23 jul PAPD: Onde a educação e reabilitação se encontram
“Eu comecei no programa em 2011. Isso foi muito bom porque ganhei resistência, força, aprendi a conviver com outras pessoas e também ganhei massa. Eu estava com 42,9 kg e hoje tenho 65 kg. Ele melhorou minha qualidade de vida, porque eu não tinha vontade de fazer nada. Me ajudou em todos os sentidos. Hoje faço musculação e natação, e o programa desenvolve várias atividades que fazem a gente continuar crescendo e se desenvolvendo. Eles tratam a gente muito bem e orientam o tempo todo. A gente acaba conhecendo pessoas diferentes também. Pra mim é muito importante”.
Esse é o depoimento da Giseli Ferreira, e só é possível graças à ação de extensão da Universidade Federal de Uberlândia. Como já explicamos, esse nome é dado a toda ação desenvolvida pelas universidades junto à sociedade, levando os conhecimentos desenvolvidos no ensino e na pesquisa para a sociedade. Conforme nos contou, o pró-reitor de Extensão da UFU: “a extensão se assenta em dois pilares: a formação do estudante articulado a uma dimensão socioreferencial, ou seja, esse estudante se articulando com os diferentes espaços sociais”.
Dando sequência à série “A UFU no cotidiano de Uberlândia”, a Conexões apresenta hoje o Programa de Atividades Físicas para Pessoas com Deficiência (PAPD), que envolve diversas ações de extensão. Ele é desenvolvido desde 1982 pela Faculdade de Educação Física e Fisioterapia (Faefi). De acordo com a coordenadora do programa e professora da Faefi, Solange Rodovalho, o PAPD atende em torno de 150 pessoas, entre crianças, adolescentes, adultos e idosos com diferentes tipos de deficiência, como intelectual, física, visual, surdez, múltipla deficiência, e também pessoas com transtorno do espectro autista (TEA).
Além dos atendidos diretamente pelo programa, o PAPD auxilia pessoas associadas da Associação dos Paraplégicos de Uberlândia (Aparu), Associação dos Deficientes Visuais de Uberlândia (Adeviudi), alunos do Centro de Educação Especial da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e da Escola Estadual Novo Horizonte.
Rodovalho defende que a importância do programa está em proporcionar aos participantes o acesso à atividades que contribuem para seu desenvolvimento e promovem um estilo de vida ativo, o que melhora seu estado de saúde e qualidade de vida. Para isso, o programa oferece atividades psicomotoras, aquáticas, além de esportes, lutas, musculação, ginástica, slackline, jogos e brincadeiras. “Há também atividades direcionadas aos pais ou acompanhantes dos alunos do PAPD, como ginástica e musculação”, diz a coordenadora.
O programa colabora na reabilitação das pessoas com deficiência, contribuindo para a independência e autonomia para realização das atividades de vida diária e também melhorando seu estado geral de saúde, relata a coordenadora Solange Rodovalho. Ela conta que o PAPD também estimula a iniciação e inserção das pessoas com deficiência no esporte paralímpico, promove a interação social e o respeito às diferenças e contribui na formação dos estudantes de Educação Física para atuarem com pessoas com deficiência. Para o estudante universitário, ela explica que o programa “incentiva a se envolver com atividades científicas, reconhecendo a importância de planejar procedimentos de ensino que sejam adequados às necessidades das pessoas com deficiência e vivenciando a indissociabilidade da extensão com a pesquisa e o ensino”.
A ação de extensão proporciona também a oportunidade dos estudantes do curso de Educação Física vivenciarem experiências pedagógicas com os participantes. Com a orientação de Rodovalho, os alunos planejam e aplicam procedimentos de ensino para os atendidos. O objetivo das ações é contribuir com o desenvolvimento das pessoas com deficiência, bem como colaborar na reabilitação e qualidade de vida delas. “Essa vivência contribui na formação inicial dos estudantes para atuarem na área da Educação Física Adaptada e Educação Especial”, diz a coordenadora.
Um dos principais objetivos das ações de extensão é exatamente proporcionar ao estudante a oportunidade de vivenciar o que ele aprende em sala de aula. Isso vai de encontro ao que diz Gabriel Sousa, estudante do curso de Educação Física e que participou do PAPD no primeiro semestre de 2019: “A gente teve que estudar a fundo a deficiência de cada aluno”.
