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Ocupar e resistir: o movimento que se espalhou por Uberlândia sob o olhar de uma secundarista

 

“Eu acho que os secundaristas estão dando uma aula para todo mundo sobre reivindicar os seus direitos”, diz Pietra em determinado momento de nossa conversa sobre o movimento das ocupações nas escolas públicas que tomou conta de Uberlândia. Ela é uma das estudantes que tem se mobilizado desde o início das ações, e, em meio a rápidas reuniões com os colegas para discutir os próximos passos que precisam dar e idas à cozinha para cuidar do almoço, a jovem de 16 anos parou alguns minutos para falar com a Conexões sobre esse momento na educação pública do país, seu interesse pela política e sobre suas expectativas e sonhos pessoais.

 

Pietra é um dos rostos da nova geração cada vez mais engajada politicamente.

Foto: Nadja Nobre / Agência Conexões                                        

 

 

 

Paula Pietra Araújo Nascimento tem personalidade forte e nome de artista. Talvez um indício da carreira que quer seguir. “Eu sou  atriz. Sempre gostei muito de teatro e de cinema e é isso que gosto de fazer. Eu tenho um grupo [de teatro] que se chama Carcará e nos apresentamos nas manifestações”, conta. Quando não está nas ruas ou nos palcos, Pietra está na Escola Estadual de Uberlândia (Museu), onde frequenta o segundo ano do Ensino Médio. Desde o dia 28 de outubro, inclusive, esse foi o lugar em que ela mais esteve juntamente com outros amigos que se mobilizaram para ocupar a escola. Ela diz que logo no início das primeiras ocupações em Uberlândia procurou se inteirar sobre o movimento. “Comecei a pesquisar e me interessei. Aí fiquei me perguntando: por que não ocupar o Museu? Então eu fui a outras escolas que já tinham sido ocupadas, observei como as coisas eram feitas e fui começando a articular com o pessoal”, explica. E referências não faltaram. A estudante também procurou saber sobre a Revolta dos Pinguins, movimento protagonizado por secundaristas do Chile em 2006, em que os alunos ocuparam as escolas públicas para reivindicar melhorias na educação.

 

Pietra afirma que sempre se interessou por política e há algum tempo tem se mobilizado cada vez mais por seus direitos. “Eu e uma amiga sempre discutimos sobre isso. A gente criticava o sistema de ensino, não achava justo. Sempre tive essa vontade de fazer alguma coisa, mas não sabia muito bem como fazer. Então entramos em um coletivo e começamos a ir a manifestações de rua. E isso bem antes da época do impeachment”, lembra. Além disso, a própria escola foi um espaço para ela desenvolver suas ideias e formar-se politicamente. “O grêmio estudantil foi uma oportunidade para a gente aprender mais. Descobrimos que já existia um grêmio aqui, mas ele estava morto, não tinha voz para fazer nada porque aqui é uma escola muito conservadora. [Além disso], não tem atividades culturais aqui e não estamos satisfeitos com muitas aulas porque é aquele negócio de só precisar fazer alguns trabalhos para passar, então não precisa aprender de verdade a matéria, é só fazer os trabalhos”, pontua.

 

Críticas ao movimento e meninas à frente

 

Uma das críticas que se fez as ocupações infere que muitos alunos não sabem o que significa a PEC 241 (atual PEC 55) e nem entendem como funcionaria a Reforma no Ensino Médio propostas pelo atual Governo Federal – alguns dos principais motivos para os protestos. Pietra não acredita nisso. “Eu penso que grande parte entenda o porquê de estar aqui. Só que nem todos têm a habilidade do discurso. A maioria é muito tímida, então você chega para uma pessoa e pergunta o que é a PEC, em tom intimidador, e é claro que ela pode ficar nervosa e acuada. Mas eu vejo o pessoal muito mobilizado, eles estão desenvolvendo um senso crítico enorme, estão se abrindo mais e eu acho isso lindo! A ocupação está fazendo eles crescerem pessoalmente, assim como eu estou crescendo”, afirma entusiasmadamente.

 

Outro ponto que chama atenção de quem tem observado as ocupações pelo Brasil inteiro é a liderança feminina característica do movimento. Pietra está inserida nesse aspecto e acredita que isso é um reflexo do momento atual. “As mulheres sempre tiveram muita força e agora elas estão cada vez mais empoderadas. E a maioria, senão todas as escolas estão sendo ocupadas por uma frente feminina, é incrível! São meninas que estão lá dialogando com o pessoal e eu acho lindo ver essa força tomando cada vez mais espaços, ainda mais com mulheres tão novas”.

 

 

Família e futuro

 

A adolescente é filha única de pais separados. A mãe era fotógrafa e o pai militar quando se mudaram para Fortaleza com uma Pietra ainda bebê – motivo de seu sotaque arrastado, metade mineiro e metade nordestino. Atualmente a estudante mora com a mãe, a quem dá os créditos por seu interesse na política. “Minha mãe é politizada, mas ela nunca me influenciou em nada. Sempre me explicou as coisas quando eu tinha dúvidas. E eu acho muito bom conversar porque os pais têm mais vivência que a gente, mas tem que ter diálogo”, conta. A jovem esclarece ainda que sua mãe apoia o movimento secundarista, mas ao mesmo tempo sente a falta da filha em casa. Em uma semana de ocupação, Pietra diz que só voltou para casa duas vezes e no máximo duas horas. “É, tem a questão da saudade. Estou dormindo aqui por vários dias, e mesmo com os amigos junto, sempre bate aquela saudade da minha mãe. E às vezes acho que eles [pais] sofrem mais do que nós, porque aqui a gente está ocupado o tempo inteiro, mas eles estando em casa sempre ficam pensando em como estamos”.

 

Perguntada se ela sente que está participando de algo grande e com reais chances de provocar alguma reflexão na sociedade, ela é incisiva. “Eu sinto bastante. E é isso que nos dá forças para estar aqui todos os dias”. Além disso, Pietra afirma que pretende continuar usando sua paixão pela atuação para chamar a atenção da população sobre a política e os problemas sociais, como faz hoje. Além das apresentações de rua, a jovem está participando da gravação de um filme sobre a ditadura militar de 64. “Está sendo incrível! E eu quero muito continuar respondendo isso tudo que estamos vivendo com cinema, com arte”, fala uma menina que mesmo tão nova, já demonstra saber que o céu é o limite para ir atrás de seus ideais e sonhos.

 

 

 

 

Agência Conexões
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