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Pesquisador espanhol debate sobre liberdade religiosa e de crença no Estado laico

Por Beatriz Ortiz e Milena Félix

Na semana passada (6), o professor de Direito da Universidade Complutense de Madrid (UCM) Javier Martínez-Torrón veio à Uberlândia para participar do Seminário Interdisciplinar sobre Estado, Direito e Religião promovido pelo Laboratório de Direitos Humanos e Justiça Global da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Martínez-Torrón falou sobre liberdade de religião e liberdade de crença no Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Após a conferência, a Conexões fez uma entrevista exclusiva com o professor. Confira o material completo abaixo.

Javier Martínez-Torrón também é professor em tempo parcial na Faculdade de Direito da Saint Louis University, fundador e diretor do Seminário de Professores de Relações Igreja-Estado da UCM e professor e pesquisador em inúmeras universidades da Europa, da América do Norte e da América Latina.

Qual é a importância da liberdade religiosa ou de crença em um país tão diverso quanto o Brasil?

A importância está em duas coisas. A primeira é que a liberdade religiosa e a liberdade de crença são uma parte dos direitos humanos. Historicamente este é o direito humano que deu origem a todo o movimento de direitos humanos, já que as grandes guerras religiosas da Europa deram lugar a esta necessidade de respeito e de tolerância no que diz respeito ao crescimento de pessoas que creem em coisas distintas.

Há também uma dimensão dos direitos humanos que parte do ponto de vista da práxis política e abarca uma sociedade como o Brasil, que é culturalmente diversa, etnicamente diversa e religiosamente diversa. Se o padrão da liberdade religiosa e do respeito pela crença dos outros não é alto, a convivência seria impossível

Hoje, temos um presidente no Brasil que não respeita a liberdade religiosa ou a liberdade de crença. Ele disse uma vez que nós não vivemos em um Estado laico, e sim em um Estado cristão.

Qual é a sua opinião sobre isso?

Como Jair Bolsonaro é o presidente do Brasil, não é pertinente que eu emita opinião, porque me faltaria conhecimento para tal. Mas o que você diz sobre não respeitar a liberdade religiosa… É difícil para mim pensar que um presidente possa definir isso. Se assim fosse, seria muito grave.

Outro aspecto é o Estado laico e o Estado cristão. Há aí duas questões distintas.

A primeira é uma questão de definição constitucional de um Estado, e isso corresponde fundamentalmente às autoridades que interpretam legitimamente a Constituição. A definição de um Estado laico, ou de um tipo de Estado laico – pois existem muitos – cabe ao Tribunal Constitucional do Brasil. O presidente, que é uma autoridade política importante no país, pode ter a sua opinião a respeito, porém a última instância a quem corresponde definir as características de um Estado laico, ou de um tipo de Estado laico, é a Carta Constitucional e não o presidente.

Há outra questão que é da apreciação do Brasil não tanto como um Estado, e sim como uma nação. Aí pode haver um nicho político inspirado em lutas sociais que são suscetíveis a interpretações muito distintas. Quando uma pessoa, seja o presidente do Brasil ou um vendedor de peixe, diz: ‘Esta é uma nação cristã, porque tem uma história que está vinculada ao cristianismo e porque a maior parte da população pratica ou crê no cristianismo’, há nesta fala um elemento de identificação social e cultural. E esta é uma questão de apreciação subjetiva. Obviamente, é a apreciação subjetiva da identidade cristã.

A identidade cristã não pode te levar a discriminar aqueles que não são cristãos, que são de outras religiões ou que não têm religião alguma. Isso seria uma questão não permissiva. Seria injusto discriminar outras pessoas. Porém, identificar uma nação com princípios que historicamente estão vinculados à evolução política e social dela não me parece um despropósito, sinceramente.

Não sei como é a situação no Brasil, mas na Europa há uma confusão frequente na Europa, que identifica Estado com nação ou com sociedade. O Estado é a estrutura política de uma nação ou de uma sociedade. Um Estado pode ser laico e uma sociedade ou uma nação pode ser cristã. Isso é perfeitamente compatível.

Como as instituições podem promover a laicidade do Estado nestas situações?

Respondo com uma pergunta, porque tantas vezes na Europa, e particularmente na Espanha, se fala da laicidade do Estado em termos equívocos para defender posições políticas pessoais. As pessoas que vão por esse discurso político no fundo não se interessam pela laicidade do Estado e, sim, pela justificativa do seu posicionamento pessoal à religião, que pode ser excludente de outros, utilizando a referência constitucional para a laicidade do Estado.

A laicidade do Estado envolve muitas coisas. Poderia ser interpretada de muitas maneiras. O Tribunal Constitucional da Espanha tem ido pelo caminho de uma neutralidade inclusiva. O Estado entende a si mesmo como um reflexo da sociedade, e a sociedade é plural, tem muitas religiões. Nenhuma fica sem representação, porque as instituições públicas refletem essa realidade social. Se as excluíssem, estaria-se construindo um Estado à parte da sociedade.

O problema está quando há pessoas que dizem: ‘O Estado laico significa que a religião não pode ter nenhum lugar na vida pública e isso é o que a Constituição diz’. Elas estão assumindo somente uma das muitas possibilidades da laicidade do Estado e afirmam que a sua posição é a única constitucionalmente legítima. Isso não é defender a laicidade do Estado, isso é utilizar ou instrumentalizar a laicidade do Estado para os seus propósitos políticos. Promover a laicidade do Estado de verdade significa, no Tribunal Constitucional Espanhol, não confundir as funções do Estado e as funções da religião. Não se pode pedir ao Estado que atue em funções religiosas e não se pode pedir à religião que atue em funções políticas. Respeitar a laicidade do estado, no fundo, não é diferente de respeitar a liberdade religiosa e a igualdade das pessoas.

Beatriz Ortiz
ortizcamargob@gmail.com
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