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Pé na estrada pra por o lápis na mão

“Ai mãe, hoje tem que andar?”, essa é a pergunta que Eduarda Ramos de sete anos faz quando é acordada mais cedo que o normal para ir pra escola.

Duda, como é apelidada desde que se conhece por gente, é filha de agricultores familiares e sempre viveu no campo, é criada em chão de terra, correndo descalça e subindo em pé de fruta, conhece o lote 29 da Fazenda Douradinho como se fosse à palma da mão. Os pais, Francisca e Evaldo, escolheram a vida rural quando se casaram há mais de 15 anos. Ambos criados na roça, não conseguiram se adaptar a vida urbana e arrumaram seu pedacinho de terra à cerca de 40 km da cidade, de onde vem o sustento da família.

Sendo pequenos produtores, cultivam em suas terras legumes e frutas que são vendidas nas feiras na cidade. A lida de Francisca e Evaldo começa cedo, antes eram os primeiros a acordar para dar início aos trabalhos na roça; agora, Duda acorda mais cedo, o caminho até a escola é extenso.

Eduarda é uma das mais de três mil crianças e adolescentes afetadas pela mudança na forma de transporte escolar na Zona rural de Uberlândia. Até o fim do ano letivo de 2018, os alunos das escolas nas zonas rurais eram buscados nas portas de suas casas e levados até as escolas por vans escolares; no início do ano letivo de 2019 essa realidade mudou, agora os alunos precisam se direcionar a pontos fixos para serem buscados por ônibus que realizam uma linha até a escola.

Para Duda isso significa andar cerca de 4 km até o ponto de coleta do ônibus, como a família não possui transporte próprio, a estrada de terra se alonga sendo medida a passos pequenos.

A mudança é produto de uma alteração na forma de licitação de transportes escolares realizada pela Prefeitura. Até o fim do ano letivo de 2018, a contratação era realizada por meio das cooperativas de vanzeiros e motoristas. Em janeiro de 2019, a prefeitura publicou edital com  contratação individual e sem contratação por cooperativas, uma mudança recomendada pelo Ministério Público. Das 240 vagas abertas, poucas foram preenchidas. Os números não foram divulgados e, para suprir a demanda de transporte temporariamente, o município estabeleceu linhas de ônibus fixas até as escolas.

Francisca acorda às 5 da manhã todos os dias, já é de costume. Antes esperaria mais uma hora para acordar Duda. “Às vezes ela acordava só quando ouvia a van chegando”, conta a mãe. Agora, acordar Duda é sua primeira tarefa ao se levantar, as duas se arrumam, tomam café e colocam o pé na estrada. Levam de 30 a 40 minutos para chegarem ao destino e, então, aguardar. Eduarda é aluna da Escola Municipal Leandro José de Oliveira que também fica na Fazenda Douradinho, por isso o tempo dentro do ônibus não é tanto, 20 minutos e já chegou ao local. Nesse período Francisca ainda está na estrada, voltando para casa. Sendo que, chegando lá, não demora muito antes de precisar trilhar todo esse caminho novamente para buscar Eduarda.

Segundo a Prefeitura, em nota, enquanto todas as vagas da licitação para motoristas escolares não forem preenchidas, o transporte permanecerá por meio dos ônibus. O ano letivo nas escolas rurais começou em 25 de fevereiro e a situação ainda não foi resolvida.

Karen Muniz
munizkaren.k@gmail.com
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