutas no direito à habitação e às condições básicas de trabalho. | Foto: Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade

Historicamente, é quase impossível determinarmos o marco inicial de movimentos ocupacionais e de assentamentos pelo mundo. Seu princípio está intimamente ligado a problemas e acordos de divisão de terras desde o período de disputas por territórios, que, hoje, refletem desde as delimitações de fronteiras urbanas e rurais nas mais diversas cidades, até nas discussões acerca de políticas públicas de habitação.

 

Comumente, esses movimentos são relacionados ao êxodo rural e à precarização das grandes cidades para suportar migrantes de regiões vizinhas, além da ideia desse fenômeno acontecer apenas em países subdesenvolvidos. Entretanto, os movimentos também estiveram fortemente presente nos países mais bem desenvolvidos urbana e economicamente, como é o caso dos Estados Unidos, desde as lutas por reformas agrárias e por habitações populares.

 

Em entrevista ao Glória em foco, a historiadora Flávia Franco explica que fenômenos ocupacionais também podem ocorrer de forma espontânea, sendo essa uma grande característica da formação de territórios urbanos. “Essas ocupações que aconteciam de forma mais desorganizada, formalmente e institucionalmente falando, não eram movimentos sociais sem teto, eram ocupações espontâneas, pequenos ou grandes grupos de famílias que vão ocupando áreas que estão vazias. conta Franco.

 

O primeiro registro da origem desses movimentos no Brasil é da década de 1970, em meio ao cenário de Ditadura Militar. A grande globalização, somada à local mecanização e modernização da agricultura, além de outras formas de subsistência, reduziu os postos de trabalho e expulsou grande parte da população de trabalhadores que vivia do sustento no campo.

 

No dia sete de outubro de 1979, agricultores sem terra do Rio Grande do Sul ocuparam a gleba Macali, em Ronda Alta, surgindo aí, o Movimento dos Sem Terra (MST). Não demorou muito para que a notícia se espalhasse e o movimento ganhasse todos os estados brasileiros sob a bandeira da luta por um pedaço de terra para morar.

 

Cerca de 20 anos após a popularização desde movimentos, na cidade de Cascavel, no Estado do Paraná, em apoio aos assentamentos que largamente se espalhavam pelo país, representantes de organizações camponesas fundam uma nova segmentação dessas lutas: o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). O encontro tinha como finalidade a articulação e a consolidação de experiências ocupacionais nas mais diversas localidades, orientando, assim, uma linha ideológica mais definida para a concepção do Movimento.

 

Atrelado às lutas que sucederam a fundação do MST e do MTST, em 1993, na região cacaueira da Bahia, surge o Movimento de Luta pela Terra (MLT), organização de principal pauta a estruturação de uma reforma agrária no país e que se opõe à extrema concentração fundiária. De acordo com o Coordenador Nacional do MLT, Django Alves da Silva, a principal dificuldade diária enfrentada pelos moradores de assentamentos é a falta de preparo por parte dos poderes executivos para lidar com essas comunidades, muitas vezes extrapolando os limites humanos de tratamento.

 

“Em muitas ocupações, o conflito com a Polícia acontece logo na chegada da mesma, que quer prender todo mundo e agir com truculência, quando, na verdade, o certo seria registrar a denúncia e aguardar que o poder público se manifeste quanto se deve ou não ser feita a reintegração de posse”, argumenta Django quando questionado sobre os desafios enfrentados pelas ocupações em que esteve presente.

Ameaças de ações de despejo amedrontam diariamente os moradores de comunidades ocupadas, entretanto, não se resta outra alternativa quando não se tem para onde ir. | Foto: Letícia França

Django conta que, nos últimos anos, ações de despejo ocorreram em diversas ocupações do MLB pelo Brasil, e questiona: “Mas para onde essas famílias vão? Algumas partem para casas de familiares e outras para ocupações já existentes, mas para uma grande parte, é ocupar ou ir para a rua”.

 

Em 2005, o Movimento conseguiu regularizar a posse da Fazenda Paciência, em Uberlândia, mas desde esse período, nenhuma outra protocolização seguiu para frente. O Coordenador vê isso como uma parcialidade da Justiça, que acaba inviabilizando que essas pessoas tenham conforto e segurança de onde estão morando.

 

Comunidades uberlandenses na luta

 

Os ideais de lutas por terras chegaram ao município de Uberlândia entre das décadas de 1980 e 1990, tendo como perfis populacionais famílias carentes locais, migrantes de estados vizinhos, povos indígenas, entre tantos outros representantes. Hoje, áreas periféricas e frutos de ocupações já garantem o benefício de estarem regularizadas, recebendo, assim, água potável, tratamento de esgoto, coleta de lixo e energia elétrica. São exemplos de bairros no município que se originaram a partir de assentamentos São Jorge, Joana D’Arc e São Francisco, entretanto, outros, como Dom Almir, Celebridade, Zaire Rezende e um prolongamento do Prosperidade estão parcialmente regularizados, ainda com pendências infraestruturais para serem resolvidas.

 Em seis anos, a população da comunidade Élisson Prieto, em Uberlândia, aumentou mais de 500%, hoje chegando a cerca de 15.000 moradores. | Foto: Média Quatro

Em 2010, surgiu na cidade a Associação dos Bairros Irregulares de Uberlândia, no bairro Joana D’arc, organização privada mas sem fins lucrativos com o objetivo de atender e representar as mais de 3 mil famílias que compunham, na época, os assentamentos no perímetro urbano do município. A Associação, desde sua fundação, esteve atrelada à mediação de diálogos entre organizações públicas e ocupações, além da resolução de conflitos a fim de evitar possíveis ações de reintegração de posse.

 

Em meados de 2015, contabilizavam-se 16 ocupações em áreas urbanas da cidade. No mesmo ano, em outubro, o número passou para 25 e, ao final de 2016, já eram 60 assentamentos, de acordo com dados da Polícia Militar de Uberlândia e da Pastoral da Terra.

 

Atualmente, Uberlândia conta com a maior ocupação urbana do Brasil: o bairro Élisson Prieto, mais conhecido como Glória. A área assentada abriga cerca de 15 mil moradores, entre eles crianças, idosos e trabalhadores.

 

O assentamento surgiu no ano de 2012, por moradores provenientes de uma ação de despejo realizada em uma outra ocupação da cidade e partiu da organização do Movimento dos Sem Teto do Brasil (MSTB) em parceria com o MTST. A área ocupada faz parte da antiga Fazenda do Glória, pertencente à Universidade Federal de Uberlândia (UFU), e que, durante os últimos seis anos, esteve atrelada em diversos processos para sua reintegração de posse.

 Metade da população do Glória é composta por crianças, número que conscientiza as autoridades sobre a preocupação de oferecer, ao menos, o básico para a saúde, educação e bem estar desses moradores. | Foto: Thiago Crepaldi

Procurada por telefone para se esclarecer sobre o atual posicionamento a respeito das ocupações presentes na cidade e quais políticas públicas estariam sendo desenvolvidas para a regularização das áreas em questão, a Prefeitura Municipal de Uberlândia se recusou a ceder qualquer depoimento ou informação sobre o assunto para estudantes ou cidadãos com vínculo com a UFU.

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