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Pesquisador explica a relação entre alta nos preços dos alimentos e a pandemia

Por: Anna Júlia Lopes

A inflação está em alta e a aceleração dos preços é maior nos setores de alimentação e de bebidas. Os dados são do último boletim de Índice de Preços ao Consumidor e Índice da Cesta Básica de Alimentos de Uberlândia divulgado pelo Cepes/UFU (Centro de Estudos, Pesquisas e Projetos Econômicos Sociais da Universidade Federal de Uberlândia). 

Nesse contexto, associar a inflação crescente com a atual pandemia acaba sendo inevitável, porém essa não é a única explicação possível. A Conexões convidou o professor do curso de economia da UFU, Marcelo Loural, para explicar um pouco do fenômeno que vem ocorrendo com os preços, especialmente dos alimentos. O pesquisador mostra que há outras causas possíveis e que políticas públicas de segurança alimentar poderiam ter evitado o crescimento inflacionário desse setor.

Marcelo Loural acredita que políticas
de segurança alimentar poderiam ter evitado a
inflação. | Arquivo Pessoal.

Conexões: Como o coronavírus afetou a economia e causou a alta dos preços?

Marcelo: A questão da alta dos preços não tem uma relação direta com a pandemia e com o coronavírus. Mas é, sim, resultado de uma desvalorização muito grande do real em comparação ao dólar e a outras moedas estrangeiras. Como consequência, também da pandemia, o real, que não é uma das moedas chamadas de “conversíveis” na hierarquia de moedas, se desvalorizou mais do que as outras.

Com isso, a exportação tornou-se mais vantajosa para os produtores de alimentos e de commodities agrícolas. Nessa lógica, eles ganham mais e o retorno é maior. Então, uma parte maior da produção é destinada para exportações, e isso reduz a oferta do mercado doméstico. Além disso, já havia um movimento até mesmo anterior à pandemia, há alguns anos, de ampliação das terras destinadas a culturas de exportação e redução das áreas para o consumo interno.

Somado a isso, há também um esvaziamento de políticas de segurança alimentar e da manutenção de estoques mínimos de alimentos, para que um choque de oferta não cause tanto impacto nos preços para a população. Esse fenômeno da inflação nos alimentos tem múltiplas determinações. Uma das causas é a própria pandemia, mas esta só explica parte do problema como um todo, sem dar uma dimensão real do que acontece. 

Conexões: Então, até onde o coronavírus tem influência na inflação? De que forma a pandemia deixa de ser o único fator para a inflação?

Marcelo: A pandemia causou uma instabilidade geral, não só no Brasil, mas no mundo todo. Como estamos em um país periférico, que não está no centro do mundo capitalista, acabamos sendo mais afetados pela volatilidade dos fluxos de capitais. Estamos em uma crise global por conta de um problema de saúde pública — a pandemia —, e o que acontece é: os capitais voláteis saem de mercados emergentes e vão em direção a mercados mais seguros. Há uma fuga de capital para os países centrais, e isso explica, em parte, a desvalorização cambial que eu citei anteriormente. E, por outro lado, isso era algo esperado e já vinha acontecendo até meados de agosto, quando o preço dos alimentos passou a subir.

Durante uma pandemia, espera-se uma recessão forte e é o que aconteceu de fato. Apesar do crescimento do terceiro trimestre, houve posteriormente uma queda muito grande na atividade econômica e, nesse ano, o Brasil ainda terá perdas em relação ao ano anterior. E a tendência quando isso acontece é que a inflação se mantenha baixa, ou que pelo menos não se acelere.Em condições normais, não se esperava um aumento da inflação por conta da pandemia. Os juros estão baixos porque não havia pressão inflacionária e, por isso, não haveria uma inflação de demanda, uma vez que esta se encontra desacelerada. Portanto, não é a demanda que explica essa inflação, porque, por conta da pandemia, do desemprego e da quarentena, houve diminuição das atividades econômicas por uns meses. O efeito foi posterior, como um resultado de outros fatores.

Conexões: Que medidas o governo poderia ter tomado para que os preços dos alimentos baixassem?

Marcelo: No Brasil, nós adotamos o chamado Regime de Metas da Inflação como política de controle da inflação, o que baliza nossa política macroeconômica. Mas o problema é que nesse regime considera-se que inflação é sempre de demanda. Como eu disse anteriormente, essa não é uma inflação de demanda. Não há uma aceleração da demanda por alimentos ou por quaisquer outros tipos de bens.  Essa inflação é de custos e tem um impacto cambial.

Então, dentro do regime de metas, a solução seria aumentar a taxa de juros, algo que não vem acontecendo por estarmos em uma recessão violenta. E essa política convencional não foi adotada. O que poderia ter sido feito para tentar minimizar esse impacto seria investir mais em políticas de segurança alimentar e manter estoques em organismos de abastecimento, a fim de garantir a oferta de alimentos a preços razoáveis, sem que a população fosse impactada pela alta.

Essa seria uma forma não convencional de combater uma inflação que, por agora, está localizada nos alimentos — ainda que possa se espalhar conforme os custos impactam outros setores. Com uma política de segurança alimentar mais efetiva, que o Brasil até já teve alguns anos atrás, esse impacto poderia, ao menos, ter sido minimizado. 

Conexões: E quais medidas o Governo tomou? Elas foram bem-sucedidas ou mal-sucedidas?

Marcelo: Na verdade, não foi tomada nenhuma medida para combater a inflação dos alimentos. Nem uma medida menos convencional, como reforçar mecanismos de segurança alimentar, que seria, no meu entender, a mais correta. Nem a mais convencional, que seria, via regime de metas, um aumento da taxa de juros — ainda que, nesse momento, fosse pouco efetiva no combate desse tipo de inflação.

Alguns analistas, e inclusive o Governo, dizem que isso é resultado do auxílio emergencial, que essa inflação é por um aumento de demanda do auxílio emergencial. Mas não é isso que parece ser a verdade, uma vez que parte das pessoas recebendo o auxílio emergencial teriam sua renda advinda do trabalho ou de outras atividades que não puderam realizar durante esse período de pandemia. Não vejo o auxílio emergencial como um resultado dessa inflação. E quem  segue esse diagnóstico, acredita que quando o auxílio parar de ser pago, a inflação vai se reduzir. Não é a maneira como eu vejo.

Conexões: De que forma  as políticas públicas agem no mercado e na economia para diminuir o impacto da inflação dos alimentos?

Marcelo: O Governo administrando mecanismos de compras e manutenção de estoques de alimentos. Mas isso deveria ter sido feito anteriormente. Por isso é importante manter tais políticas constantemente. Nunca se sabe quando, de fato, os estoques serão necessários. Se a pandemia tivesse começado com estoques já razoáveis, os impactos já teriam sido minimizados.

Agora, depois que aconteceu, é mais difícil consertar. Mesmo agora, para compor estoques, tem que ser feito um gasto maior do que seria feito antes da pandemia. Isso mostra a importância de se manter uma política de segurança alimentar mesmo em um período “mais calmo”, para quando vier a necessidade ter todo o esquema estruturado.

Alimentos são negociados em mercado internacional, têm seus preços determinados externamente e estão sujeitos a oscilações de preços, mesmo em tempos não-pandêmicos. Por isso é importante manter essas políticas constantemente. No momento, com estoques baixos, retomar isso é a solução possível, mas que vai sair mais custosa do que se fosse adotada anteriormente.

O boletim do CEPES/UFU mostra que os alimentos puxaram a inflação para cima | Reprodução/Boletim CEPES-UFU
Anna Júlia Lopes
annajulialrodrigues@gmail.com
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