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Os museus também gritam

Em Uberlândia, oito museus e três anexos históricos  foram averiguados pelo Corpo de Bombeiros; políticas públicas para preservação da memória enfrentam desafios |  Foto: Fábio Motta / Estadão

Por Beatriz Ortiz e Ítana Santos

 

Depois do incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, no dia 2 de setembro, o Ministério Público de Minas Gerais iniciou um levantamento da situação da segurança dos 430 museus e imóveis tombados no Estado. Em Uberlândia, a vistoria foi realizada pelo Corpo de Bombeiros durante a primeira quinzena de setembro e averiguou a situação dos oito  museus e três anexos históricos de que a cidade dispõe. A custo, o resultado da fiscalização revelou que a situação de Uberlândia não anda muito diferente da do Rio: fiações soltas, falta de recursos e situações de emergência.

No Museu Universitário de Arte (MUnA), por exemplo, fios soltos estão ligados diretamente à madeira, podendo gerar sobrecarga e aquecimento. A consequência imediata pode ser um incêndio. Para Gerson Lima, professor de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), o museu conta com uma manutenção relativamente boa, mas permite deslizes que podem ser perigosos. Douglas de Paula, diretor do museu, complementa: “Basicamente tudo o que a gente tem mexido aqui é emergência”.

Já o Museu Municipal é um dos mais visitados da cidade. Funciona no Palácio dos Leões, na praça Clarimundo Carneiro, e é mantido pela Prefeitura de Uberlândia. A obra e construção do edifício ficou sob responsabilidade de Cipriano Del Fávero que foi executada nos anos de 1916 e 1917. O prédio foi tombado pelo Patrimônio Histórico Municipal em 1985, ou seja, diante de qualquer reforma necessária, deve-se manter a construção com seus traços e cores originais.   Acumulando 101 anos de história, a última grande restauração que o prédio teve foi em 2011, ficando fechado até maio do ano seguinte. Durante esse período houve manutenção no telhado, esquadrias, reboco, pintura, forro e piso. O trabalho foi acompanhado pelo arquiteto Clayton França Carili, especialista em Revitalização Urbana e Arquitetônica e executado pela empresa LJ Construções Ltda. Mas, apenas no ano passado ele passou por uma reforma que substituiu toda a rede elétrica. Hoje, apesar de acumular hidrantes, placas de emergência, extintores de incêndio e caixas d’água, o Museu ainda não possui brigada de incêndio. Em tais casos, o Corpo de Bombeiros é responsável por notificar os museus e registrar  um Boletim de Ocorrência (BO). As instituições têm 120 dias para regularização; se não forem regularizadas até o fim do período, correm risco de fechamento.

“Nossa missão é fiscalizar se os museus possuem certificados de averiguação e verificar as medidas de prevenção dentro das edificações”, explicou o comandante do Corpo de Bombeiros, Tenente André Casarim, ao G1. Além dos dois museus citados, a cidade conta com o Museu de Arte Sacra da Diocese de Uberlândia, o Museu da Biodiversidade do Cerrado, o Museu de Minerais e Rochas, o Museu do Índio, o Museu Diversão com Ciência e Arte (DiCA) e o Museu da Água.

Realidade brasileira

 

Falta de recursos, atraso dos repasses, infestação de cupins, vaquinha solidária. Por tudo isso passou o Museu Nacional antes do incêndio que destruiu pelo menos 20 milhões de ítens. As causas da perda perpassam a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e chegam às mãos dos representantes do Estado: o museu, bicentenário e referência na História Natural do Brasil, sofria com falta de reforma e orçamento reduzido.

Por isso, a diretora de Difusão, Fomento e Economia de Museus do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), Eneida Rocha, acredita que ainda existem muitos desafios para a consolidação de políticas públicas para museus no Brasil. Na Conferência Internacional Museus para quê?, organizada pela British Council em 2016, Eneida defende ao público: “A qualificação constante do Plano Nacional de Cultura (PNC) e do Plano Nacional Setorial de Museus (PNSM), o fortalecimento da articulação entre museu e sociedade e a simplificação das normas de interação com a sociedade civil são desafios cruciais para a nossa atual democracia”.

O Museu Nacional não foi o único a sofrer com esse descaso. Outro caso semelhante ocorreu com o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo. Um incêndio destruiu três andares e a cobertura do prédio que fica na Estação da Luz pelos mesmos motivos, falta de prevenção contra incêndios no local. Ainda temos o Museu do Ipiranga, também na cidade de São Paulo, que se encontra fechado ao público por riscos de desabamento do forro e o Museu de Arte de Brasília que está em obra desde 2007 devido à precariedade da estrutura do prédio, mas que até hoje não foi concluído.

Uma das dificuldades encontradas pelos responsáveis da segurança dos museus é adaptar o prédio às situações de risco, já que as construções em sua maioria são tombadas. Foi o que ocorreu no Museu Nacional e o que ocorre em vários outros prédios históricos do país. O Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) é o órgão responsável por preservar o patrimônio material e imaterial do país. Toda obra a ser realizada em patrimônios tombados deve conter a sua autorização, o que era uma queixa da vice-diretora do Museu Nacional, Cristiana Serejo, que possuía dificuldades em adaptar o prédio às exigências do Corpo de Bombeiros, como por exemplo, colocar uma porta corta-fogo em uma construção com arquitetura da época do Brasil Imperial.

No Brasil, são 3.650 museus espalhados ao longo do território. A região sudeste é a que acumula maior percentual de instituições, abrigando 1443. Sul e Nordeste a acompanham: as três regiões juntas equivalem a 87,83% do número total de museus no país. O Norte e o Centro-Oeste, entretanto, somam apenas 444 instituições nos aproximados 5,5 km² de terra. Nos 3.650 museus brasileiros, estão preservados mais 75 milhões de bens culturais; há visitação de cerca de 80 milhões de pessoas ao ano; e mais de 25 mil são empregadas pelo setor.  

A Política Nacional de Museus do país conta com diversas bases, que vão desde o Programa Nacional de Educação Museal até o Programa de Gestão de Riscos para o patrimônio musealizado. O campo museal, no território nacional, é composto pelo Plano Nacional de Cultura (PNC), Plano Nacional Setorial de Museus (PNSM), Política Nacional de Museus, Sistema Brasileiro de Museus (SBN), Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), Estatuto dos Museus e leis estaduais e federais de incentivo à cultura. Vale lembrar que 90% da produção cultural brasileira é fruto das leis estaduais e federais.

Criado pelo setor museal brasileiro, o PNSM integra o Plano Nacional de Cultura, estabelecido pela Lei 12.343, de 2 de dezembro de 2010. O PNSM é composto por 131 diretrizes desdobradas em 169 estratégias e 560 ações a serem implementadas entre os anos de 2010 e 2020, em nove áreas: 1) gestão museal, 2) preservação, aquisição e democratização de acervos, 3) formação e capacitação, 4) educação e ação social, 5) modernização e segurança, 6) economia dos museus, 7) acessibilidade e sustentabilidade ambiental, 8) comunicação e exposições e 9) pesquisa e inovação.

Beatriz Ortiz
ortizcamargob@gmail.com
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