Observatório Luminar
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Para cada história, uma criança

Em 18 de abril é comemorado o Dia Nacional do Livro Infantil no Brasil, em homenagem ao escritor brasileiro Monteiro Lobato, que nasceu nesta data. Instituída em 2002, pela lei 10.402, a celebração relembra os escritores infanto-juvenis.

Internacionalmente a data é comemorada no dia dois de abril, contudo, a comemoração exclusivamente brasileira foi proposta no intuito de dar ênfase na cultura literária infanto-juvenil voltada aos elementos identitários nacionais, escrita da qual Lobato foi pioneiro.

A leitura, no sentido da informação, educação e cidadania, é uma ferramenta indispensável para destaque do desenvolvimento do país, uma vez que, quando os cidadãos não possuem a capacidade de ler, ficam sem acesso à informação. No âmbito das políticas públicas e ações de incentivo a leitura no Brasil, podemos destacar importantes marcos como a fundação do Instituto Nacional do Livro, em 1937, a criação da Fundação Pró-Leitura, em 1988, a publicação da lei 10.753, que instala a Política Nacional do Livro, em 2003, e mais recentemente a criação do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), em 2011.

Todas essas políticas reúnem diretrizes voltadas ao fomento à leitura e à literatura, contudo não têm sido eficientes para o alcance do objetivo de assegurar e democratizar o acesso educação literária no país. Mesmo conscientes das dificuldades que serão enfrentadas, escritores por iniciativa própria trilham suas histórias na cultura literária e desbravam a leitura para além de um nicho de mercado, mas como a difusão da educação e do conhecimento.

Neste ano, a literatura infanto-juvenil brasileira completa 124 anos e histórias como a de Sandra Diniz restabelecem a concepção da educação e da literatura voltada à crianças. Foto: Pedro Prado | Agência Conexões

Sandra Diniz, sorridente, recebe com prazer a todos em seu escritório quando o assunto são suas histórias como escritora, e seu repertório para contá-las não é diferente do dos livros, tudo se inicia com “era uma vez”.

Extrovertida e um tanto quanto a “frente do seu tempo”, quem conduz o papo é ela, sincera e direta em tudo o que diz mas sempre bem humorada. Desde cedo, Diniz conta que começou a acompanhar seu pai nas aulas que dava num colégio em sua cidade. Seu pai era um grande homem, ela diz, sua primeira vez na escola foi apenas com 18 anos, mas mesmo assim aprendeu muito e se tornou um grande apaixonado pela educação. “Meu pai recitava Camões a mim e meus irmãos na cozinha toda vez que acabava a luz, esperávamos ansiosamente por esse momento. Ele fez crescer em nós o gosto em aprender”, conta.

Não demorou para que a filha pegasse o jeito e trilhasse os mesmos caminhos do pai. Depois de anos o acompanhando nas aulas, aos 14 anos já se sentia preparada para encarar de frente a tarefa de comandar uma turma só sua, todos os alunos mais velhos que ela. E hoje, aos 66, a sala de aula ainda se faz presente em sua rotina e afirma com convicção que realmente nasceu para isso. “São tantos anos dando aulas que hoje eu não sei se consigo mais viver sem”, diz ela esboçando um sorriso sincero.

Diniz não é de se exibir, mas conta com orgulho que todo o seu conhecimento adquirido parte da sua paixão pelas palavras. “Durante minha época no colégio, eu matava todas as aulas de educação física para ir à biblioteca ler, cheguei a ler todos os livros de minha escola. Não tinha muitas amizades na época, por isso fazia aquele lugar um refúgio”, diz ela em meio a grandes risadas.

Ela começou sua história acadêmica quando entrou para o curso de Letras na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a fim de reafirmar aquilo que ela tanto sabia, sua intimidade com a leitura e com a linguística. Concluiu o curso e por ali já se sentia realizada, mas conta que, para acompanhar seu primeiro marido, entrou para uma nova graduação, desta vez em Pedagogia, marcando sua entrada para o universo da educação infantil. As salas de aula alimentam seu espírito de criança, que ainda estava bem vivo. Por anos acompanhou como a educação é aplicada e fundamentada desde o ensino básico até o superior, tentando sempre o seu melhor para aprimorá-la.

Passados alguns anos desde seu profundo contato com a educação infantil, tinha chegado a hora de agora concretizar uns de seus maiores sonhos: aumentar a família. Contudo, frustrantes tentativas de engravidar fizeram parte deste período para Diniz. 408 vezes para ser exata, conta ela. “Toda menstruação eu estava cheia de esperanças em ser daquela vez a minha hora de ser mãe, mas no final foram 408 vezes que fiquei angustiada após a resposta do não”, relembra. O acompanhamento médico chegou ao diagnóstico que tanto temia, a infertilidade. Durante um momento, relata como foi angustiante receber esta resposta, mas não se permitiu desistir e partiu para a decisão algumas vezes cogitada, a adoção de seu primeiro filho.

