Observatório Luminar
Luminar é um observatório de mídia voltado para o acompanhamento sistemático da cobertura jornalística sobre políticas públicas. Acesse clicando aqui

“Para evitar a evasão escolar no ensino médio é preciso uma política de inclusão”

O Ensino Médio é a última fase da educação básica escolar, seu objetivo é aprofundar os conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental e preparar para o ingresso no Ensino Superior. Desde 2013, ele é considerado etapa obrigatória na formação do jovem, porque, embora não tenha a especialização que um diploma de Ensino Superior pode oferecer, é importante no momento de conseguir um emprego. 

No entanto, em 2020, a pandemia de Covid-19 acarretou grandes mudanças na educação. A respeito do ensino remoto, muitos estudantes pararam de estudar por falta de organização e conciliação com a nova metodologia.  Enquanto que, ao somar esse novo sistema de ensino à crise econômica, muitos se encontraram na situação de precisar abandonar os estudos devido à necessidade de trabalhar. 

Para entender melhor o assunto, a Conexões conversou com Robson Luiz de França, doutor em Política Educacional e professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia. 

Conexões: É possível destacar os principais equívocos e acertos no que tange às políticas de enfrentamento da pandemia pelas escolas públicas? O que poderia ter sido feito a mais?

Robson Luiz: Dentre os diversos problemas existentes na educação escolar, no contexto da pandemia, destaco a ingerência por parte dos governantes, sejam municipais, estaduais e, até mesmo, federal, na implementação rápida de mecanismos de aproximação das famílias com a escola, dentre eles, a ausência de política de expansão de internet escolar. As famílias com melhores condições financeiras tiveram um impacto menos desfavorável quanto à acessibilidade à rede de comunicação de dados, equipamentos e espaço adequado de estudo. Enquanto as famílias com menos recursos, em sua maioria, não tinham condição financeira de manter as crianças, que acabaram por ficar, muitas vezes, sem acesso algum à internet ou a condições de assistir às aulas remotas. Um grande equívoco, explicitado nesta pandemia, é que se infere que os pais teriam condições de acompanhar os filhos em casa, mesmo na situação de redução de mobilidade ou isolamento social. Entretanto, foi perceptível que a escola ainda é a grande responsável pela educação escolar. Outro equívoco foi o de que o acesso às redes de internet estava resolvido. É preciso diferenciar o acesso a um celular com comunicação de dados limitada do acesso a uma aula ou plataforma de ensino à distância. Por conta de dificuldades de concentração em casa, problemas familiares, ausência de apoio técnico, necessidade financeira e complicações com a conexão de internet, por exemplo, muitos alunos não conseguiram enfrentar toda essa situação e abandonam o ano letivo. Apesar do ensino remoto já ter sido regulamentado pelo Ministério da Educação na LDB 9394/1996, a escola, as famílias, os alunos e alunas não estavam preparados para utilizar esse modelo educacional, foram levados a se adaptar rapidamente às aulas remotas.  A concepção de educação foi ampliada pela utilização das tecnologias. 

Conexões: Quanto aos recursos públicos destinados à educação, que já vêm sendo reduzidos desde a PEC do Teto de Gastos, como essa escassez continuada impactou a educação na quarentena?

RL: Ao longo de 2017 até o presente, foi construída uma falsa narrativa sobre a educação e os educadores. Primeiro, afirmava-se que o problema da educação brasileira estava na “ideologização” da educação por movimentos considerados de “esquerda”. A partir disso, originou-se a justificativa que o necessário seria uma mudança da “cultura” escolar. Veio então a redução paulatina de investimentos na educação pública e, por sua vez, o empobrecimento das escolas, redução de professores, não contratação ou abertura de concursos públicos, ausência de melhoria das redes físicas e de internet. É natural que a ausência de investimentos impacte seriamente a qualidade da educação, uma vez que a qualidade não se faz apenas com a mudança de conteúdo curricular. Assim, é preciso de condições materiais concretas: estrutura física, laboratórios, acesso ilimitado à rede de comunicação – internet, professores bem remunerados e com carga horária compatível com a disciplina e com tempo na sua carga horária para aperfeiçoamento, conforme prevê a legislação (LDB 9394/1996), dentre outros fatores fundamentais.

Conexões: Pedagogicamente, é possível dizer que houve algum avanço com a experiência do ensino remoto?

RL: Sem dúvida. O avanço, a meu ver, foi um parto doloroso para a grande maioria dos professores que tiveram de se adaptar ao ensino remoto, criando estratégias possíveis para ministrar suas aulas à distância, adaptar-se às situações jamais vividas nesse contexto – como, por exemplo, crianças assistindo aula das cozinhas e dos quintais de suas casas –, organizar material didático pedagógico impresso e enviar para os alunos, acessar plataformas de aulas remotas, montar boas aulas remotas, etc. Por outro lado, abriu às famílias a visão do que é realmente ensinado nas escolas, desmontando a narrativa falaciosa do discurso comunista, ou seja, a escola vista pelos pais. O contato dos pais com a escola pode mostrar a eles como realmente ela é, com ensino de matemática, português, ciências, leitura e interpretação de textos, entre outros. Vale lembrar também que, de forma emergencial e ainda com escasso tempo de planejamento pedagógico, professores e gestores escolares, público e privado, da educação básica a superior, tiveram que adaptar em tempo real o currículo, atividades, conteúdos e aulas projetadas para uma experiência pessoal e presencial. Além disso, transformou o ensino remoto emergencial em um verdadeiro laboratório de implementação de práticas pedagógicas experimentais. No entanto, também se percebeu a necessidade de avanço e aprimoramento de ferramentas pedagógicas tecnológicas e de acesso a todos os estudantes com vista à melhoria do ensino e da aprendizagem.

