21 abr Para evitar fraudes, UFU adotará comissões de validação de candidatos à cotas raciais
No início de abril, a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) publicou a decisão da Diretoria de Processos Seletivos (DIRPS) de formar uma comissão técnica que validará ou não a autodeclaração do candidato que optou por concorrer como cotista preto, pardo ou indígena (PPI) no processo seletivo 2017-2 da UFU. A decisão, segundo o professor e diretor de Processos Seletivos Dennys Garcia Xavier, é resultante da necessidade apresentada por denúncias de fraudes no sistema. “Nós ficamos diante do seguinte dilema: ou enfiamos o dedo nessa ferida e vamos montar as comissões para analisar os casos presencialmente ou vamos deixar a fraude como uma possibilidade, não remota, mas uma possibilidade real e fazer vista grossa”, indica o diretor da DIRPS.
Em breve será publicada uma portaria com os nomes da comissão avaliadora. Foto: Nadja Nobre/ Agência Conexões
A comissão atuará depois do vestibular, quando a universidade já tem as notas e documentações dos candidatos e estes se enquadram no grupo de candidatos com “possibilidades reais de serem aprovados”. A previsão é de que cerca de 250 vestibulandos sejam convocados para a entrevista que ocorre antes da universidade anunciar a primeira chamada do vestibular, nos dias 13 e 14 de julho. Os candidatos chamados devem comparecer à UFU, para uma entrevista presencial curta que avaliará se o concorrente nas modalidades 1 e 3 do vestibular apresenta ou não características fenotípicas de preto, pardo ou indígena que validem sua autodeclaração feita no processo de inscrição. “Por uma questão de isonomia vamos chamar todos (PPIs em vias de aprovação). […] O cuidado que a gente teve foi de disponibilizar webconferência para quem é de fora, não tem condições financeiras de comparecer, etc”, completa Xavier.
Serão duas bancas atuantes, cada uma com a presença de um docente, um técnico e um discente. A comissão será uma instância decisória, portanto, caso a invalidação seja feita, o candidato será reprovado por conta da autodeclaração, sem possibilidade de ser mudado para a ampla concorrência. A orientação da DIRPS é de que o indeferimento seja concluído quando houver decisão unânime da comissão sobre o fato de que aquele candidato não é nem preto, nem pardo, nem indígena.
Sobre a entrada por meio do Sistema de Seleção Unificada (SISU) no ano que vem, o diretor da DIRPS indica que a universidade vai implementar a comissão, mas que esta deve ser revista logisticamente. Quanto aos candidatos que ingressaram pelo sistema em 2017-1, Dennys explica que a comissão ainda não estava em vigor. “Mas não é que somos omissos, a documentação do candidato chega, por exemplo, foto de ruivo de olho verde se declarando pardo. Encaminhamos isso para a comissão da PROGRAD. Tem muita gente que pode ser chamada para se reapresentar”.
Critérios utilizados
Questionado sobre outras possibilidades de critérios a serem considerados pela comissão, como a contextualização cultural, social e familiar do indivíduo concorrendo como PPI, Dennys defende o critério de avaliação por fenótipo. “O problema é que a coisa é tão delicada que não há solução alternativa. Você está em um país miscigenado. Não se trata só de como eu me vejo, mas de como eu sou visto na sociedade […]. Não tem como puxar uma documentação, simplesmente para dizer: ‘meu pai é negro, meu bisavô era negro’. Pois a coisa se torna muito mais complexa, como intercruzar esses dados?”, diz o diretor.
A estudante de pós-graduação em Filosofia e participante do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (NEAb/UFU), Lorena Oliveira, defende que a comissão se faz necessária porque o racismo é fenotípico e não bastaria somente a autodeclaração. Para ela, a falta de verificação nas cotas PPI é a razão das fraudes no sistema. “Quem é preterido e quem não alcançou os bancos escolares? Os negros retidos com mais perfil de descendência africana. Então são esses alunos que são alvos das políticas afirmativas. É por isso que é necessário uma comissão de averiguação desses participantes, se eles possuem o perfil das pessoas para quem essas políticas são voltadas”, defende.
No entanto, o diretor da DIRPS declara que o “problema é avaliar o pardo”,considerando que hoje se utiliza, prioritariamente, as definições de cor e raça do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE). Há um grande espectro de possibilidades de identificação para os pardos, já que o instituto traz em seu site oficial a informação de que se encaixa na cor parda a pessoa que “se declarou mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça”, possibilitando uma variedade gigantesca de características fenotípicas possíveis.
Movimento Estudantil
De acordo com estudantes que participam ativamente do movimento estudantil da UFU, a criação da comissão será benéfica, pois inibirá casos de fraude. No entanto, algumas observações são apontadas. O estudante do sétimo período de graduação em História, membro do Centro Acadêmico do curso e do Movimento Negro, Regis Rodrigues Elisio, entende que o trabalho da comissão será importante. Também ressalta que as entidades representativas dos estudantes deveriam promover a consciência em seus cursos, para que toda a universidade tenha conhecimento sobre o uso indevido das cotas. “O movimento estudantil tem parcela de responsabilidade nesse processo. As entidades precisam agir no sentido de denunciar casos suspeitos. Mas se os estudantes se abstém, fica o clima que a gente vê hoje na UFU, como se não estivesse acontecendo nada. O DCE, sobretudo, tem essa tarefa, precisa funcionar, precisa de uma diretoria de combate ao racismo, uma coordenadoria geral que funcione, o conselho das bases – Centros e Diretórios Acadêmicos – tem que funcionar”, afirma o estudante.
A importância do engajamento dos estudantes no combate às fraudes pode ser vista na atuação do movimento estudantil e do movimento negro da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), durante o escândalo em que estudantes do curso de medicina foram indiciados por fraudes nas cotas.
O estudante Bruno Batista Soares, do quinto período do curso de Ciências Sociais da UFU, concorda com a criação da comissão. “Muitas pessoas cumprem o processo burocrático para conseguir uma vaga por meio das cotas e fraudam o processo. Existem casos no meu curso”. O estudante destaca que deveria ocorrer um debate para chamar a comunidade interessada, principalmente o movimento negro e as outras pessoas que gostariam de contribuir na discussão dos critérios que serão estabelecidos. “A comissão se baseará no fenótipo, esse critério é ambíguo, porque de certa forma uma pessoa pode se considerar negra e outra não. Acho que o NEAb e o Movimento Negro deveria trazer esse debate, mas não estipular uma representação”, sugere o estudante. Além disso, ele enfatiza que “é importante tomar cuidado para que não ocorra constrangimento das pessoas que realmente têm direitos às cotas”.
Experiência da UnB
A Universidade de Brasília (UnB) foi uma das primeiras universidades a adotarem o sistema de cotas antes do Decreto nº 7.824/2012, a chamada Lei de Cotas, que regulamentou a questão. Quando começou a adotar o sistema, em 2004, a UnB avaliava as candidaturas em modalidade de cotas raciais através de fotos dos candidatos tiradas no momento da inscrição. Em 2007, uma polêmica envolvendo gêmeos idênticos que foram classificados de forma distinta com relação à elegibilidade para cotas raciais obrigou a universidade a rever o processo e adotar entrevistas presenciais como forma de verificar fenotipicamente as candidaturas para ações afirmativas. Com a promulgação da Lei de Cotas, em 2012, a UnB decidiu adotar apenas a autodeclaração como critério, seguindo as especificações da legislação e do Ministério da Educação.
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