Dito e feito. E depois dele vieram mais dois, depois mais três, e logo a casa estava cheia como ela queria. Há quem diga que talvez não fosse para ter filhos, contudo Diniz prova o contrário. “Mesmo não tendo filhos biológicos, posso dizer que o amor de uma mãe para os seus filhos é muito acima do fato deles terem saído se seu ventre ou não”, diz ela. Diniz conta que hoje, infelizmente, dois já não se fazem mais presentes em sua vida, faleceram por problemas de saúde, mas diversas fotos relembrando os melhores momentos com eles decoram seu escritório, eternizando aqueles filhos que não nasceram de seu útero, mas sim de seu amor.

Ela já viveu e aprendeu muito, conta, por isso decidiu começar a escrever. Seu público nunca foi diferente, as crianças são sua principal inspiração e almejo quando vem uma nova história. Livros infantis decoram sua estante, criou cada um de seus filhos ensinando desde pequenos as grandes virtudes da leitura e da escrita.

Na década de 90, de passagem por Goiás, decidiu aprofundar ainda mais nessa grande área e se dedicar à um mestrado em Linguística. Durante toda sua vida, Diniz explica que sempre gostou de escrever e que guardava seus manuscritos prontos para conquistar futuros leitores, e logo a oportunidade de publicá-los surgiu. Após o seu mestrado, de volta à Uberlândia, uma editora se interessou por seus trabalhos e a proposta para criar uma primeira coleção de livros infantis assinados por ela repentinamente permitiu cumprir todos os seus planos.

A primeira leva de livros escritos por ela ganhou o nome de Coleção Tempero, 12 histórias infantis que inseriram abordagens sobre amizade, maternidade, adoção e individualidades de forma compreensível e interativa para crianças. A motivação para continuar não parou a fez iniciar um doutorado, também na área da linguística, mas acabou interrompendo pela descoberta de um câncer. “Achei que eu ia morrer e não precisava morrer doutora, tinha mais é que aproveitar”, conta dando gargalhadas.

Diniz se tratou, e a vida como educadora e escritora seguiu. Depois disso, mais uma nova coleção surgiu, e hoje são tantos títulos que nem ela se lembra o nome. Suas histórias relatam sobre problemas pessoais, sociais, dificuldades e superações, pois ela acredita que nunca é cedo para aprender sobre viver. Foram 13 anos escrevendo tudo que lhe vinha à cabeça, mas ela conta que não parou, novas histórias estão sempre surgindo, só mudou seu modo de contá-las. “Hoje em dia decidi colocar minhas histórias na internet, é a maneira mais fácil e rápida delas ganharem proporções inimagináveis”, diz ela.

Seu livro mais conhecido é intitulado por “Dona Coelha não podia ter coelhinhos”, que trabalha a temática de adoção e maternidade para crianças. “Nesta história apresento experiências minhas de uma maneira mais sutil para crianças. O coelho é o animal mais fértil do mundo, mas coloco a problemática se um deles não pudesse ter filhos. Como seria se uma mulher com os maiores desejos de ter filhos mas não pudesse ter? Entro aí explicando delicadamente para crianças como surge a adoção”, conta ela.

Sobre suas dificuldades e superações na escrita ela conta: “Escrever para crianças me ensinou duas grandes lições, a primeira é que nunca podemos mentir para uma criança, por mais duro que seja, temos sempre que ser sinceros com elas; a segunda é sobre a delicadeza, escrever sobre morte, problemas de adultos e outros assuntos são quase um dilema para nós que lidamos com crianças, mas é importante e fundamental inserir desde cedo essas preocupações, contudo de forma delicada”.

Diniz conta que vê hoje sua trajetória na educação e na escrita como eternos anos de aprendizado, mas mesmo assim acha que sempre procurar mais conhecimento é fundamental. “Em quatro anos, por conta de minha idade, serei obrigada a deixar as salas de aula como professora, mas não penso em parar, verei aí pela frente uma pós-graduação, um novo mestrado, quem sabe?”, diz ela com confiante.

Ela não mente, a vida financeira como escritora não lhe rendeu muito, mas também que não foi por isso que ela decidiu começar a escrever, sua aspiração por esse lado da educação surgi a cada vez que retorna às salas de aula. “Escritores são, para mim, como os grandes poetas, conseguimos colocar em palavras aquilo que, às vezes, achamos impossível descrever”.

Agência Conexões
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