Conexões: Diante das polêmicas declarações do ministro da Educação sobre a inclusão de pessoas com deficiência, surge a dúvida: qual foi o impacto do isolamento social para estudantes com deficiência? 

RL: Agora os pais perceberam a importância da existência da escola, sua real função para além da aprendizagem escolar, a convivência. Muitas crianças foram impactadas pelo isolamento. Isolamento dos amigos, das atividades na escola, dos professores, do sair de casa. O retrocesso da inclusão nada mais é que fruto do desconhecimento educacional, das pautas da educação no século XXI, não só do Brasil, mas dos países democráticos e desenvolvidos. O que se quer agora é retroceder com a inclusão aos moldes do século XIX e XX.

Conexões: As escolas públicas de educação do ensino médio estavam/estão preparadas para um retorno seguro às atividades presenciais? 

RL: Não podemos generalizar se as escolas públicas estão preparadas ou não para o retorno presencial. É preciso considerar diversos fatores, dentre eles o mais importante: a imunização das famílias e, principalmente, os adultos, professores e professoras. Portanto, vai depender de cada estado ou município envolvido e do quão adiantado está esse processo de imunização.

Conexões: Como evitar a evasão escolar do ensino médio em tempos de pandemia?

RL: O ensino médio sempre foi considerado o gargalo na educação brasileira visto o alto índice de evasão escolar. Para evitar a evasão escolar, principalmente no ensino médio, é preciso uma política de inclusão social desses jovens que leve em consideração uma renda mínima que estimule o estudante a permanecer matriculado, uma vez que a evasão se dá principalmente pela busca de renda por meio de trabalho por parte desses jovens.

Conexões: A respeito do ENEM, por que esse ano de 2021 teve o menor número de inscrições? 

RL: O Exame Nacional do Ensino Médio 2021 registrou  o menor número de inscrições confirmadas desde 2005, ano em que as notas da prova ainda não eram utilizadas como forma de ingresso no ensino superior. Isso se dá por várias razões, entre elas, a não conclusão do ensino médio – uma vez que a evasão escolar aumentou em tempos de pandemia; a necessidade de trabalhar – tendo em conta que muitos desses jovens se tornaram, na pandemia, chefes de família, vez que os pais ficaram desempregados; prazo curto para requerimento de isenção da taxa de inscrição e falta de perspectiva futura, desalento. 

Conexões: Na sua opinião, como garantir aos estudantes de escola pública equidade nos processos de ingresso no ensino superior?

RL: Três fatores fundamentais podem garantir a equidade nos processos de ingresso no ensino superior: Um: equidade de acesso como fator primordial, todos devem ter as mesmas condições de competir para o ingresso ao ensino superior, o que passa, obrigatoriamente, pela qualidade de ensino e aprendizagem nas escolas públicas. Dois: equidade de participação no processo de aprendizagem, uma vez que os estudos apontam que não basta garantir o acesso, é preciso que o estudante tenha assegurado o sucesso de aprendizagem durante o curso, tendo em vista mais diferentes características de desigualdades apresentadas pelos estudantes no início do curso superior, dessa forma se faz necessário um apoio e acompanhamento objetivando ajudar os alunos com risco de fracasso. Três: equidade de resultados, que por sua vez está diretamente relacionada às medidas de garantia de permanência na escola, quais sejam: bolsas de estudos para alunos carentes, programas de moradia estudantil, creches para filhos de mães/estudantes, transporte escolar, alimentação. Essas medidas são fundamentais para garantir o ingresso e a permanência dos estudantes na universidade, uma vez que um dos fatores que contribuem para a evasão se dá exatamente pela ausência de condições de se manter. Penso que as políticas de inclusão no ensino superior já foram implementadas e precisam, talvez, de ajustes e consolidação, dentre elas as cotas para pessoas oriundas da escola públicas. 

Conexões: A experiência de fechamento das escolas durante a pandemia alterou a percepção social sobre a educação e seus profissionais? Como?

RL:  Parece que se vislumbrou uma escola para além das narrativas construídas.Muitas escolas, públicas e privadas, exageraram na expectativa que professores e familiares conseguiriam, em tempo recorde, uma adaptação ao ensino remoto. Acreditava-se que as famílias dariam conta do recado e que os professores estavam totalmente preparados para remodelar suas aulas adaptando-as ao ensino remoto. Assim, deveriam ter sido consideradas as diferenças substanciais entre as famílias, posto que algumas poderiam ajudar mais seus filhos a aprender que outras famílias. Além do mais, o tempo em que as aulas ocupam diariamente exigiu dos pais mais dedicação ao acompanhamento dos estudos dos filhos, auxiliando-os com as aulas online. Por outro lado, diversas famílias ficaram trabalhando na modalidade home office e cumprindo jornada laboral integral. Enquanto outros familiares tiveram que trabalhar externamente para garantir o sustento das famílias. Porém, existem outros fatores, tais como habilidades não cognitivas dos responsáveis pelas crianças; dificuldades de acessar o material online; a limitação ou quantidade de conhecimento dos pais para ensinar determinados conteúdos que não foram, inclusive, conteúdos que aprenderam. Essas questões ressaltaram a importância da escola, dos profissionais da educação e, de certa forma, obrigaram as famílias a terem contato com o verdadeiro material de aprendizagem dos estudantes, bem como com o seu conteúdo. 

Júlia Vidotti
julia02vidotti@gmail.com
No Comments

Post A Comment