Sousa conta que, durante sua experiência no programa, conheceu uma realidade diferente da que imaginava na sala de aula. Ele cuidou de duas turmas, sendo uma de alunos com deficiência intelectual e outra com poliomielite. O estudante relata que, apesar da dificuldade inicial, ele se desenvolveu e hoje aplica o que aprendeu. “Pensei: isso vai ajudar demais na minha profissão. E não é que ajudou? Faço estágio numa academia e esses dias entrou uma pessoa que tem poliomielite. E eu já tenho uma noção de como lidar, como passar cada atividade e tipos de exercício”, relata o estudante de Educação Física.
A coordenadora Rodovalho confirma que essa experiência dos estudantes de Educação Física auxilia também na sua realidade profissional. “O programa é um campo rico de experiências pedagógicas e para a aquisição de conhecimentos e experiências importantes para complementarem a formação inicial dos estudantes”, sintetiza.
A ação de extensão do PAPD é uma das formas da universidade dar um retorno para a sociedade do investimento feito na formação desses profissionais. O programa retorna o investimento por meio do auxílio gratuito que oferece para a população. Um dos atendidos é João Miguel Oliveira, de apenas 6 anos. Como conta sua mãe, Helide Oliveira: “Ele ama o programa. Conta os dias e as horas para ir para lá”.
Oliveira conta que João Miguel melhorou seu comportamento com o PAPD. O pequeno está no programa há um ano e meio, e a partir do convívio com os professores e alunos, já demonstrou melhora na convivência com as pessoas. “Ele é encantado com todos de lá. Todos os professores conhecem ele, até os que não dão aula para ele. E ele cumprimenta todos, conversa com todo mundo, abraça, coisa que ele tinha dificuldade, com relacionamento. Até a convivência com a gente, nós notamos que melhorou”, relata.
O menino tem paralisia cerebral, que afeta os membros superiores e inferiores. Com o projeto, ele melhorou também a coordenação motora, principalmente o movimento da mãozinha, com o qual tinha mais dificuldade. Ele tinha dificuldade de entrar em contato com a água, até para molhar o rosto. No início, ele ficava grudado no pescoço do professor de natação, por se sentir inseguro na água. Agora, dá pra ver o avanço. “No final desse semestre ele já estava mergulhando. O programa foi muito bom pra ele, pro desenvolvimento dele”, emociona-se a mãe.
Helide conta que o resultado de tantas melhoras é uma criança que ama o programa, como descreve sua mãe: “Ele é completamente apaixonado. Apaixonado pelos professores, pelo projeto. Mesmo quando chega cansado da escola, ele fica ansioso para ir. E fica perguntando ‘hoje é dia?’, porque gosta muito.
Corte de gastos
Como temos explicado ao longo das reportagens da série, o bloqueio de 30% sobre as despesas discricionárias, anunciado pelo Ministério da Educação no dia 30 de abril, pode afetar diretamente esse e outros projetos de extensão da UFU. “A extensão, nesta e em todas as universidades brasileiras, tem funcionado fortemente com os recursos discricionários”, diz o Pró-reitor, Helder Silveira.
Solange Rodovalho explica de que modo o corte de gastos pode afetar o programa: “Como o PAPD é desenvolvido com os recursos materiais e espaço físico da Faefi, como piscina, ginásios, sala de musculação e pista de atletismo, se houver redução orçamentária na verba da unidade, haverá impacto ao funcionamento das atividades do Programa”.
Helder Silveira ressalta que Uberlândia é referência nacional em esportes de alto desempenho para deficientes físicos, tanto que a UFU firmou um acordo de cooperação técnica com o Comitê Paralímpico Brasileiro. “Todas as ações que estão ligadas a este programa também sofrem com essa retração, de diferentes modos”, indica o pró-reitor. Nesse sentido, Silveira aponta que o bloqueio sobre as despesas discricionárias pode prejudicar viagens, compra de materiais e outras tantas ações que estão ligadas ao desenvolvimento do programa e do esporte paralímpico como um todo.
No Comments